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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JUIZ DE FORA
MARIA CRISTINA GOMES BARBOSA DE LIMA
“CHAPEUZINHO VERMELHO”:
A REESCRITA DE BRAGUINHA E
RUBEM ALVES
Juiz de Fora
2008
MARIA CRISTINA GOMES BARBOSA DE LIMA
“CHAPEUZINHO VERMELHO”:
A REESCRITA DE BRAGUINHA E
RUBEM ALVES
Dissertação apresentada ao Centro de
Ensino Superior de Juiz de Fora, como
requisito parcial para a conclusão do
Curso de Mestrado em Letras, Área de
Concentração: Literatura Brasileira.
Linha Pesquisa: Literatura de Minas: o
regional e o universal
Orientador(a): Profª Drª Thereza da
Conceição Aparecida Domingues .
Juiz de Fora
2008
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Esdeva – CES/JF
Bibliotecária: Alessandra C. C. Rother de Souza – CRB6-1944
LIMA, Maria Cristina Gomes Barbosa de.
Chapeuzinho Vermelho: a reescrita de Braguinha e Rubem
Alves Lima. [manuscrito] / Maria Cristina Gomes Barbosa de Lima. –
Juiz de Fora: Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, 2008.
108 f.
Dissertação (Mestrado em Letras) – Centro de Ensino Superior
de Juiz de Fora (MG), Área de concentração: Literatura brasileira.
“Orientadora: Thereza Domingues”
1. Literatura infantil. 2. Contos de fada – Crítica e interpretação.
Perrault, Charles, 1628-1703. 3. Grimm, Jacob, 1785-1863. 4.
Grimm, Wilhelm, 1786-1859. I. Centro de Ensino Superior de Juiz
de Fora. II. Título.
CDD – 028.5
Todo conhecimento começa num sonho.
O conhecimento nada mais é que a
aventura pelo mar desconhecido, em
busca da terra sonhada. Mas sonhar é
coisa que não se ensina. Brota das
profundezas da terra. Como mestre, só
posso então lhe dizer uma coisa:
Conte-me seus sonhos para que
sonhemos juntos.
(Rubem Alves)
RESUMO
LIMA, Maria Cristina Gomes Barbosa de. Chapeuzinho Vermelho: a reescrita de
Braguinha e Rubem Alves. 116 f. Dissertação (Mestrado em Letras). Centro de
Ensino Superior de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2008.
Os contos de fada eram concebidos, em meados do século XVII, como
entretenimento dos adultos e narrados em reuniões sociais, salas de fiar, nos
campos e em outros ambientes onde eles se reuniam. Somente a partir do século
XIX é que se transformaram em literatura infantil. Muitas das preocupações que
povoam a mente das crianças são projetadas, inconscientemente, nos vários
personagens da história alimentados por conflitos e vivenciados pelas crianças no
seu processo de crescimento. A presente dissertação expõe um estudo da narração
ficcional do conto “Chapeuzinho Vermelho” escrito por Charles Perrault e adaptado
pelos Irmãos Grimm. Concluindo um exame literário das reescritas do conto na
narrativa em versos de Braguinha e na paródia de Rubem Alves. A reflexão sobre os
sentimentos de alegria, desejo, medo e solidão da moralidade legitimam uma
hierarquia capaz de ampliar a formação e a consciência moral e sua dimensão nos
desejos contemplados e mantidos pelos autores.
Palavras-chave: Literatura. Contos Infantis. Intertextualidade.
ABSTRACT
Fairy tales arose in the middle of the XVII century as entertainment for the people
and were presented in social meetings, in open spaces and around the evening fires.
It was only, starting from the XIX century that they became children´s literature. Many
of the problems in the children´s mind that are projected unconsciously in the many
of the characters of the stories and lived out by children in their growth process. The
present dissertation aims to study the fairy tale “Little Red Riding Hood”, written by
Charles Perrault and re-written of the Grimms brothers. Finally, there are reflection
on the re-writing in Branguinha´s narrative and Rubem Alves´s parody. The
perception of the feeling of happiness, desire, worry and loneliness concerning
morality prescribes a hierarchy, capable to enlarge the formation, the moral
conscienceness and this is among the contemplated desires of the authors.
Keywords: Literature. Fairy tales. Re-writing. Little Red Riding Hood.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ………………………………………………………………… 06
2
2.1
2.2
2.3
REFLEXÕES SOBRE A LITERATURA INFANTIL .................................
LITERATURA INFANTIL E SEUS CAMINHOS ........................................
DIMENSÃO HISTÓRICA DA LITERATURA INFANTIL ............................
DIMENSÃO EDUCATIVA DA LITERATURA INFANTIL ...........................
12
14
22
28
3
3.1
3.2
3.3
CAPEUZINHO VERMELHO EM PERRAULT E GRIMM .........................
A INTERTEXTUALIDADE NO CONTO ....................................................
A NARRATIVA DE CHARLES PERRAULT ..............................................
A NARRATIVA DOS IRMÃOS GRIMM .....................................................
35
41
51
55
4
4.1
4.2
4.3
CHAPEUZINHO VERMELHO EM BRAGUINHA E RUBEM ALVES .....
A PARÁFRASE DE BRAGUINHA (JOÃO DE BARRO) ...........................
A REESCRITA DE RUBEM ALVES .........................................................
O VALOR DE UMA BOA HISTÓRIA ........................................................
58
65
71
79
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 84
REFERÊNCIAS .................................................................................................
ANEXOS ...........................................................................................................
89
93
1 INTRODUÇÃO
Os contos de fadas proporcionam grandes benefícios na formação da
personalidade porque é através das narrativas que as crianças conseguem assimilar
os conteúdos da história e compreender que é possível vencer os obstáculos e
saírem vitoriosas, pois o herói sempre sai vencedor no final das narrativas. Durante
o desdobramento da trama, a criança se identifica com as personagens e passa a
vivenciar os episódios narrados de forma clara e simples. Os conflitos internos,
inerentes a todo ser humano, como o impacto da morte, a chegada do
envelhecimento, a luta entre o bem e o mal, a inveja e tantos outros valores
abordados nos contos infantis são expostos dentro de um desfecho que oferece
finais para sempre felizes.
A elaboração de caminhos para lidar com os temores e anseios que habitam
o imaginário infantil é formada dentro da estrutura interna e simbólica representada
pelos medos, pelos desejos, pelos amores e pelos ódios que a criança apresenta
nos seus sentimentos abafados dentro de sua imaturidade. Este aprendizado é
captado pela criança utilizando-se de um simbolismo intuitivo e tornando-se muito
mais abrangente do que se possa acreditar. Cada vez mais surgem evidências de
que os sistemas de crenças produzem efeito decisivo sobre o funcionamento do ser
humano, tanto psíquico quanto fisiológico, de modo que crenças alicerçadas no
espírito de esperança e de vitória são de grande ajuda na superação de dificuldades,
mesmo na vida adulta.
As mensagens realçadas na vitória do bem sobre o mal transportam uma
verdade que independe do tempo. A criança excede as narrativas antigas para a sua
realidade atual e reelabora seus conteúdos internos através da repetição da história.
É por isso que é comum a criança pedir para ouvir ou ler a mesma história inúmeras
vezes. Trata-se da referência que ela está usando para compreender-se, para
elaborar suas angústias ainda não resolvidas. A repetição ajuda o leitor/ouvinte a
confirmar o conteúdo que está sendo processado para que o conflito interno seja
solucionado.
Outra função importante dos contos de fadas é a de resgatar o princípio da
vida, ou seja, a criança precisa cumprir cada etapa do seu desenvolvimento para
que sua estrutura psíquica possa crescer equilibrada. A vivência emocional
adquirida através dos contos de fada ajuda a regular as fases de amadurecimento
do ser humano, em oposição à ansiedade e ao acúmulo de demandas, de
cobranças e de pressões de toda sorte que a sociedade moderna exerce sobre os
indivíduos, mesmo sobre as crianças.
Os contos de fadas transmitem às crianças a mensagem de que na vida é
inevitável termos de nos deparar com dificuldades, mas que se lutarmos com
firmeza, será possível vencer os obstáculos e alcançar a vitória. Ao ouvir uma
história, o imaginário da criança é acionado, e as emoções provocadas pelos medos,
frustrações, amores, desejos, sentimentos atingem diretamente o seu interior. Daí
porque, enquanto ouvem as histórias, as crianças se emocionam com tal
intensidade, que apresentam calafrios pelo corpo, sustos e passam a sonhar com
lindos príncipes ou princesas.
Em seus primórdios, a Literatura foi essencialmente fruto da imaginação, nos
quais os elementos sobrenaturais estavam integrados às narrativas e eram tratados
com naturalidade. Nessa época, o conhecimento científico dos fenômenos da vida
natural ou humana era inacessível à humanidade. O pensamento mágico dominava
a lógica e revelava a preocupação da sociedade com as relações humanas ao nível
do social que correspondia às fábulas. A literatura arcaica acabou se transformando
em Literatura Infantil, ou seja, a natureza mágica da narrativa atraiu
espontaneamente as crianças.
Dentre os contos de fadas, o conto “Chapeuzinho Vermelho”, sempre foi e
continua sendo uma das narrativas mais importantes na literatura infantil. Através
do prazer e das emoções que a história proporciona o simbolismo implícito na trama
e a interação das personagens na narrativa, a criança passa a agir
inconscientemente, atuando pouco a pouco e ajudando a resolver os conflitos
internos. É nesse sentido que a Literatura Infantil e, principalmente, os contos de
fadas podem ser decisivos para a formação da personalidade da criança em relação
a si mesma e ao mundo à sua volta.
A proposição exposta sobre o conto “Chapeuzinho Vermelho” se fundamenta
dentro de três momentos específicos. Primeiramente, será levantado um estudo
reflexivo sobre a Literatura Infantil salientando os caminhos percorridos até os dias
atuais e sua dimensão histórica e educativa. Partindo desta abordagem
contemplativa sobre os rumos tomados pela Literatura Infantil, será feita uma análise
intertextual do conto “Chapeuzinho Vermelho” e as narrativas de Charles Perrault e
dos Irmãos Grimm. Este exame científico será finalizado com o aprofundamento
investigativo da paráfrase escrita por João de Barro (Braguinha) e da reescrita de
Rubem Alves sobre o conto. Este viés contempla a linha de pesquisa Literatura de
Minas: o regional e o universal já que Rubem Alves, apesar de renome nacional, é
natural da cidade de Boa Esperança, localizada no sul do Estado de Minas Gerais.
Os valores apresentados no conto infantil “Chapeuzinho Vermelho” em
antigas edições têm uma força estética que exerce domínio emocional raramente
encontrado nas obras contemporâneas. Perrault e os Irmãos Grimm procuraram
referir os comportamentos a serem seguidos inspirando-se em posturas
moderadoras da conduta infantil.
Braguinha invadiu a narrativa ficcional do conto “Chapeuzinho Vermelho” e
inseriu um texto com rimas e cantigas folclóricas, levando o leitor a aventurar-se pelo
desconhecido. Os anseios e os temores da sociedade moderna fizeram com que
Rubem Alves aprofundasse a temática da perda sob outro prisma, inserindo novas
considerações que possibilitam discutir outros valores. O significado mais profundo
dos contos infantis está em trazer à tona o medo mais comum da infância, ou seja, o
medo do desamparo.
O estudo do conto “Chapeuzinho Vermelho” se funda nos princípios opostos
entre o certo e o errado que ajudam a criança a compreender certos valores básicos
da conduta humana ou do convívio social. O princípio que afirma a existência das
duas vertentes, o certo e o errado, é transmitido através de uma linguagem
simbólica que procura formar a consciência ética do leitor/ouvinte. O que as crianças
encontram nos contos de fadas são, na verdade, categorias de valor que são
perenes. O que muda é apenas o conteúdo rotulado entre o que é bom ou o que é
mau. Os significados dos símbolos no conto estão ligados aos eternos dilemas que o
homem enfrenta ao longo de seu amadurecimento emocional.
Os franceses foram os criadores, no século XVII, do termo conte de fée, ou
conto de fadas, posteriormente os ingleses renovaram com o fairy tale.
Anteriormente, os contos eram passados apenas pela tradição oral, sobretudo no
Centro da Europa, e iam buscar, de forma muito dispersa, elementos ligados ao
mito, às grandes tradições religiosas, aos símbolos e arquétipos de vários tipos, à
literatura antiga, à medieval. Os contos foram evoluindo dentro de uma tendência
que procurou unificar as idéias e os princípios diversificados que foram sendo
reconstruídos e modernizados dentro de novas versões das narrativas do conto
“Chapeuzinho Vermelho”.
A partir do século XVII, emergiu uma tradição erudita do conto de fadas, que
ganhou força com as adapatações escritas por Charles Perrault , recolhidas a partir
da tradição oral. O conto “Chapeuzinho Vermelho” moderno, tal como é conhecido,
foi ostentado nessa tradição, promovida por pessoas como Perrault e os Irmãos
Grimm. “Chapeuzinho Vermelho” passou a ser uma forma de cultura elaborada e
deixou de ser uma mera literatura oral cultivada e transmitida sobretudo pelas
populações rurais, tornando-se uma cultura de salão.
A história da bela menina que vai levar algumas guloseimas para a avó diz
respeito à confrontação de uma adolescente com a sexualidade adulta. O significado
oculto expresso no conto aparece através de seu simbolismo baseado em aspectos
que não existiam nas versões conhecidas dos camponeses, nos séculos XVII e
XVIII. Assim, a cor vermelha do capuz de “Chapeuzinho Vermelho” é representada
pelo símbolo da menstruação e, a advertência da mãe para que a menina não se
desviasse do caminho, como o momento em que surge a ruptura entre o bem e o
mal. As pedras colocadas na barriga do lobo, depois que o caçador retira a menina e
sua avó, readaptado pelos Irmãos Grimm, representam a punição por infringir um
tabu sexual.
O pressuposto de que todo homem interage independentemente com os
outros indivíduos a partir da visão que o outro compreende do mundo e do olhar
diferenciado que leitor/ouvinte irá se sensibilizar em contato com a narrativa aponta
para uma análise crítica do conto levando a indagações e estudos que refletem o
modo de agir e pensar da sociedade em cada época e lugar.
O encantamento no conto “Chapeuzinho Vermelho” está relacionado com a
imaginação e a criatividade. Não basta imaginar que uma coisa pode ser diferente, é
necessário que se tenha a convicção de que algo pode ser mudado nos
acontecimentos da narrativa. O conto apresenta uma dimensão ética, um
entendimento que impede que o leitor se converta dentro de valores de condutas
não aceitos pela sociedade e preserve sua integridade moral. E isso é fundamental
para que se mantenha uma cidadania sadia, ou seja, o conto “Chapeuzinho
Vermelho” tem a capacidade de dizer que as coisas podem ser diferentes e que nem
sempre são o que parecem.
A intertextualidade do conto está ligada a visão de mundo, que deve ser
compartilhado. A elaboração e adaptações da narrativa pressupõem um universo
cultural muito amplo e complexo, pois implicam na identificação e no
reconhecimento das diversas versões da obra ou trechos mais ou menos
conhecidos, além de exigir a capacidade de interpretação e de ajustamento do conto
às condições e às necessidades da sociedade de determinada época.
A manutenção das características gerais do conto “Chapeuzinho Vermelho”
depende da experiência de vida, das vivências, das releituras e modernizações da
narrativa. A transformação e readaptação da história levam a refletir a respeito da
individualidade e da coletividade em termos de criação. A paráfrase é uma imitação,
na maioria das vezes ironica, de uma produção literária, em outras palavras é uma
imitação que provoca risos. A reprodução do conto “Chapeuzinho Vermelho” surgiu
a partir de uma nova interpretação, de uma nova recriação da obra já existente e,
consagrada. Seu objetivo é modificar a obra original dando um novo contexto, ou
seja, passando diferentes versões para um lado mais despojado, e aproveitando o
sucesso da obra original para passar um pouco de alegria.
A Literatura Infantil, aparentemente ingênua, é uma manifestação que se
ordena em múltiplas relações com a sociedade, com os sistemas de pensamento,
com a realidade sócio-econômica. Como toda arte, em suas diferentes
manifestações, é produzida por meios que são históricos. Antes da escrita, a arte da
palavra era utilizada na tradição oral, nas cantigas folclóricas; com a invenção da
escrita, e depois com o advento dos meios técnicos de impressão, ganhou-se
visualidade com os desenhos e figuras esboçadas nas páginas, acentuando a
criação de sentido com as imagens para as narrativas.
Atualmente, a Literatura Infantil tangencia convergências e fronteiras da
inovação do século XXI penetrando nas questões de ordem éticas, estéticas e
desenvolvendo tecnologias e efeitos de linguagens que admiram até quem nunca
ouviu ou sabe sobre o conto, não como entidades isoladas, mas como a própria
figura real e imaginária da contemporaneidade. As reflexões sobre leitura e aspectos
da linguagem da Literatura sob a abordagem dos signos e de suas significações
busca relacionar e confrontar linguagens verbais e não verbais, reconhecendo nos
diálogos que a literatura estabelece com outras artes e outras formas de
representação, as linguagens por meio do que o contexto histórico se exprime.
Dentro desta perspectiva, vislumbra-se o processo ininterrupto de transformações da
literatura em constantes tentativas de se rearticular a realidade mutante da
linguagem.
Na verdade, os contos populares são documentos históricos. Surgiram ao
longo de muitos séculos e sofreram diferentes transformações, em diferentes
tradições culturais. Longe de expressarem as imutáveis operações do ser interno do
homem, sugerem que as próprias mentalidades mudaram. Os contos de fadas
ajudam a avaliar a distância entre universo mental moderno e o dos povos
ancestrais. Quando uma criança lê ou escuta a primitiva versão camponesa do
"Chapeuzinho Vermelho", é capaz de voltar à origem do conto, com suas
vestimentas, seu enredo e seu cenário baseado nas análises simbólicas e nos
detalhes da narrativa, ou seja, capuzes vermelhos e caçadores.
2 REFLEXÕES SOBRE A LITERATURA INFANTIL
Desde a pré-história o homem procurou estabelecer algum tipo de
comunicação evidenciando sua presença no mundo através da escrita em pedras,
tabuinhas de argila, peles de animais, entre tantos outros tipos de materiais tirados
da natureza demarcados através de riscos ou garatujas, na tentativa de revelar sua
passagem no tempo. Os desenhos traçados nas cavernas levaram o homem a
conquistar sua hegemonia na forma de transmitir e receber mensagens através da
linguagem falada e/ou escrita.
O ato de ouvir e contar as histórias acompanha o ser humano de geração em
geração, ao longo de sua existência. A literatura se manifesta conscientemente
através da palavra, do pensamento, da idéia, da imaginação. E é a palavra o
elemento indispensável no universo imaginário do ser humano, pois ela exprime e
faz reunir as excentricidades de cada momento.
Nelly Novaes Coelho em sua obra, Literatura Infantil: teoria, análise e
didática ressalta que a “Literatura é arte e, como tal, as relações de aprendizagem e
vivência, que se estabelecem entre ela e o indivíduo, são fundamentais para que
este alcance sua formação integral de conscientização do eu com o outro e com o
mundo” (2000, p.10). O pensamento, as idéias e a imaginação, ou seja, a palavra é
a base de todo discurso literário. Sua eficácia como instrumento de formação
humana está estritamente relacionada à leitura e ao domínio da mesma pelo
homem.
Os trabalhos literários documentam um papel representativo nos contos
infantis e na formação da personalidade. Muitas preocupações que povoam a mente
das crianças são projetadas, inconscientemente, nos vários personagens das
histórias alimentados por conflitos internos e vivenciados pelas crianças no seu
processo de crescimento.
As narrativas procuram reunir as necessidades básicas da humanidade: a
experiência dos adultos, a busca contínua pelo desconhecido, o prazer de aventurar-
se e seus efeitos como as alegrias, os desconfortos, as revelações e as tristezas,
visto que parte do poder das histórias deriva não só das palavras como das
representações morais que as acompanham, tornando-se parte do pensamento e
das expressões cotidianas. Os contos infantis transpõem desejos e almejam uma
orientação moral clara e positiva paralela à mensagem passada e compreendida
pelo leitor.
Enquanto narrativa destinada ao público, os contos de fadas surgiram na
Europa durante a Idade Média originários de relatos orais que ficaram registrados na
memória dos povos e foram transmitidos através dos tempos. Muitos contos revelam
afinidade com ritos dos povos primitivos, onde para alcançar outra etapa da vida,
submetia-se o ser humano a inúmeras provas que comprovariam ou não o seu
amadurecimento. Os heróis das histórias eram apresentados sempre em situação
inferior no meio em que viviam e somente com o auxílio de “elementos mágicos”
conseguiam superar as dificuldades.
A sustentação do conto está definida dentro de virtudes, desejos, apetites e
aspirações criadas a partir das identidades que permitem produzir finais para
sempre felizes. Onde cada texto torna um instrumento facilitador que conduz o leitor
a enfrentar seus medos e desembaraçar-se de sentimentos hostis e desejos
danosos. Gilberto Mendonça Teles assevera na Retórica do Silêncio I que: “deve-
se levar em conta que a linguagem literária não passa, portanto, de uma irrealidade
que se vale de uma outra irrealidade que a linguagem comum” (1989, p. 28).
A Literatura Infantil é o princípio mágico e inaugural que se revela em cada
personagem, cada palavra e cada sentir. Seu objetivo não é só expressar uma rede
de idéias através de palavras e imagens, mas levar o ser humano a pensar, a
distinguir e a se posicionar moralmente diante de modelos de comportamento
considerados vitais. Valdecir Conte argumenta sobre a Literatura infanto-juvenil
que, “[...] é uma forma particular de conhecimento da realidade, é uma certa maneira
de ver o real [...] pode, ser uma excelente porta de entrada para a reflexão sobre
aspectos importantes do comportamento humano e da vida em sociedade [...]”
(2002, p. 40).
As narrativas infantis procuram convencer o leitor através de seus
argumentos e palavras. A exposição dos fatos, dos acontecimentos ou das
particularidades relativas a um determinado assunto é uma verdadeira descrição. A
literatura é uma fonte capaz de traçar pistas e imagens do mundo, dando acesso às
formas de ver a realidade de um outro tempo, fornecendo pistas daquilo que poderia
ter sido ou acontecido no passado.
2.1 LITERATURA INFANTIL E SEUS CAMINHOS
A Literatura Infantil é um agente formador e conscientizador de mundo,
capaz de atingir duas direções do conhecimento: a da literatura propriamente dita
com o leitor atento e a da formação de um ser competente e sintonizado com as
transformações do momento presente. O ser humano é um aprendiz de cultura e as
narrativas infantis são meras representações de mundo, de homem e de vida,
através da palavra. A evolução da humanidade se faz ao nível da mente, da
consciência de mundo que cada um vai assimilando desde a infância.
Assim, tanto a literatura oral como a escrita se tornam agentes capazes de
expressar as culturas, as heranças e os valores herdados e renovados na
sociedade. E o livro passa a ser o responsável pela formação de consciência de
mundo das crianças, pois a condição básica do ser humano é observar e
compreender o espaço em que vive e os seres e as coisas com que convive.
Por isso, a Literatura é um fenômeno da linguagem, resultante da existência
social e cultural e está diretamente interligada com a história e a herança cultural. As
transformações literárias ocorridas no momento atual foram semeadas dentro de
temáticas tradicionais e consolidadas pelo Romantismo, na busca de reforçar o ideal
de indivíduo representado por heróis ou personagens que ofereciam qualidades e
virtudes consagradas pela sociedade, como padrões de comportamentos que
deveriam ser imitados.
Os estudos da Literatura Infantil estimulam o exercício da mente, a percepção
do real e suas múltiplas significações, a consciência do eu em relação ao outro, a
leitura de mundo nos vários níveis e a dinamização e conhecimento da língua e da
expressão verbal. Para Nelly Novaes Coelho (2000), a criança é um ser educável, o
ser humano é um aprendiz da cultura.
Toda história apresentada leva o leitor a um diálogo constante com o texto,
conscientizando-o gradativamente na formação interior de sua responsabilidade
moral defrontada no seu convívio social. Coelho afirma em sua obra Literatura
Infantil que: “conhecer a Literatura que cada época destinou às crianças é conhecer
os ideais e valores ou desvalores cada sociedade se fundamentou” (2000, p. 27). A
leitura é assimilada dentro da escrita criativa e sintonizada com as transformações
do momento presente, reorganizando o próprio conhecimento ou consciência de
mundo.
A literatura contemporânea tem por objetivo alterar ou transformar a
consciência crítica do leitor. Até pouco tempo, a Literatura Infantil estava habituada a
criar belas obras literárias destinadas apenas à mera distração e prazer das crianças
em ler, folhear ou ouvir agradáveis histórias. As criações literárias eram reduzidas
em seu valor intrínseco, mas conseguiam atingir seu objetivo, que era atrair o
pequeno leitor e levá-lo a participar das diferentes experiências de vida no campo do
maravilhoso.
A arte do autor/escritor em inventar a matéria literária ou manipular os
processos estruturais resultou no encadeamento, na seqüência narrativa, no
desenvolvimento e no ritmo de sua ação apresentadas através de fragmentos
vividos dentro da visão de mundo. Na ficção contemporânea surgiu uma forma
híbrida de linguagem, resultante da visão realista que procurou reproduzir uma
experiência vivida no mundo real como sendo simbólica.
Neste realismo mágico, segundo Nelly Novaes Coelho, “o cotidiano mais
comum passa a conviver com um elemento estranho ou maravilhoso que ali é visto
como absolutamente natural” (2000, p. 82). A linguagem simbólica pode ser
expressa através da utilização de animais que representam idéia, intenções ou pela
utilização de seres inanimados presentes também no reino vegetal, que passam a
adquirir vida e falam ou agem como humanos. A representação de uma situação
vivida pelo ser humano pode ser analogicamente transposta dentro de um todo
narrativo e ideológico.
Em seu guia para desenvolver habilidades e obter sucesso na apresentação
de uma história Vânia Dohme declara que:
as histórias podem ir além do encantamento, quando escolhidas, estudadas
e preparadas adequadamente, podem ter a função de educar. Elas
encerram lições de vida, dando contexto a situações, sentimentos e valores
que, quando isolados, são difíceis de serem compreendidas pelas crianças.
Estas narrações, tão saborosamente recebidas, desencadeiam processos
mentais que levarão a formação de conceitos capazes de nortear o
desenvolvimento em valores éticos e voltados para a formação da auto-
estima e a cooperação social (2000, p. 5).
A Literatura Infantil é uma representação artística que se apropria do
simbólico utilizando-se de caminhos que exaltem os anseios, as angústias, os
conflitos e as buscas do homem. “Faz, então, emergir uma liberdade de espírito,
algo como deixar acontecer as coisas do mundo, sem o compromisso da culpa. Mas,
está para além da catarse e da sublimação, porque é capaz de tornar-se a própria
vida” (CAVALCANTI, 2002, p.12).
As disposições das narrativas literárias destinadas às crianças estão no
âmago da linguagem poética, no jogo de palavras, no ritmo, na sonoridade que já
compõe e cria uma realidade própria. Elas são mais do que uma simples estrutura
discursiva, extrapolam o universo concreto, aprofundando-se nas construções do
imaginário de cada leitor. A relação do leitor com o mundo estabelece-se a partir da
entrada do simbólico, levando-o a refletir a respeito de um determinado assunto e
ressaltando a importância do imaginário. A Literatura Infantil se faz da palavra para
além dela. A palavra é apenas o fio condutor que permite traçar caminhos de
integração entre o eu, o outro e o mundo.
Joana Cavalcanti em Caminhos da literatura infantil e juvenil assevera
que:
as narrativas sempre se constituíram relato essencial da capacidade
humana de fabular, fantasiar e criar. Desde sempre o homem narrou. Não é
difícil imaginar a reação dos primeiros seres humanos ao depararem o
universo desconhecido, estranho e diferente deles mesmos e por isso
ameaçador, ou mesmo o olhar de contemplação mergulhado na luz do sol
ou nas sombras do luar, ou mesmo o pensamento, ainda não totalmente
elaborado pelo ser racional que se erguia nos tempos primevos (2002, p.
19).
As histórias infantis foram inicialmente destinadas aos adultos e, com o
tempo, se transformaram em literatura para pequenos. Nasceram no meio popular e
se expandiram em diversas adaptações. Todas tinham a intenção de passar
determinados valores ou padrões que deveriam ser respeitados e incorporados pela
sociedade. As fábulas, os mitos e as lendas folclóricas sempre agradam a todos,
porque possuem uma linguagem metafórica facilmente percebida e assimilada,
podendo atualizar-se continuamente. Os valores são repassados dentro de um
pensamento mágico e comunicável.
A mentalidade popular e a infantil identificam-se entre si através de uma
consciência primária na apreensão do eu interior ou da realidade exterior, ou seja, o
sentimento do eu predomina sobre a percepção do outro. Em conseqüência, as
relações entre ambos são estabelecidas através da sensibilidade, dos sentidos e
das emoções.
Tanto o homem rudimentar quanto a criança possuem uma consciência a-
histórica da realidade em que estão inseridos, pois compreendem apenas o
presente. A linguagem poética empregada nos primórdios utilizava padrões de
pensamento ou de conduta abstratos e difíceis de serem compreendidos ou
assimilados, fazendo surgir uma linguagem literária que procurou comparar as
imagens, os símbolos e as representações.
As grandes obras literárias existentes levam a Literatura Infantil a abranger
artística e pedagogicamente o leitor, visto que provocam emoções, dão prazer ou
divertem e, acima de tudo, modificam a consciência de mundo. A Literatura
destinada às crianças pode transformar-se em uma aventura espiritual capaz de
modificar toda obra e os valores a serem repassados por ela. Ou, pode transformar-
se em uma literatura meramente informativa, preservando o leitor e servindo apenas
como uma atividade mental descompromissada, dentro de um sistema de regras
que busca entreter o indivíduo.
O importante é que todo discurso literário procure transmitir valores para
serem incorporados como verdades pelas novas gerações. O ideal é: divertir, dar
prazer e emocionar, mas também ensinar modos de ver o mundo, de viver, de
pensar, de reagir, de criar. Por meio das histórias o leitor se defronta com situações
fictícias e percebe as várias alternativas oferecidas, tornando-se capaz de antever
as conseqüências que determinada situação acarretará, montando seu próprio
código moral a partir de sua vivência.
A formação do caráter do leitor agita o raciocínio infantil, interrogando-o e
fazendo-o se posicionar. O exercício da imaginação ajuda na formação da
personalidade, na medida em que possibilita fazer conjecturas, combinações e
visualizações. A criatividade está diretamente ligada à quantidade de referências
que cada ser humano possui. Por isso, é preciso ter olhos para ver a realidade da
sociedade que a cerca, identificando as atitudes corretas e reprimindo as danosas.
A busca da identidade e da conscientização do homem dentro de situações
fantasiosas nas narrativas, nos sons, nos ritmos e nos pensamentos dos contos
infantis expressa uma busca de caracteres propriamente solidários. Há, também,
uma exposição por uma nova visão de mundo que caminha na busca da
autodescoberta do “eu” em relação ao “outro”. Este resgate das origens é
reinventado através do lastro popular arcaico e de um apelo visual gráfico
representado verbalmente e fundamentado dentro de uma estrutura organizada de
idéias e de imagens.
Os contos infantis são uma fonte incomparável de aventura e suspense, que
excitam a imaginação. É um erro compará-los a mera transmissão de lições de vida
sobre o comportamento desejável para alcançar o sucesso na vida por meio de
conselhos, pois “[...] há dramas sérios que refletem eventos que acontecem no
mundo interior da criança” (CASHDAN, 2000, p. 25).
As narrativas ajudam a criança a lidar com os conflitos internos, travando
lutas com o próprio “eu”, durante o processo de crescimento. Elas são as mais
eficazes e oferecem novos ‘insights’ em relação a velhos conflitos. Na obra Os 7
pecados capitais nos contos de fadas, Sheldon Cashdan declara que:
os contos de fadas são, essencialmente, dramas maternos nos quais as [...]
figuras femininas funcionam como derivativos fantasiosos das diversões da
primeira infância. Ao transformar as divisões do eu em uma aventura que
coloca as forças do bem contra as forças do mal, os contos de fada não
apenas ajudam as crianças a lidar com as forças negativas presentes no eu,
mas também homenageiam o papel fundamental que as mães têm na
gênese do próprio eu (2000, p. 45).
As histórias infantis são sobretudo narrativas sobre as mulheres e sobre o
importante papel que estas desempenham na emergente percepção do eu na
criança. Ao entrarmos no século XXI, nossas idéias sobre contos de fadas e seu
significado para as crianças tendem a se modificar. Os contos de fadas sempre
foram produtos da cultura e da era nas quais estão inseridos.
Ao invés de apresentar mulheres passivas e/ou submissas que figuram como
personagem principal da obra literária, os contos de fadas adotam uma tendência
feminista e têm heroínas corajosas, estruturadas e espirituosas como em Rapunzel,
A Bela e a Fera e Branca de Neve e os Sete Anões. A verdadeira magia dos
contos está em conseguir extrair prazer da dor, dando vida a figuras imaginárias
como “lobo mau” e aflorando o medo, mas por fim sempre proporcionando o prazer
de vê-lo vencido.
O conto folclórico foi sendo suavizado com o passar dos anos, visto que as
histórias não tinham um final feliz. Na realidade toda fábula possui um valor moral
que procura alertar as crianças sobre “quem transgride as regras se expõe ao
perigo, é punido e fim de história” (CORSO; CORSO, 2006, p. 51). A construção da
reescrita dos contos de fadas apresenta imagens de mulheres simples, claras e
unidimensionais, de acordo com Anete Abramowicz (1998) retratando mulheres
obedientes e submissas à ordem de “homem”, tornando-se consagradas dentro de
qualidades exemplares, como: bondade, submissão, obediência, paciência,
aceitação de uma dada situação, compaixão, generosidade e graça.
Maria Tatar descreve, na sua obra sobre os Contos de fada (2004), que os
enredos procuram transmitir além de uma moralidade ingênua que recompensa o
bom comportamento, uma trama que leva o leitor a refletir sobre seus atos. As
reescritas dos contos infantis não manifestam uma moralidade defeituosa, ao
contrário, deixam claro nas lições morais que são extraídas das histórias que por
vezes há uma grande dificuldade de encontrar uma mensagem compatível com a
filosofia da virtude premiada e da maldade punida.
A boa literatura não deve ter a pretensão de oferecer modelos de
comportamento e nem receitas mágicas de felicidade; ao contrário, deve provocar o
leitor, estimulá-lo a tomar posição diante de certas questões consideradas vitais. O
conto infantil registra um momento significativo na vida das personagens. A visão de
mundo apresentada na obra corresponde a um fragmento de vida que permite ao
leitor revelar apenas uma parte do todo ao qual aquele fragmento pertence.
As narrativas infantis ajudam a criança a suportar os reveses da vida e a ter
tranqüilidade para esperar e aceitar as características e limitações do outro, levando-
as a perceber e a conviver com as variações de comportamento de cada um e a
estar dispostas a ajudar e a prestar, voluntariamente, favores ao próximo.
O conto permite à criança entender o seu interior e acreditar que as
transformações são possíveis e desejáveis. Ela não tem consciência de que é
perigoso ceder a desejos que considera inofensivos, e por isso tem que aprender
que o perigo é “ensinado a duras custas”. Os contos de fadas têm o poder de
transferir para um mundo sugestivo e cheio de encantamento, no qual tudo vibra
tudo tem vozes: os homens, os animais, as plantas, tudo numa atmosfera serena,
simples e familiar.
Parte do poder das histórias deriva não só das palavras, como das imagens
que as acompanham, tornando-se parte do pensamento e das expressões
cotidianas. Os contos infantis conduzem os desejos e os orientam dentro de uma
visão moral clara e positiva paralela à mensagem passada e compreendida pelo
leitor. O material arraigado no conto o protege do seu contexto histórico e revela as
peculiaridades textuais e as reviravoltas ocorridas ao longo do tempo em lugares
com culturas diferentes.
Ao ingressar no mundo da fantasia e da imaginação, o espaço dos conflitos é
dominado e banido do imaginário infantil. A verdadeira magia do conto infantil está
em conseguir extrair prazer da dor: dando vida a figuras imaginárias e aflorando o
medo, mas por fim sempre proporcionando o prazer de vê-lo vencido. O enfoque
apresentado nas primeiras versões das histórias propaga as preocupações e
ambições que moldavam as angústias e os desejos dos adultos daquela época.
A acolhida das narrativas encerra lições de vida dá contexto a situações
sentimentais e valores que, quando isolados, são difíceis de serem compreendidos
pelas crianças. Esta linguagem poética desencadeia processos mentais que levam à
formação de conceitos capazes de nortear o desenvolvimento de valores éticos
voltados para a fixação da auto-estima e da cooperação social.
A análise apresentada por Nelly Novaes Coelho (2000) sobre a Literatura
Infantil salienta que o discurso narrativo encontrado nos contos infantis passa de
um foco central e vai se encadeando em seqüências de efabulação, cuja ação é
captada por personagens e determinada dentro de um espaço e tempo comunicável
através de uma linguagem simples de ser lida ou ouvida. A representação da
narrativa passa por uma realidade que é transposta espiritualmente por um
simbolismo animal resultante da fusão do real com o sobrenatural.
Bruno Bettlheim (1980) ressalta em seu livro A psicanálise dos contos de
fadas que, o conto de fadas é orientado para o futuro e estimula a criança a
abandonar seus desejos de carência infantil e conseguir uma existência mais
independente. Enquanto diverte, o conto de fadas esclarece a criança sobre si
mesma e favorece o desenvolvimento da personalidade e maturidade moral.
O mundo contemporâneo passou a acoplar as experiências individuais à
tradicional noção de sujeito. A pior característica que o livro infantil pode apresentar
é a de enganar a criança no que ela deveria ter como experiência na Literatura, ou
seja, o acesso ao significado mais profundo e àquilo que é significativo para ela.
Apenas na idade adulta é que o ser humano obtém uma compreensão mais precisa
e significativa da sua própria existência neste mundo visto que:
as escolhas das crianças são baseadas não tanto sobre o certo versus o
errado, mas sobre quem desperta sua simpatia e quem desperta sua
antipatia. Quanto mais simples e direto é um bom personagem, tanto mais
fácil para a criança identificar-se com ele e rejeitar o outro mau. A criança se
identifica com o bom herói não por causa de sua bondade, mas porque a
condição do herói lhe traz um profundo apelo positivo (BETTELHEIM, 1980,
p. 18).
Os autores ainda continuam preocupando-se muito mais com a apresentação
dos fatos a serem narrados do que com a história em si, levando o leitor aos mais
variados desfechos. A intenção de realismo e verdade se alterna com a atração pela
fantasia, pelo imaginário. Multiplicam-se os recursos de apelo à visualidade e de
formas narrativas que vêm desde a origem dos tempos.
Os estudos literários privilegiam e estimulam o exercício da mente, levando a
criança a perceber o real em suas múltiplas significações e conscientizações do eu
em relação ao outro. A Literatura Infantil é o agente formador de uma nova
mentalidade e as histórias trazem o abstrato ao entendimento das crianças
fortificando as experiências que aumentarão a sua vivência, ampliando as
possibilidades de relacionamento social.
Essas histórias transmitem conhecimentos que levam ao crescimento e
propõe contentamento ao mostrar o lado divertido de situações consideradas difíceis
de serem entendidas. A criança aprende a dividir e compartilhar seus pertences
dentro de uma conduta de confiabilidade e cooperação com o outro de forma
consistente e produtiva. Torna-se um ser corajoso, perseverante, firme e constante
nas soluções de problemas, diante de situações novas ou desafiantes, não deixando
de ser afável, atenta e bem-educada.
A linguagem literária da representação e/ou imaginação tem o poder de
conscientizar o abstrato através de comparações, imagens e símbolos que ajudam
no amadurecimento da inteligência reflexiva. A literatura infantil, “é o meio ideal não
só para auxiliá-las a desenvolver suas potencialidades naturais, como também para
auxiliá-las nas várias etapas de amadurecimento que medeiam entre a infância e a
idade adulta” (COELHO, 2000, p. 43).
2.2 DIMENSÃO HISTÓRICA DA LITERATURA INFANTIL
As primeiras narrativas infantis brasileiras eram meras traduções de obras
estrangeiras, ou adaptações para os pequenos leitores de obras destinadas aos
adultos, ou reciclagem de material escolar, apelando para a tradição popular. O
pensamento, as idéias, a imaginação passaram a não apresentar uma continuidade
na formação do leitor. As idéias expressas no texto literário e comunicadas através
das imagens começaram a representar mental e verbalmente a transmissão das
histórias já existentes.
Contudo, não poderiam aprofundar-se demais, pois os leitores precisavam
reconhecer nas personagens os limites da temporalidade e da ação no mínimo de
coerência. De acordo com Regina Zilberman, em sua obra Como e por que ler a
literatura brasileira, “o problema é que eles não tinham atrás de si uma tradição
para dar continuidade, pois ainda não se escreviam livros para crianças na nossa
pátria” (2005, p. 15).
Até os dias atuais, as fábulas, os mitos e as lendas agradam às crianças
devido a sua linguagem metafórica facilmente comunicável com o pensamento
mágico e mediador dos valores a serem assimilados e continuamente atualizados.
Por isso, “toda obra literária que venceu o tempo e continua falando ao interesse de
cada nova geração, atende a outros motivos particulares que, como os que atuaram
em sua origem, são decorrentes de uma verdade humana geral” (COELHO, 2000, p.
45).
As histórias infantis são originárias do mundo da magia, da fantasia, onde
tudo se resolve de maneira fantástica escapando das limitações e incertezas da
vida. Adriana Sperandio Ventura P. de Castro apresenta em seu ensaio Cada conto
uma travessia, um estudo detalhado sobre a literatura fantástica e suas dimensões
históricas. De acordo com a autora,
estes textos refletem a evolução do homem, um percurso no qual se pode
abstrair a maneira pela qual o ser humano viveu e percebeu o seu mundo.
Gerados em épocas distintas (da barbárie à Civilização) e embora venham
sendo adaptados e reescritos, através dos tempos, conservam os valores
básicos do momento que surgiram (2004, p. 22).
A partir da Idade Média aparecem fontes orais que se aproximam as
narrativas destinadas às crianças, retratadas através do folclore e difundidas pela
humanidade. Nessa época a criança era considerada um ser desprezível pelos
adultos, tendo que amadurecer rapidamente para ajudar nos afazeres da
comunidade, nos costumes e hábitos sociais, na participação dos jogos e festas da
época.
Os temas da vida adulta, as alegrias, a luta pela sobrevivência, as
preocupações, a sexualidade, a morte, a transgressão às regras sociais, o
imaginário, as crenças, as comemorações, as indagações e as
perplexidades eram vivenciadas por toda a comunidade, independente de
faixas etárias (CASTRO, 2004, p. 22).
Desta forma, a Literatura Infantil tem suas origens enraizadas nos contos
populares que a sociedade medieval procurou passar através de suas tendências,
ideais e costumes que sobreviveram ao longo dos séculos e foram transmitidos
oralmente pelos adultos à humanidade. A expressão das idéias articuladas
oralmente impôs ao homem um poder sobrenatural de transformação de sua
essência.
O século XVII é considerado o marco da criação literária destinada ao
imaginário infantil. De acordo com Castro (2004) a Literatura Infantil passou a existir
a partir do momento que a criança deixou de ser vista como uma miniatura humana.
Com a queda do feudalismo e o surgimento de uma nova estrutura familiar onde se
preservava a educação dos filhos, a criança passou a ser acolhida dentro de suas
necessidades e características próprias.
As histórias infantis escritas eram as mesmas repetidas a partir da Idade
Média e originárias do folclore popular. Estas narrativas foram adaptadas e recriadas
de forma particular por Charles Perrault e, posteriormente, suavizadas pelos Irmãos
Grimm. “A estrutura popular dos contos, correspondentes à preferência e à
expectativa psicológica da criança, fez dessas maravilhosas histórias a primeira
expressão da Literatura Infantil [...]” (CASTRO, 2004, p. 26). A partir dos contos
apresentados por Perrault a sociedade burguesa passou a conhecer o que ficou
denominado como “Conto de fadas”.
À medida que o avanço do conhecimento científico aflorou no século XVIII, a
literatura infantil deixou de ser um jogo verbal para se transformar em um jogo
gráfico de expressão do pensamento. A modernidade passou a apresentar um novo
estilo literário: o Romantismo. Assim, a literatura destinada às crianças ficou
prejudicada pelo moralismo compulsivo e carregado de conceitos científicos e
desinteressantes para elas.
Castro consolida esta análise ao ressaltar que as,
grandes obras literárias foram elaboradas dentro do espírito filosófico da
época: instruir, educar, difundir conhecimentos; mas a despeito disso, as
consagradas Aventuras conquistaram a geração infanto-juvenil, porque,
apesar dos formalismos, tanto o prazer quanto a diversão estavam
subjacentes, atingindo o lado lúdico e emocional das crianças e
adolescentes (2004, p. 31) .
Como nenhuma conquista do conhecimento é definitiva, no século XIX a
conquista e os avanços tecnológicos influenciaram o discurso literário da sociedade.
O foco das narrativas infantis passou para a esfera das questões humanas, os
contos de fadas ressurgiram com os Irmãos Grimm. A magia e o encantamento
foram abrandados e o folclore popular passou a ser a tônica da Literatura Infantil.
No Brasil surgiram dois tipos de cultura: uma européia, livresca e a outra
popular, nativa. Os primeiros registros da narrativa infantil brasileira se encontram
nas obras de Alberto Figueiredo Pimentel com os contos adaptados e traduzidos de
outros países intitulados Contos da Carochinha (1894). Após dois anos, foi
publicado seu segundo livro Histórias da Baratinha (1896) iniciando o destino da
Literatura Infantil.
Os primeiros livros brasileiros escritos para crianças no final século XIX
trouxeram mudanças significativas no âmbito da criação literária. A Literatura Infantil
passou a ser vista como uma “arte e, como tal, as relações de aprendizagem e
vivência, que se estabelecem entre ela e o indivíduo, são fundamentais para que
este alcance sua formação integral” (COELHO, 2000, p. 10). Ou seja, a literatura
passou a ser encarada como uma fonte conscientizadora e harmoniosa do eu, do
outro e do mundo.
Com o desgaste do Romantismo, passou-se a utilizar linguagens
infantilizadas e a impor modelos estereotipados de pensamento e ação,
caracterizando a Literatura Infantil em um ‘gênero menor’, de acordo com os estudos
apontados por Coelho (2000). Simultaneamente, começou a se desenvolver o culto
às cantigas folclóricas que divertiam adultos e crianças com a musicalidade nas
rimas e a manifestação de uma situação afetiva. Passou-se a descobrir a palavra
como um divertimento, tentando sintonizar os padrões literários ao tradicional, mas
camuflando o novo, ou seja, os poetas e escritores do início e meados do século XX
tentaram criar, em poesia e contos infantis, novos modos de ver e dizer o novo
mundo em formação. Isto se deu através de uma brincadeira com a fala e com a
sonoridade.
As obras literárias apresentadas nos meados do século XX passaram a
questionar as representações apresentadas nos contos, procurando transformar,
mostrar ou denunciar os caminhos ou os comportamentos a serem assumidos ou
evitados. O valor literário de uma obra passou a resultar de uma visão de mundo
indagadora, aberta e com uma linguagem sintonizada que estimulava a consciência
crítica do leitor, que desenvolvia a expressão verbal ou a criatividade e que o levava
a refletir e observar o mundo, conscientizando-o sobre a realidade ao seu redor para
atuar como um ser ativo.
A Literatura Infantil começou a ser pensada no Brasil no final dos anos 70,
pois, anteriormente, predominava a Literatura considerada “conceituosa”, ou seja,
era apresentada apenas como procedimento didático feito através de manuais. O
pioneiro na Literatura Brasileira foi Monteiro Lobato. Sua narrativa “pode ser
chamada de literatura da ‘libertação infantil’, e veio pelo menos meio século antes da
chamada Teologia da Libertação” (CONTE, 2002, p. 11). Desde 1970, diversas
experiências, debates e propostas educativas procuram reformular a Língua e a
Literatura. E, com especial cunho polêmico, na área da Literatura Infantil.
Monteiro Lobato é considerado o maior clássico da Literatura Infantil
brasileira, por não ter, somente, escrito às crianças, mas por ter criado um
universo para elas. Misturando a imaginação com o cotidiano real, mostra,
como possíveis, aventuras que normalmente só poderiam existir no mundo
da fantasia. [...] A realidade e fantasia, o maravilhoso e o real, são planos
que coexistem, que se desenvolvem paralelamente. A fantasia parte da
realidade e com ela se confunde. O mundo encantado é horizonte livre, com
suas paisagens próprias, que a criança vai percorrê-lo com liberdade. Ao
criar um mundo para as crianças, Lobato estabelece o equilíbrio entre o
maravilhoso e o real, neles ambos completam (CASTRO, 2004, p. 37).
Um levantamento sobre a estrutura formal dos contos do século XX mostra
que eles ainda apresentam processos narrativos muito antigos, que estão sendo
redescobertos ou recriados lentamente. Hoje, começa a nascer uma nova tendência
que procura estruturá-los dentro de novos processos fundidos aos antigos recursos
de formalização da produção literária.
Os autores ainda continuam se preocupando muito mais com a apresentação
dos fatos a serem narrados do que com a história em si, levando o leitor aos mais
variados desfechos. A intenção de realismo e verdade se alterna com a atração pela
fantasia, pelo imaginário. Multiplicam-se os recursos de apelo à visualidade e de
formas narrativas que vêm desde a origem dos tempos.
Os autores do século XXI tentam criar narrativas dentro de um espaço
harmonioso entre a criatividade e as relações da criança com o mundo moderno,
procurando estimulá-la a descobrir novos caminhos e aguçando sua curiosidade
pelo desconhecido. A ruptura com o conservadorismo torna o espaço literário um
lugar onde a diversão, a brincadeira, a magia sejam uma constante do viver infantil.
A capacidade de edificar julgamentos desassociados dos seus propósitos fora
do contexto das narrativas passa a estar em conformidade com a sensibilidade e a
disponibilidade de cada um em entender as razões que levam o outro a praticar
determinada conduta ou ato, levando moralmente o leitor a construir sua
incapacidade de trair, falsear ou enganar. Os textos infantis são regidos dentro de
princípios nos quais a verdade, a lealdade, o amor estão embasados nas verdades
internas e externas das atitudes corretas.
As mudanças ou maneiras de ver o mundo são muito lentas e demandam
tempo para serem vivenciadas. A produção literária pós–1930 foi muito desigual no
Brasil. Ao lado de tentativas de sintonizar com o novo, permanecia o tradicional
camuflado de novo. Coelho apresenta a seguinte afirmativa:
claro está que isso se deu não por falta de talento, arte e criatividade por
parte daqueles que sentem atraídos por esta difícil arte para crianças [...]. A
verdade que a história nos ensina é que só depois que as novas idéias,
valores e comportamento se impõem nos adultos como ‘verdade’
vivenciada, é que esse ‘novo’ consegue ser expresso em linguagem lúdica e
acessível às crianças (2000, p. 25).
Então, somente nos meados do século XX que uma nova visão de mundo
passou a caminhar dentro de uma postura de autodescoberta: apresenta um jogo
lúdico com as palavras e idéias, buscando a identidade e a conscientização de
situações comuns ou fantasiosas através do resgate das origens, porém
reinventando o popular arcaico.
O jogo das palavras com rimas e ritmos transformados em cantigas estimulou
o “olhar da descoberta” poética nas crianças. Com imagens coloridas e sonoridade,
a linguagem literária transporta para a descoberta da realidade que a circunda, e ela
começa a ver e a conviver com as diferenças, a ter consciência de si mesma e do
meio em que está situada. Coelho afirma que o apuro artístico nas obras literárias
deve tocar “de imediato a sensibilidade, a curiosidade ou as sensações do fruidor. E,
de preferência, de conteúdo narrativo, isto é, que expresse uma situação
interessante” (2000, p. 223).
Os contos infantis ajudam a criança a suportar os reveses da vida e a ter
tranqüilidade para esperar e aceitar as características e limitações do outro, levando-
a a perceber e conviver com as variações de comportamento de cada um e a estar
disposta a ajudar e a prestar, voluntariamente, favores ao próximo.
O conto permite à criança entender o seu interior, acreditar que as
transformações são possíveis e desejáveis. A criança não tem consciência de que é
perigoso ceder a desejos que considera inofensivos, e por isso tem que aprender
que o perigo é “ensinado a duras custas”. As narrativas infantis têm o poder de levá-
la para um mundo sugestivo e cheio de encantamento, no qual tudo vibra tudo tem
vozes: os homens, os animais, as plantas, tudo numa atmosfera serena, simples e
familiar.
As histórias infantis procuram resgatar informações do inconsciente coletivo,
deslocando-as para as necessidades do ser humano, ou seja, surgem com uma
forma de atender às exigências da humanidade frente a situações difíceis e muitas
vezes alheias à compreensão. As narrativas apresentam em sua estrutura
elementos que se tornam significativos, como se fossem peças de um brinquedo de
montar.
A Literatura é um dos caminhos mais significativos para que se aprenda a
caminhar com amplitude e criação; conseqüentemente uma história é sempre um
“presente de amor”, pois existirá sempre a possibilidade de encontrar caminhos que
ensinem segredos da alma e da vida. “Os Contos de Fadas têm em comum com os
mitos o fato de não possuírem propriamente um sentido. São sim estruturas que
permitem gerar sentidos, por isso toda interpretação será sempre parcial” (CORSO;
CORSO, 2006, p. 28).
2.3 DIMENSÃO EDUCATIVA DA LITERATURA INFANTIL
A evolução de um povo se faz ao nível da mente, da consciência de mundo
que cada ser humano vai assimilando desde a infância. A Literatura Infantil é o
agente capaz de formar a condição básica da criança de observar e compreender o
espaço em que vive, levando-a a expressar suas experiências de vida.
As histórias infantis sempre foram e continuarão sendo um dos elementos
mais importantes na literatura destinada às crianças. A entrada no mundo simbólico
tece um fio que provoca a descoberta de uma realidade capaz de ser narrada e
transformada. A capacidade de representação é marcada pela dimensão simbólica e
a linguagem é o ponto máximo da comunicação.
Os recursos pelos quais os fatos são encadeados nas tramas se
desenvolvem em torno de uma única ação ou situação, a caracterização das
personagens e do espaço é breve, a duração temporal é curta. É uma espécie de
ampliação ou síntese de todas as possibilidades de existências permitidas ao
homem ou à condição humana.
Os contos infantis apresentam três representações de mundo diferentes. O
mundo real, onde os vícios e as virtudes são representados através do simbolismo
animal, ou seja, pela “lei do mais forte”, o mundo onde um ser é transformado em
outro, representado através de uma realidade mágica pelas fadas, princesas,
bruxas, gente do povo em geral; e o mundo espiritual, que apresenta a passagem da
vida terrena para o céu ou para o inferno.
Através das histórias, as crianças aprendem a obedecer a ordens
preestabelecidas e a praticar atos que resultem no próprio aprimoramento ou de sua
comunidade, apropriando-se e conhecendo os limites com relação a si próprios, ao
seu mundo e ao outro. Desta forma, passam a apresentar atitudes mais coerentes
com o seu pensamento e suas convicções, compartilhando os sentimentos de forma
verdadeira.
Maria Tatar (2004) assevera, em sua obra sobre Contos de fadas que, as
narrativas procuravam transmitir, além de uma moralidade ingênua que recompensa
o bom comportamento, uma trama que leva o leitor a refletir sobre seus atos. Não há
dúvidas de que o fundamento de toda a virtude está na capacidade de renúncia,
quando não se consegue justificar os atos através da razão. Por isso, a educação
deve propiciar ao aluno a aquisição de conhecimentos que melhor se adaptem ao
desenvolvimento intelectual e social em todos os aspectos para adequá-lo
plenamente na sua atuação na sociedade.
A compreensão da realidade pode ser considerada uma forma de
conhecimento na qual todo ato humano estará fundamentado em determinados
valores e interesses. O ser humano é capaz de planejar as ações, escolhê-las e
julgá-las para, posteriormente, controlá-las eticamente. Tem-se passado os mesmos
códigos morais de geração em geração, na tentativa de se garantir a integridade e a
continuidade social na formação do caráter.
Há valores que são mutáveis, transitórios e efêmeros. O desvalor não o
elimina, apenas o transforma em um valor negativo. De acordo com a teoria
neokantiana, todo “deve-ser” funda-se num valor que, por sua vez, se fundamenta
no dever. Vânia Dohme, em seu trabalho literário sobre as Técnicas de contar
histórias salienta que “os valores são os fundamentos universais que regem a
conduta humana. São elementos essenciais para se viver em constante evolução,
baseados no autoconhecimento em direção a uma vida construtiva, satisfatória, em
harmonia e cooperação com os demais” (2000, p. 22).
Somente com uma postura ética o homem conseguirá refletir sobre o sentido
e o alcance de seu comportamento e será capaz de indagar a essência de seus
valores. Johannes Hessen argumenta que:
todo aquele que conhece os verdadeiros valores e, acima de todos, os do
bem, e que possuir clara consciência valorativa, não só irá realizar o sentido
da vida geral, como saberá ainda achar sempre a melhor decisão a tomar
em todas as situações concretas (1967, p. 23).
Os critérios de valoração só serão conhecidos a partir do momento em que for
conhecida a essência humana, ou seja, o caráter e o comportamento frente às
situações de vida. Uma vivência, uma consciência, uma qualidade, um modo de ser
ou uma idéia podem indicar um valor. Os valores se apresentam dentro de uma
hierarquia e polarização, não deixando de existir uma íntima ligação entre o mundo
do ser e o mundo do valor.
Para Onofre de Arruda Penteado Júnior, “os cidadãos devem ser preparados
para o exercício do pensar, do assumir responsabilidades, do inquirir sobre
problemas e dificuldades, do duvidar e aprender a resolver situações problemáticas,
sejam elas quais forem” (1957, p. 114). Todo pensamento humano está
condicionado pela linguagem imposta de fora, seguindo as tradições, os hábitos, as
formas de comportamento de determinada sociedade, entre outros fatores.
Se o homem não for capaz de conhecer a si próprio e a sociedade da qual faz
parte, sua liberdade esbarrará na falta de capacidade de ação para buscar melhores
resultados para si e para os demais. Os contos de fadas atravessaram séculos e
gerações encantando e ensinando os valores morais às crianças e aos adultos. A
magia não está somente nos enredos cheios de suspense e finais felizes, mas
também no modo como eles foram construídos.
A Literatura Infantil é o espaço privilegiado para o nascimento do sujeito e
daquilo que o constitui. “Não somente porque se faz da palavra, mas principalmente
porque se expressa plenamente pelo seu estado de virtualidade, portanto de devir,
de um poder vir-a-ser” (CAVALCANTI, 2002, p. 35). O simbólico apresentado no
manuscrito infantil está representado dentro de um jogo entre o ser e o não ser. Os
trabalhos literários voltados para as crianças têm um campo aberto, onde seus
textos repousam sobre considerações vagas, provocadas pelo desejo do leitor.
Joana Cavalcanti apresenta a seguinte consideração sobre os Caminhos da
literatura infantil e juvenil:
A imagem que nos salta aos olhos pelo mundo incomensurável da
Literatura, também nos proporciona uma capacidade afetiva de ver/sentir a
realidade de maneira mais abrangente e sensível. O literário não apenas diz
do outro, mas do outro em nós. Então, o processo de leitura acontece
dentro de um sentido de busca e reflexão, no qual ler significa questionar o
mundo e deixar-se questionar por ele. Ler sempre significou uma relação de
troca com o universo, pois à medida que nos tornamos leitores também nos
tornamos capazes de ressignificar à realidade de maneira mais inteira,
ampla e reflexiva (2002, p. 36-37).
O texto literário não somente é uma translação do real, mas também uma
captura da intimidade do cerne humano. O homem torna-se sujeito da linguagem,
transgredindo o simbólico e transformando-o em cultura. Cria mitos e símbolos por
meio de sua estruturação e representa-os através do seu desejo. Assim, a literatura
serve como um ponto mágico de representação das histórias de vida que vão se
entrecruzando com as histórias coletivas e narradas pela humanidade.
O discurso literário é o fio condutor para a construção de um sujeito mais
consciente da sua condição cristalina e sensível ao seu desejo na busca da trajetória
de contemplação de si próprio e do outro. Por isso, toda narrativa sempre irá contar
e relatar o desejo do ser humano e de sua busca constante nas três dimensões: o
eu, o outro e o mundo. A Literatura é para a criança o espaço fantástico de
expansão do seu ser, do exercício pleno da capacidade simbólica, do maravilhoso e
do poético.
A primeira transformação no desenvolvimento da criança é aprender a andar,
levando-a a uma enorme mudança na percepção de mundo. Com certeza, a
segunda grande transformação talvez seja justamente a entrada no mundo das
palavras. Mas a entrada no mundo das palavras abre dentro da criança símbolos
que se apresentam de maneira misteriosa, dependendo da forma como forem
apresentados e estimulados. A entrada no mundo das palavras revela o grande
desafio da vida, que é aprender a escolher: o que deseja, o que escuta, o que
aprender, o que memorizar e dar sentido à sua existência.
Por isso, as crianças precisam ser estimuladas para o mundo da fantasia,
para a convivência com o seu mundo interior, no qual guardam segredos, medos,
anseios, desejos. O texto literário tem a possibilidade de ultrapassar os limites do
olhar imediato e desdobrar-se no prazer de convidar o leitor a desconstruir a
realidade pronta e estabelecida, a fim de reorganizá-la dentro de metáforas, dentro
de uma dimensão estética máxima.
A Literatura Infantil tem suas raízes históricas na tradição oral, portanto a
oralidade é de grande importância no mundo da leitura/palavra para a criança. Mas,
também é importante que a criança perceba que a narrativa oral tem sua
representação na escrita em diferentes formas de expressão. Assim, a escola passa
a assumir um novo papel: de introduzir novos conceitos de leitura e leitor. A escola
passa a formar pessoas, construindo suas identidades culturais, desenvolvendo
olhares diferentes de cidadania e de cooperação, desenvolvendo diferentes visões
de mundo ampliadas.
A educação estética começa no berço [...] o contato com a arte, de maneira
geral, amplia o sentido das coisas e gera uma visão de mundo mais
abrangente. A convivência com as músicas, com o folclore, com os contos e
as lendas redimensiona a realidade e estimula a criança no sentido de
propor novas possibilidades de olhar para si e para o outro (CAVALCANTI,
2002, p. 75).
A tarefa da escola é a de formar leitores capazes de desenvolver um olhar
consciente e transformador da realidade. Leitores simbólicos de uma realidade em
que as pessoas não dispõem de tempo para a reflexão, e as mensagens devem
surgir dentro de um padrão de imagem que desbloqueie o leitor para múltiplos
referenciais, embora toda informação deva ser elaborada do ponto de vista
conceitual. Os trabalhos literários devem provocar, remexer e desconstruir o já
estabelecido para criar novas ordens.
A formação de leitores dentro do espaço escolar torna-se um grande desafio!
Como formar leitores críticos se a educação continua apresentando repetições,
valores estanques e padrões de comportamento retrógrados? Como ensinar a
criança a ler um texto, desmontá-lo para reencontá-lo em outra leitura?
A Literatura não deve ter o papel de educar ou servir aos contextos de
interdisciplinaridade escolar. A experiência simbólica experimentada no texto literário
deve provocar entusiasmo e prazer pela leitura em si, deve revelar o homem para si
mesmo, em toda a sua dimensão e amplitude: dor e amor.
O grande desafio educacional do século XXI está em resgatar o prazer e o
divertimento da Literatura. Enquanto continuar a existir narrativas onde impere
posturas de imposição e julgamento e continuar sendo avaliada a capacidade de
leitura, a Literatura perderá seu valor! Avaliar, sim! Mas, avaliar sem cobrar, sem
impor. A escola atual deve estar determinada a resgatar a cultura popular, a criar
espaços para a experiência lúdica e discussões interculturais e intersemióticas.
A escola do século XXI deve educar integralmente. Isto significa educar para
diversos fins, atendendo às demandas familiares, sociais, culturais, ideológicas,
enfim: “educar hoje parece fazer subentender globalizar, enquadrar tudo numa
mesma dimensão para ser liquidificado com o mesmo propósito” (CAVALCANTI,
2002, p. 78). E é na escola que se produz a leitura, que se desenvolvem as
potencialidades do futuro leitor.
A escola não tem que se preparar para fazer parte da Literatura com a
finalidade de reproduzir padrões e valores da ideologia dominante . Pelo contrário,
deve libertar a capacidade que o ser humano tem de colocar em prática seus ideais
para transformar e renovar seus valores. Na prática, observa-se que os textos
literários, apresentados nos livros didáticos, são muitas das vezes incoerentes e
expõem apenas fragmentos ou readaptações das obras de grandes autores, onde
geralmente leva os leitores a responderem apenas algumas questões de
interpretação e gramática.
Não basta que a escola promova o lúdico, a brincadeira e a leitura dentro de
um clima de prazer. É fundamental que aprender a ler e a gostar de ler
tenha um sentido na vida de cada um. Que o leitor sinta identificado com o
lido, que possa exercitar-se numa aprendizagem importante sobre o mundo,
as pessoas, a natureza, as lutas, a dor e o amor (CAVALCANTI, 2002, p.
79).
Não há receitas mágicas para que a mudança ocorra de forma significativa
dentro do ambiente escolar, pois isto implica em diversas mudanças e rupturas com
os padrões já estabelecidos e cristalizados pela humanidade. O espaço escolar deve
ser reconstruído dentro de uma postura provocadora e estimulante. O ambiente
escolar deve promover a criatividade, estimular a capacidade de sentir e refletir,
produzir saber e conhecimento que sirvam à organização de uma sociedade mais
equilibrada.
A instituição escolar nunca deverá esquecer-se que as crianças gostam de
ouvir e ler histórias, o que lhes falta é estabelecer uma relação prazerosa com o
texto literário. Por isso, o professor tem que estar sensibilizado com o universo das
narrativas, e em especial, das narrativas infantis. O acesso ao mundo da leitura e
seus mais diversificados meios deve ser direito de todos, pois ler é uma capacidade
inerente a todo ser humano. O professor precisa estimular e enriquecer a emoção, o
hábito e o gosto pela leitura.
A escola tem o dever de promover a mudança e a liberdade de expressão, de
despertar, no aluno, o prazer estético, o gosto pela leitura, de criar espaços para a
valorização do lúdico, enfim, deve valorizar um novo “olhar” sobre o mundo. Joana
Cavalcanti (2002) salienta que, se deve acreditar e ter esperança de que a escola
pode ser, na atualidade, o melhor espaço para que ocorra uma revolução cultural, de
idéias e valores. Somente quando os professores acreditarem que a leitura é a
janela que se abre para reconhecer os infinitos mundos é que o espaço escolar fará
parte do mundo da leitura.
Há vários caminhos para o espaço escolar atravessar neste novo milênio,
mas a formação para a leitura deve ser algo compartilhado com o desenvolvimento
da sensibilidade e da promoção da dignidade o sujeito. O professor jamais deverá
esquecer-se que a Literatura apresenta uma capacidade intensa de despertar
imagens; por isso, ler deve acontecer de forma integrada entre o ver, o ouvir e o
sentir. O mais importante é nunca perder de vista o objetivo central de toda a leitura:
despertar o prazer e a consciência da leitura na vida de cada ser humano. Todo
professor também é um mago, uma fada que deverá sensibilizar o seu aluno para a
leitura, nunca deixando de levá-lo a sentir a tradição e a cultura das histórias
narradas pela humanidade.
3 CHAPEUZINHO VERMELHO EM PERRAULT E GRIMM
Os livros infantis são verdadeiras fontes de reflexões; além de serem vistos
como mero entretenimento infantil, eles são um grande reservatório de novas
descobertas e de experiência de vida. A Literatura Infantil estimula um poder mágico
que existe dentro de todo ser humano: o conhecimento, visto que o homem sempre
tentou reencontrar o sentido da vida e responder a questões sobre sua própria
existência.
Os contos de fadas fazem parte dos livros considerados eternos e deixaram
de ser ostentados como instrumento de distração das crianças passando a serem
decifrados como autênticas fontes de conhecimento do homem e de seu lugar no
mundo. Nelly Novaes Coelho afirma em sua obra O conto de fadas que, “ [...] a
ciência está sendo levada a reconsiderar o sobrenatural, a aceitar o mistério, a
buscar um novo sentido para a transcendência e remodelar a face do próprio Deus”
(2003, p. 16).
As narrativas modelam códigos de comportamento e trajetórias de
desenvolvimento, ao mesmo tempo em que fornecem termos que levam o ser
humano a pensar sobre o que acontece no mundo. De acordo com Maria Tatar
(2004) os contos de fadas revelam às crianças o que elas inconscientemente
sabem, ou seja, que a natureza humana não é inatamente boa, que o conflito é real,
que a vida é severa antes de ser feliz, tranqüilizando-as com relação a seus próprios
medos e ao seu próprio senso de individualidade.
Tão remoto quanto a origem da humanidade, o hábito de ouvir e contar
histórias não é apenas hábito que os homens foram desenvolvendo ao longo de sua
existência. A mulher sempre teve um papel de destaque nas narrativas infantis, seja
como personagem, como fada ou como bruxa, ou simplesmente, como mãe, avó,
madrasta, tia ou ama, que embalava as narrativas populares transmitidas de
gerações em gerações para as crianças, enquanto fiavam e teciam as lãs.
As histórias infantis também preenchem e continuarão a ocupar funções
importantes na vida dos adultos, pois ajudam a imaginar uma outra solução para os
problemas encontrados no seu cotidiano. Em geral, simbolizam a arte feminina de
lidar com a narrativa, ao mesmo tempo, que ensina uma forma de usar a malícia na
luta contra o poder masculino. Ao tratar das fragilidades humanas, os narradores
usam da fantasia para trazer à tona os problemas que os adultos enfrentam
repetidamente.
Como relata Bruno Bettelheim em seu livro A psicanálise dos contos de
fada, “apenas na idade adulta podemos obter uma compreensão inteligente do
significado da própria existência neste mundo a partir da própria experiência nele
vivida” (1980, p.11). O pior erro que um livro infantil pode apresentar é induzir a
criança na aquisição de uma experiência literária, ou seja, o acesso ao significado
mais profundo daquilo que é realmente representativo para ela.
A criança necessita de uma educação moral, não através de conceitos
abstratos, mas sutilmente, conduzindo-a a direcionar seus atos dentro de
comportamentos morais corretos. O homem moderno se encanta, até os dias atuais,
com as narrativas infantis da Antigüidade e tem se dedicado a estudá-las, em buscar
os seus significados mais profundos. Isto ocorre devido ao fato das histórias, os
contos de fada, serem resquícios da tradição mitológica, e os mitos se originaram
dos rituais praticados nas tribos primitivas. Foram nessas comunidades primitivas
que surgiram as primeiras idéias sobre o ‘poder divino’, ou seja, a força da mulher.
Por esses e por outros motivos, a mulher sempre desempenhou o papel
principal nas narrativas populares, como princesas, fadas, bruxas ou camponesas
que representavam muitas das vezes a mulher proveniente de Deus, sublime,
perfeita, encantadora ou sobrenatural. E o papel do narrador destes contos sempre
esteve ligado à figura feminina, pois era a mulher que fiava e tecia tanto o tecido das
roupas como as narrativas folclóricas.
Mariza Mendes, em sua obra intitulada Em busca dos contos perdidos,
apresenta a seguinte afirmativa sobre a herança cultural dos contos e o significado
das funções femininas nos contos de Perrault:
Um dos primeiros estudos científicos sobre os contos populares a merecer
respeito e prestígio internacional foi o de Vladimir Propp (1984) que, na
década de 1920 na Rússia, dedicou-se à análise estrutural de cem
narrativas contidas na mais conhecida coletânea de contos populares.
Tendo chegado, pelo método estruturalista, à surpreendente conclusão de
que todas as histórias tinham a mesma seqüência de ações ou funções
narrativas, Propp formula, ao fim de seu trabalho, uma instigante pergunta:
teriam os contos folclóricos uma origem comum, uma única fonte de onde
todos teriam surgido, apesar dos diferentes temas e diferentes versões?
(2000, p. 23).
O resultado desta pesquisa, ressalta Mendes, foi a descoberta das práticas
fundamentadas na estrutura dos povos primitivos, destacando-se os ritos de
iniciação sexual e as representações de vida após a morte. Por isso, as narrativas
relatam fatos de crianças perdidas no bosque, dos heróis perseguidos e ajudados
pela magia, dos lugares proibidos e outros elementos do mesmo tipo. Nas séries de
fenômenos que se sucedem nas histórias, a exposição da morte nos contos retrata o
nascimento e renascimento milagroso dos seus personagens.
Esta seqüência de ações na estrutura narrativa do conto era a mesma
apresentada nas provas por que passava o iniciante ou o morto, nos rituais
realizados pelos povos primitivos. O modo como os rituais eram realizados para os
indivíduos recentemente convertidos e os sentidos das práticas a que eram
submetidos eram um segredo entre ambas as partes. Essas narrações foram sendo
transformadas nos mitos das sociedades tribais e transmitidas como preciosos
tesouros nos contos de fadas.
O homem moderno continua com sua mente focada na crença em deuses,
forças mágicas, em espíritos do bem e do mal, para poder explicar o que acontece a
cada um em particular e a todos em geral. Com o passar dos séculos, os mitos
foram sendo narrados em ambientes comuns e entre pessoas, sem nenhuma
identificação com os rituais sagrados e se tornaram histórias de entretenimento e
perderam o seu significado originário. Mendes apresenta o seguinte argumento
sobre o significado dos contos infantis escritos por Charles Perrault:
Essa origem comum dos contos e mitos explica ainda a semelhança entre
sua estrutura narrativa e a de outras formas artísticas surgidas
posteriormente, como lendas heróicas e as epopéias. Assim, a cultura
folclórica, nascida em uma comunidade sem classes, vem a ser, a partir do
feudalismo, propriedade da classe dominante. Esse fenômeno pode
explicar, finalmente, o uso ideológico que se faz dos contos de fada, desde
a instalação do sistema educacional burguês até hoje (2000, p. 26).
Para muitos estudiosos, as narrativas populares apresentam um esquema
básico da vida humana, com todas as etapas a serem vencidas da infância até a
fase adulta. Os contos de fadas fazem parte das obras literárias que os séculos não
conseguem destruir e que, a cada geração são novamente reescritos e voltam a
encantar leitores de todas as idades.
Originalmente, as histórias eram utilizados como uma forma de divertir os
adultos em salas de fiar, nos campos e em reuniões sociais nos salões parienses
para a elite considerada culta, onde eram dramatizados. Já no século XVII, as
narrativas faladas se transformaram em Literatura Infantil, com a publicação, na
França, da obra Contes de ma mère l’Oye - Contos da Mãe Gansa - (1697) por
Charles Perrault, o qual continha oito histórias recolhidas da memória do povo: A
Bela Adormecida no Bosque, Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul, O Gato de
Botas, As Fadas, Cinderela ou A Gata Borralheira, Henrique do Topete e o
Pequeno Polegar.
Os contos foram apresentados em versos e Perrault atribuiu a autoria a seu
filho Pierre Darmancourt, que ofereceu esses contos à Infanta, neta do rei Sol,
considerado o maior monarca absolutista da França, resguardando-se de possíveis
críticas e evitando infringir o contrato de comunicação literária da época. Charles
Perrault se destacou politicamente ao lado de Colbert tornando-se superintendente
de construções do Rei Luís XIV. Em segunda publicação, Perrault acrescentou
também os contos A Pele de Asno, Grisélidis e Desejos Ridículos.
Para melhor nos situarmos no tempo do surgimento desses contos, é
interessante lembrar que a França dessa época (século XVII) vivia um
esplêndido momento de progresso e transformações político-culturais,
enquanto o Brasil era ainda uma simples colônia, culturalmente atrasada e
continuamente disputada pelos holandeses, franceses e outros, atraídos por
nossas riquezas naturais: cana-de-açúcar, pau-brasil, ouro etc. Graças às
sucessivas vitórias dos portugueses contra os invasores, hoje somos uma
nação unificada por uma língua comum, a portuguesa [...] (COELHO, 2003,
p. 22).
O gênero Literatura Infantil nasceu com Charles Perrault. Mas somente no
século XVIII, na Alemanha, os Irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm), a partir de suas
pesquisas lingüísticas, constituíram definitivamente sua expansão pela Europa e
Américas. Os Irmãos Grimm eram participantes do Círculo Intelectual de Heidelberg.
Eles eram estudiosos da crítica textual, da mitologia germânica, folcloristas e se
empenharam na busca das transformações lingüísticas, das antigas narrativas,
lendas e sagas que permaneciam vivas e eram transmitidas de geração em geração
pela tradição oral.
O conto “Chapeuzinho Vermelho” é íntimo e pessoal, relata a busca do poder
e de privilégios e o mais importante: de um caminho para sair da floresta e voltar
com proteção e segurança para casa. Tatar (2004) assevera que o conto continua a
proporcionar a oportunidade para pensar sobre as angústias e os desejos “a que
dão forma, para refletir sobre os valores condensados na narrativa e discuti-los, e
para contemplar os perigos e possibilidades reveladas pela história” (p. 12).
O conto de fadas é orientador para o futuro e ampara a criança no abandono
de seus desejos de dependência infantil e na busca satisfatória de uma existência
afetiva, social e moral. Na versão do conto “Chapeuzinho Vermelho” apresentada
por Perrault, há a tentativa de amedrontar a criança, para que ela tenha um
comportamento correto, esquecendo-se de aliviá-la da ansiedade de ver o lobo
vencer. Já os Irmãos Grimm trataram ambas as questões, ou seja, a busca pela
maturidade moral e a superação da apreensão no final do conto quando a avó e a
menina são salvas e o lobo morre.
Nelly Novaes Coelho (2003) relata que a adaptação dos contos infantis
escritos pelos Irmãos Grimm tiveram o testemunho de uma velha camponesa
Katherina Wieckmann e da descendente de franceses Jeannette Hassenpflug. Os
diversos textos selecionados entre centenas que existiam na memória do povo,
serviram para seus estudos lingüísticos e formaram a primeira Coletânea da
Literatura Clássica Infantil, sendo os mais conhecidos: A Bela Adormecida, Branca
de neve e os Sete Anões, Chapeuzinho Vermelho, A Gata Borralheira, O Ganso
de Ouro, Os Sete Corvos, Os Músicos de Bremem, A Guardadora de Gansos,
Joãozinho e Maria, O Pequeno Polegar, As Três Fiandeiras, O Príncipe e o
Sapo entre outros.
Inicialmente, suas histórias foram publicadas avulsamente entre 1812 e 1822,
sendo reunidas mais tarde em um volume intitulado: Contos de Fadas para
Crianças e Adultos, e conhecido nos dias atuais como Contos de Grimm. Na
segunda edição, os Irmãos Grimm sob forte influência cristã que se fortalecia no
período romântico, retiraram episódios de demasiada violência ou maldade de seus
contos, principalmente daqueles que eram praticados contra crianças. O sucesso
desses contos abriu caminho para a criação do gênero: Literatura Infantil.
A partir do século XVIII, graças ao processo dos estudos de Arqueologia,
puderam ser provadas, como verdadeiras, histórias e lendas até então tidas
como inventadas ou fantasiosas, mas que realmente haviam acontecido em
tempos remotos. No século XIX, a partir das escavações na Itália, são
descobertas as cidades de Herculano e de Pompéia, que, no início de
nossa era (ano 79), haviam sido soterradas totalmente pelo vulcão Vesúvio.
Logo depois, os arqueólogos descobriram a cidade de Tróia, destruída
pelos gregos, em 1200 a. C – guerra que é tema do poema épico Ilíada, de
Homero, livro-fonte de nossa civilização ocidental. Decifraram-se os
hieróglifos egípcios, criados também milênios antes de Cristo.
No rastro dessas descobertas, surgem também as escavações na memória
popular nacional; difundem-se as pesquisas das narrativas populares e
folclóricas por toda a Europa e pelas Américas, com base nas quais cada
nação empenhava-se em descobrir suas verdadeiras raízes nacionais
(COELHO, 2003. p. 29).
Houve o empenho dos estudiosos durante anos em rastrear os possíveis
caminhos seguidos pelas narrativas situadas entre o século IX e o século XVI.
Anterior a essas fontes foi encontrado um papiro no século XIX, pela egiptóloga Mrs.
D’Orbeney, em suas escavações realizadas na Itália, um manuscrito egípcio
calculado em seus estudos com aproximadamente 3.200 anos, sendo, portanto,
considerado o mais antigo manuscrito encontrado.
O princípio interdisciplinar da investigação literária cria novas possibilidades
de leitura de um texto, como afirma Thereza Domingues em O múltiplo Vieira:
representam o questionamento sobre os métodos críticos em vigor até há
pouco e manifestam ainda uma inquietação geral sobre os resultados dessa
crítica [...]. Apontam não só para a possibilidade quando para a necessidade
de uma análise mais abrangente da obra literária” (2001, p. 20).
As diversas fontes, levadas através dos tempos, para as mais diferentes
regiões pelos peregrinos, viajantes e invasores misturaram-se umas às outras e
criaram as mais diferentes narrativas clássicas e do folclore de cada nação. O texto
literário só passou a existir após sua recriação numa leitura particular.
3.1 A INTERTEXTUALIDADE NO CONTO
A linguagem simbólica é incerta, pois não apresenta uma única forma de
apresentação. Sua constituição depende não só da intencionalidade e visão de
mundo daquele que cria ou imagina, como também daquele que ouve ou lê e a
interpreta. O tônus dado às narrativas infantis visava conscientizar o leitor quanto às
injustiças que predominavam na vida cotidiana. Nelly Novaes Coelho em sua obra O
conto de fadas, apresenta a seguinte afirmativa:
É o despertar da mente dos homens que leva à sua libertação interior e à
conseqüente descoberta da verdade última da vida, sempre oculta pela
ilusão das realidades visíveis. Uma excelente lição a ser apreendida pelos
homens, nestes tempos caóticos do vale-tudo e do levar vantagem (2003, p.
33).
Perrault, ao publicar Contos da Mãe Gansa, redescobriu as fadas e o
maravilhoso. Sua sobrinha, Mlle. L’Heéritier, publicou, posteriormente, uma
coletânea de narrativas maravilhosas intitulada Obras Misturadas (1696), dando
seqüência à superposição de textos apresentados pelo seu tio. Em 1698, Preschac
publicou A Rainha das Fadas e, nos salões de Paris os contos maravilhosos ou
contos de fadas passaram a se destacar e no ano de 1785, foram reunidos em 41
volumes, com adaptação de vários autores e a obra recebeu o nome de Gabinete
de Fadas. E esta foi a última obra a marcar o final da produção literária do século
XVIII.
Dentro deste cenário de publicações, os contos infantis procuravam acalorar a
vitalidade rude e a violência instintiva dos séculos medievais. Com a força do
Cristianismo como instrumento civilizador, tornou-se fácil compreender o caráter
moralizante, didático e sentencioso que marcou a maior parte das narrativas que
surgiram neste período:
não é fácil imaginarmos o que terá sido a violência do convívio humano
nesse período medieval, quando forças selvagens opostas e poderosas se
chocam, lutando pelo poder. Marcas dessa violência ficaram impressas em
muitas das narrativas maravilhosas que nasceram nessa época. Nos contos
populares medievais, o mundo feudal está representado em toda crueza
(COELHO, 2003, p. 38-39).
A violência e a crueldade dos contos apresentados e adaptados por Charles
Perrault e pelos Irmãos Grimm foram abrandadas, ou seja, eles procuraram limpar
as impurezas que continham uma grande carga de violência dos textos primitivos.
As pesquisas chegaram às principais fontes desses contos, cuja primeira coletânea
foi a de Perrault, no século XVIII. De acordo com os estudos apresentados por
Coelho, “Chapeuzinho Vermelho” é de origem incerta. O tema é antiqüíssimo e
aparece em vários folclores. “Sua célula originária estaria no mito grego de Cronos,
que engole os filhos, os quais de modo miraculoso conseguem sair de seu estômago
e o encher de pedras” (2003, p. 39), este foi exatamente o mesmo final escolhido
pelos Irmãos Grimm.
O mesmo enfoque também é apresentado em uma fábula latina do século XI,
Fecunda ratis, que apresenta a estória de uma menina de capuz vermelho, sendo
devorada pelos lobos e escapando milagrosamente da barriga do lobo e enchendo-a
com pedras. Com a circulação e a produção intelectual dos textos da Antigüidade
Clássica é de compreender as alterações ocorridas, tornando-os algumas vezes,
irreconhecíveis.
O discurso intertextual avança captando ou subvertendo outro texto, mostra-o,
mas não o demarca, assimila-o para confirmá-lo ou para opor-se a ele. Como
testemunha Thereza Domingues, “a intertextualidade significa a passagem de um
sistema de signos a outro, ou a presença de vários textos literários num texto, que
com eles entra em diálogo retomando-os ou contestando-os” (2001, p. 16).A
passagem do real para o imaginário não se faz da noite para o dia.
Da existência histórica dos celtas para o surgimento dos romances e
narrativas maravilhosas dos bretões (células primeiras dos contos de
fadas), houve longo tempo, durante o qual atuou a tendência para a fantasia
e para o mistério, característica do espírito céltico (COELHO, 2003, p. 53).
Entre as descobertas feitas, uma das mais importantes foi a atuação dos
celtas na execução de narrativas envolvendo o espírito mágico, as fadas e a alma
observadora dos povos primitivos que perduraram através dos séculos. As primeiras
pesquisas arqueológicas que surgiram no século XIX atribuíram aos celtas
praticamente todos os vestígios culturais anteriores à cultura romana.
Como todo povo da Antigüidade, os celtas também se dividiam em tribos ou
clãs. Tinham uma vida simples e eram leais a sua própria cultura e as suas crenças
religiosas. Honravam os heróis e explicavam os acontecimentos pela vontade dos
deuses, aos quais ofereciam vidas humanas. Isso se devia ao fato dos celtas
acreditarem na imortalidade corporal e na existência de outra vida. Os celtas não
chegaram a formar uma nação, com exceção dos celtas oriundos da Irlanda que
formaram um pequeno povoado, mantiveram sua língua e nunca travaram guerras.
Os demais povos indo-germânicos mantiveram sua unidade como povo graças ao
princípio transcendental em que fundavam a sua cultura.
Devido à sua natureza espiritual, ligada aos mistérios, a religiosidade celta
preparou o terreno para a entrada do Cristianismo. Assim, quando Perrault começou
a resgatar a literatura guardada na memória popular, “sua intenção não era escrever
contos para crianças. Seu principal alvo era valorizar o gênio moderno (francês) em
relação ao gênio antigo (dos gregos e romanos), então consagrado pela cultura
oficial européia como modelo superior” (COELHO, 2003, p. 75).
Perrault era um excelente tradutor, poeta, membro da Academia Francesa de
Letras e ativo advogado do ministro Colbert. Participou ativamente do declínio da
era clássica contra a postura de Racine, Boileau, La Fontaine e outros. Ele foi o
precursor do rompimento dos antigos valores clássicos latinos com os modernos
franceses, ou seja, reagiu contra a autoridade absoluta dos clássicos latinos, cuja
arte havia se transformado em modelo exclusivo para a criação literária e artística
desde o Renascimento e que já durava por mais de dois séculos.
Foi no âmbito dessa polêmica que Perrault se empenhou em resgatar a
literatura folclórica francesa preservada do esquecimento da memória popular.
Recusou a mitologia clássica pagã e defendeu a maravilhosa cristã, repeliu a
superioridade do latim sobre a língua francesa. Somente após a publicação de seu
terceiro livro (1696) – A Pele de Asno, que Perrault redescobriu a narrativa popular
maravilhosa com o duplo intuito de “provar a equivalência de valores ou de
sabedoria entre antigos grego-latinos e os antigos nacionais, e, com esse material
redescoberto, divertir as crianças, principalmente, as meninas, orientando sua
formação moral” (COELHO, 2003, p. 77).
A época de Charles Perrault foi marcada pelo confronto entre o Racionalismo,
que tentava imprimir uma nova ordem à vida e à sociedade, e o imaginário que
permeava a literatura fantasiosa. O conto “Chapeuzinho Vermelho” é uma mistura da
problemática social e existencial da época. É considerado um conto de
encantamento, trata ao mesmo tempo de questões sobre a riqueza, a conquista de
poder e a satisfação do corpo que estão ligados basicamente ao interior do homem
e a sua busca por intermédio do amor.
Mariza Mendes ressalta, em seus estudos sobre o significado das funções
femininas nos contos de Perrault, Em busca dos contos perdidos que:
porque os seres humanos sempre tiveram mãe, a criança já nasce com a
capacidade de reconhecer a figura materna e de reagir à sua presença.
Essa capacidade é a realização de uma potencialidade herdada, ou seja, é
o fruto das experiências passadas da raça humana (2000, p. 35).
Para melhor compreender a natureza da Literatura Infantil é preciso entender
a natureza dos mitos, dos modelos de pensamento e de ação preexistentes na alma
humana, os arquétipos. Os mitos nascem no espaço sobrenatural dos deuses, na
esfera do sagrado, os arquétipos já correspondem à esfera humana e os símbolos
pertencem à esfera da linguagem pelas quais os mitos e os arquétipos são
nomeados e passam a existir como verdade a ser difundida entre os homens e
transmitida através dos tempos.
A criação dos mitos, para o homem primitivo, foi uma necessidade religiosa.
Para o homem moderno, a interpretação de tais mitos nasceu de uma necessidade
científica de buscar a raiz de cada cultura. Os mitos são narrativas primordiais que
formam um universo atravessado por lendas, parábolas, apólogos entre tantos tipos
de intertextos que visam mostrar as fronteiras em que vive o homem, entre o
conhecido e o mistério, entre o consciente e o inconsciente.
É através dos mitos, que a evolução dos arquétipos acontece e se manifesta
como atitudes, idéias ou comportamentos no espaço humano. Como assevera
Coelho, “é nesse reservatório espiritual, que é o inconsciente coletivo, que estão os
motivos ou arquétipos que vivem nos contos de fadas, nos romances maravilhosos,
nas novelas de cavalaria, nas lendas” (2003, p. 92).
Os modelos das personagens criadas nas narrativas infantis foram a maneira
pela qual o pensamento e o comportamento se transformaram em um símbolo das
experiências humanas básicas e desejáveis no seio da sociedade da época. Todas
essas imagens e figuras geradas a partir do inconsciente coletivo estão nos mitos e
nos contos de fada, e embora sejam percebidas racionalmente, elas continuam a
conservar e transmitir por séculos e séculos, a estrutura primeira das narrativas
folclóricas.
Foi através da transferência dos mitos e dos arquétipos em linguagem
simbólica que os símbolos passaram a se expressar e tornarem-se comunicáveis,
pois sem esta metamorfose não existiriam as narrativas maravilhosas. Assim, a
sabedoria de vida contida dentro dos contos pôde ser difundida por todo o mundo e
continua originando a verdadeira literatura por intermédio de novas linguagens
simbólicas.
Norma Discini expõe sobre a Intertextualidade e conto maravilhoso,
afirmando que “a prática da intertextualidade, vista, portanto, como uma prática da
ambivalência, ou da instabilidade do discurso, aponta-nos para modalidades de
variantes que respondem de maneira diversa a um querer-fazer-crer do texto-base”
(2001, p. 27).
Dentro desta ótica, a narrativa de Perrault sobre o conto “Chapeuzinho
Vermelho” é o ponto de referência intertextual e está na raiz da cadeia do diálogo
entre os demais textos. A superposição de um texto sobre o outro pode provocar
certa atualização ou modernização do primeiro texto-base. Cada texto constitui uma
proposta de significação que não está inteiramente construída. A significação se dá
no jogo de olhares entre o texto e seu leitor.
Todas as variantes intertextuais assimiladas a partir do texto-base procuram
confirmá-lo ou confrontar-se com ele. Se o confirmam, apresentam com o texto-base
uma relação de implicação e de complementaridade. Se o confrontam, apresentam
uma relação de oposição e de contrariedade ou contraditoridade. O conto
“Chapeuzinho Vermelho”, dos Irmãos Grimm, é uma adaptação do texto-base
apresentado por Charles Perrault.
Na prática, a intertextualidade entre o texto-base, escrito por Charles Perrault,
e sua variante escrita pelos Irmãos Grimm, deve respeitar a mesma organização de
A reescrita do_conto
A reescrita do_conto
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  • 1. CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JUIZ DE FORA MARIA CRISTINA GOMES BARBOSA DE LIMA “CHAPEUZINHO VERMELHO”: A REESCRITA DE BRAGUINHA E RUBEM ALVES Juiz de Fora 2008
  • 2. MARIA CRISTINA GOMES BARBOSA DE LIMA “CHAPEUZINHO VERMELHO”: A REESCRITA DE BRAGUINHA E RUBEM ALVES Dissertação apresentada ao Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Mestrado em Letras, Área de Concentração: Literatura Brasileira. Linha Pesquisa: Literatura de Minas: o regional e o universal Orientador(a): Profª Drª Thereza da Conceição Aparecida Domingues . Juiz de Fora 2008
  • 3. Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Esdeva – CES/JF Bibliotecária: Alessandra C. C. Rother de Souza – CRB6-1944 LIMA, Maria Cristina Gomes Barbosa de. Chapeuzinho Vermelho: a reescrita de Braguinha e Rubem Alves Lima. [manuscrito] / Maria Cristina Gomes Barbosa de Lima. – Juiz de Fora: Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, 2008. 108 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (MG), Área de concentração: Literatura brasileira. “Orientadora: Thereza Domingues” 1. Literatura infantil. 2. Contos de fada – Crítica e interpretação. Perrault, Charles, 1628-1703. 3. Grimm, Jacob, 1785-1863. 4. Grimm, Wilhelm, 1786-1859. I. Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. II. Título. CDD – 028.5
  • 4. Todo conhecimento começa num sonho. O conhecimento nada mais é que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada. Mas sonhar é coisa que não se ensina. Brota das profundezas da terra. Como mestre, só posso então lhe dizer uma coisa: Conte-me seus sonhos para que sonhemos juntos. (Rubem Alves)
  • 5. RESUMO LIMA, Maria Cristina Gomes Barbosa de. Chapeuzinho Vermelho: a reescrita de Braguinha e Rubem Alves. 116 f. Dissertação (Mestrado em Letras). Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2008. Os contos de fada eram concebidos, em meados do século XVII, como entretenimento dos adultos e narrados em reuniões sociais, salas de fiar, nos campos e em outros ambientes onde eles se reuniam. Somente a partir do século XIX é que se transformaram em literatura infantil. Muitas das preocupações que povoam a mente das crianças são projetadas, inconscientemente, nos vários personagens da história alimentados por conflitos e vivenciados pelas crianças no seu processo de crescimento. A presente dissertação expõe um estudo da narração ficcional do conto “Chapeuzinho Vermelho” escrito por Charles Perrault e adaptado pelos Irmãos Grimm. Concluindo um exame literário das reescritas do conto na narrativa em versos de Braguinha e na paródia de Rubem Alves. A reflexão sobre os sentimentos de alegria, desejo, medo e solidão da moralidade legitimam uma hierarquia capaz de ampliar a formação e a consciência moral e sua dimensão nos desejos contemplados e mantidos pelos autores. Palavras-chave: Literatura. Contos Infantis. Intertextualidade.
  • 6. ABSTRACT Fairy tales arose in the middle of the XVII century as entertainment for the people and were presented in social meetings, in open spaces and around the evening fires. It was only, starting from the XIX century that they became children´s literature. Many of the problems in the children´s mind that are projected unconsciously in the many of the characters of the stories and lived out by children in their growth process. The present dissertation aims to study the fairy tale “Little Red Riding Hood”, written by Charles Perrault and re-written of the Grimms brothers. Finally, there are reflection on the re-writing in Branguinha´s narrative and Rubem Alves´s parody. The perception of the feeling of happiness, desire, worry and loneliness concerning morality prescribes a hierarchy, capable to enlarge the formation, the moral conscienceness and this is among the contemplated desires of the authors. Keywords: Literature. Fairy tales. Re-writing. Little Red Riding Hood.
  • 7. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ………………………………………………………………… 06 2 2.1 2.2 2.3 REFLEXÕES SOBRE A LITERATURA INFANTIL ................................. LITERATURA INFANTIL E SEUS CAMINHOS ........................................ DIMENSÃO HISTÓRICA DA LITERATURA INFANTIL ............................ DIMENSÃO EDUCATIVA DA LITERATURA INFANTIL ........................... 12 14 22 28 3 3.1 3.2 3.3 CAPEUZINHO VERMELHO EM PERRAULT E GRIMM ......................... A INTERTEXTUALIDADE NO CONTO .................................................... A NARRATIVA DE CHARLES PERRAULT .............................................. A NARRATIVA DOS IRMÃOS GRIMM ..................................................... 35 41 51 55 4 4.1 4.2 4.3 CHAPEUZINHO VERMELHO EM BRAGUINHA E RUBEM ALVES ..... A PARÁFRASE DE BRAGUINHA (JOÃO DE BARRO) ........................... A REESCRITA DE RUBEM ALVES ......................................................... O VALOR DE UMA BOA HISTÓRIA ........................................................ 58 65 71 79 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 84 REFERÊNCIAS ................................................................................................. ANEXOS ........................................................................................................... 89 93
  • 8. 1 INTRODUÇÃO Os contos de fadas proporcionam grandes benefícios na formação da personalidade porque é através das narrativas que as crianças conseguem assimilar os conteúdos da história e compreender que é possível vencer os obstáculos e saírem vitoriosas, pois o herói sempre sai vencedor no final das narrativas. Durante o desdobramento da trama, a criança se identifica com as personagens e passa a vivenciar os episódios narrados de forma clara e simples. Os conflitos internos, inerentes a todo ser humano, como o impacto da morte, a chegada do envelhecimento, a luta entre o bem e o mal, a inveja e tantos outros valores abordados nos contos infantis são expostos dentro de um desfecho que oferece finais para sempre felizes. A elaboração de caminhos para lidar com os temores e anseios que habitam o imaginário infantil é formada dentro da estrutura interna e simbólica representada pelos medos, pelos desejos, pelos amores e pelos ódios que a criança apresenta nos seus sentimentos abafados dentro de sua imaturidade. Este aprendizado é captado pela criança utilizando-se de um simbolismo intuitivo e tornando-se muito mais abrangente do que se possa acreditar. Cada vez mais surgem evidências de que os sistemas de crenças produzem efeito decisivo sobre o funcionamento do ser humano, tanto psíquico quanto fisiológico, de modo que crenças alicerçadas no espírito de esperança e de vitória são de grande ajuda na superação de dificuldades, mesmo na vida adulta. As mensagens realçadas na vitória do bem sobre o mal transportam uma verdade que independe do tempo. A criança excede as narrativas antigas para a sua realidade atual e reelabora seus conteúdos internos através da repetição da história. É por isso que é comum a criança pedir para ouvir ou ler a mesma história inúmeras vezes. Trata-se da referência que ela está usando para compreender-se, para elaborar suas angústias ainda não resolvidas. A repetição ajuda o leitor/ouvinte a confirmar o conteúdo que está sendo processado para que o conflito interno seja solucionado. Outra função importante dos contos de fadas é a de resgatar o princípio da vida, ou seja, a criança precisa cumprir cada etapa do seu desenvolvimento para que sua estrutura psíquica possa crescer equilibrada. A vivência emocional
  • 9. adquirida através dos contos de fada ajuda a regular as fases de amadurecimento do ser humano, em oposição à ansiedade e ao acúmulo de demandas, de cobranças e de pressões de toda sorte que a sociedade moderna exerce sobre os indivíduos, mesmo sobre as crianças. Os contos de fadas transmitem às crianças a mensagem de que na vida é inevitável termos de nos deparar com dificuldades, mas que se lutarmos com firmeza, será possível vencer os obstáculos e alcançar a vitória. Ao ouvir uma história, o imaginário da criança é acionado, e as emoções provocadas pelos medos, frustrações, amores, desejos, sentimentos atingem diretamente o seu interior. Daí porque, enquanto ouvem as histórias, as crianças se emocionam com tal intensidade, que apresentam calafrios pelo corpo, sustos e passam a sonhar com lindos príncipes ou princesas. Em seus primórdios, a Literatura foi essencialmente fruto da imaginação, nos quais os elementos sobrenaturais estavam integrados às narrativas e eram tratados com naturalidade. Nessa época, o conhecimento científico dos fenômenos da vida natural ou humana era inacessível à humanidade. O pensamento mágico dominava a lógica e revelava a preocupação da sociedade com as relações humanas ao nível do social que correspondia às fábulas. A literatura arcaica acabou se transformando em Literatura Infantil, ou seja, a natureza mágica da narrativa atraiu espontaneamente as crianças. Dentre os contos de fadas, o conto “Chapeuzinho Vermelho”, sempre foi e continua sendo uma das narrativas mais importantes na literatura infantil. Através do prazer e das emoções que a história proporciona o simbolismo implícito na trama e a interação das personagens na narrativa, a criança passa a agir inconscientemente, atuando pouco a pouco e ajudando a resolver os conflitos internos. É nesse sentido que a Literatura Infantil e, principalmente, os contos de fadas podem ser decisivos para a formação da personalidade da criança em relação a si mesma e ao mundo à sua volta. A proposição exposta sobre o conto “Chapeuzinho Vermelho” se fundamenta dentro de três momentos específicos. Primeiramente, será levantado um estudo reflexivo sobre a Literatura Infantil salientando os caminhos percorridos até os dias atuais e sua dimensão histórica e educativa. Partindo desta abordagem contemplativa sobre os rumos tomados pela Literatura Infantil, será feita uma análise intertextual do conto “Chapeuzinho Vermelho” e as narrativas de Charles Perrault e
  • 10. dos Irmãos Grimm. Este exame científico será finalizado com o aprofundamento investigativo da paráfrase escrita por João de Barro (Braguinha) e da reescrita de Rubem Alves sobre o conto. Este viés contempla a linha de pesquisa Literatura de Minas: o regional e o universal já que Rubem Alves, apesar de renome nacional, é natural da cidade de Boa Esperança, localizada no sul do Estado de Minas Gerais. Os valores apresentados no conto infantil “Chapeuzinho Vermelho” em antigas edições têm uma força estética que exerce domínio emocional raramente encontrado nas obras contemporâneas. Perrault e os Irmãos Grimm procuraram referir os comportamentos a serem seguidos inspirando-se em posturas moderadoras da conduta infantil. Braguinha invadiu a narrativa ficcional do conto “Chapeuzinho Vermelho” e inseriu um texto com rimas e cantigas folclóricas, levando o leitor a aventurar-se pelo desconhecido. Os anseios e os temores da sociedade moderna fizeram com que Rubem Alves aprofundasse a temática da perda sob outro prisma, inserindo novas considerações que possibilitam discutir outros valores. O significado mais profundo dos contos infantis está em trazer à tona o medo mais comum da infância, ou seja, o medo do desamparo. O estudo do conto “Chapeuzinho Vermelho” se funda nos princípios opostos entre o certo e o errado que ajudam a criança a compreender certos valores básicos da conduta humana ou do convívio social. O princípio que afirma a existência das duas vertentes, o certo e o errado, é transmitido através de uma linguagem simbólica que procura formar a consciência ética do leitor/ouvinte. O que as crianças encontram nos contos de fadas são, na verdade, categorias de valor que são perenes. O que muda é apenas o conteúdo rotulado entre o que é bom ou o que é mau. Os significados dos símbolos no conto estão ligados aos eternos dilemas que o homem enfrenta ao longo de seu amadurecimento emocional. Os franceses foram os criadores, no século XVII, do termo conte de fée, ou conto de fadas, posteriormente os ingleses renovaram com o fairy tale. Anteriormente, os contos eram passados apenas pela tradição oral, sobretudo no Centro da Europa, e iam buscar, de forma muito dispersa, elementos ligados ao mito, às grandes tradições religiosas, aos símbolos e arquétipos de vários tipos, à literatura antiga, à medieval. Os contos foram evoluindo dentro de uma tendência que procurou unificar as idéias e os princípios diversificados que foram sendo
  • 11. reconstruídos e modernizados dentro de novas versões das narrativas do conto “Chapeuzinho Vermelho”. A partir do século XVII, emergiu uma tradição erudita do conto de fadas, que ganhou força com as adapatações escritas por Charles Perrault , recolhidas a partir da tradição oral. O conto “Chapeuzinho Vermelho” moderno, tal como é conhecido, foi ostentado nessa tradição, promovida por pessoas como Perrault e os Irmãos Grimm. “Chapeuzinho Vermelho” passou a ser uma forma de cultura elaborada e deixou de ser uma mera literatura oral cultivada e transmitida sobretudo pelas populações rurais, tornando-se uma cultura de salão. A história da bela menina que vai levar algumas guloseimas para a avó diz respeito à confrontação de uma adolescente com a sexualidade adulta. O significado oculto expresso no conto aparece através de seu simbolismo baseado em aspectos que não existiam nas versões conhecidas dos camponeses, nos séculos XVII e XVIII. Assim, a cor vermelha do capuz de “Chapeuzinho Vermelho” é representada pelo símbolo da menstruação e, a advertência da mãe para que a menina não se desviasse do caminho, como o momento em que surge a ruptura entre o bem e o mal. As pedras colocadas na barriga do lobo, depois que o caçador retira a menina e sua avó, readaptado pelos Irmãos Grimm, representam a punição por infringir um tabu sexual. O pressuposto de que todo homem interage independentemente com os outros indivíduos a partir da visão que o outro compreende do mundo e do olhar diferenciado que leitor/ouvinte irá se sensibilizar em contato com a narrativa aponta para uma análise crítica do conto levando a indagações e estudos que refletem o modo de agir e pensar da sociedade em cada época e lugar. O encantamento no conto “Chapeuzinho Vermelho” está relacionado com a imaginação e a criatividade. Não basta imaginar que uma coisa pode ser diferente, é necessário que se tenha a convicção de que algo pode ser mudado nos acontecimentos da narrativa. O conto apresenta uma dimensão ética, um entendimento que impede que o leitor se converta dentro de valores de condutas não aceitos pela sociedade e preserve sua integridade moral. E isso é fundamental para que se mantenha uma cidadania sadia, ou seja, o conto “Chapeuzinho Vermelho” tem a capacidade de dizer que as coisas podem ser diferentes e que nem sempre são o que parecem.
  • 12. A intertextualidade do conto está ligada a visão de mundo, que deve ser compartilhado. A elaboração e adaptações da narrativa pressupõem um universo cultural muito amplo e complexo, pois implicam na identificação e no reconhecimento das diversas versões da obra ou trechos mais ou menos conhecidos, além de exigir a capacidade de interpretação e de ajustamento do conto às condições e às necessidades da sociedade de determinada época. A manutenção das características gerais do conto “Chapeuzinho Vermelho” depende da experiência de vida, das vivências, das releituras e modernizações da narrativa. A transformação e readaptação da história levam a refletir a respeito da individualidade e da coletividade em termos de criação. A paráfrase é uma imitação, na maioria das vezes ironica, de uma produção literária, em outras palavras é uma imitação que provoca risos. A reprodução do conto “Chapeuzinho Vermelho” surgiu a partir de uma nova interpretação, de uma nova recriação da obra já existente e, consagrada. Seu objetivo é modificar a obra original dando um novo contexto, ou seja, passando diferentes versões para um lado mais despojado, e aproveitando o sucesso da obra original para passar um pouco de alegria. A Literatura Infantil, aparentemente ingênua, é uma manifestação que se ordena em múltiplas relações com a sociedade, com os sistemas de pensamento, com a realidade sócio-econômica. Como toda arte, em suas diferentes manifestações, é produzida por meios que são históricos. Antes da escrita, a arte da palavra era utilizada na tradição oral, nas cantigas folclóricas; com a invenção da escrita, e depois com o advento dos meios técnicos de impressão, ganhou-se visualidade com os desenhos e figuras esboçadas nas páginas, acentuando a criação de sentido com as imagens para as narrativas. Atualmente, a Literatura Infantil tangencia convergências e fronteiras da inovação do século XXI penetrando nas questões de ordem éticas, estéticas e desenvolvendo tecnologias e efeitos de linguagens que admiram até quem nunca ouviu ou sabe sobre o conto, não como entidades isoladas, mas como a própria figura real e imaginária da contemporaneidade. As reflexões sobre leitura e aspectos da linguagem da Literatura sob a abordagem dos signos e de suas significações busca relacionar e confrontar linguagens verbais e não verbais, reconhecendo nos diálogos que a literatura estabelece com outras artes e outras formas de representação, as linguagens por meio do que o contexto histórico se exprime. Dentro desta perspectiva, vislumbra-se o processo ininterrupto de transformações da
  • 13. literatura em constantes tentativas de se rearticular a realidade mutante da linguagem. Na verdade, os contos populares são documentos históricos. Surgiram ao longo de muitos séculos e sofreram diferentes transformações, em diferentes tradições culturais. Longe de expressarem as imutáveis operações do ser interno do homem, sugerem que as próprias mentalidades mudaram. Os contos de fadas ajudam a avaliar a distância entre universo mental moderno e o dos povos ancestrais. Quando uma criança lê ou escuta a primitiva versão camponesa do "Chapeuzinho Vermelho", é capaz de voltar à origem do conto, com suas vestimentas, seu enredo e seu cenário baseado nas análises simbólicas e nos detalhes da narrativa, ou seja, capuzes vermelhos e caçadores.
  • 14. 2 REFLEXÕES SOBRE A LITERATURA INFANTIL Desde a pré-história o homem procurou estabelecer algum tipo de comunicação evidenciando sua presença no mundo através da escrita em pedras, tabuinhas de argila, peles de animais, entre tantos outros tipos de materiais tirados da natureza demarcados através de riscos ou garatujas, na tentativa de revelar sua passagem no tempo. Os desenhos traçados nas cavernas levaram o homem a conquistar sua hegemonia na forma de transmitir e receber mensagens através da linguagem falada e/ou escrita. O ato de ouvir e contar as histórias acompanha o ser humano de geração em geração, ao longo de sua existência. A literatura se manifesta conscientemente através da palavra, do pensamento, da idéia, da imaginação. E é a palavra o elemento indispensável no universo imaginário do ser humano, pois ela exprime e faz reunir as excentricidades de cada momento. Nelly Novaes Coelho em sua obra, Literatura Infantil: teoria, análise e didática ressalta que a “Literatura é arte e, como tal, as relações de aprendizagem e vivência, que se estabelecem entre ela e o indivíduo, são fundamentais para que este alcance sua formação integral de conscientização do eu com o outro e com o mundo” (2000, p.10). O pensamento, as idéias e a imaginação, ou seja, a palavra é a base de todo discurso literário. Sua eficácia como instrumento de formação humana está estritamente relacionada à leitura e ao domínio da mesma pelo homem. Os trabalhos literários documentam um papel representativo nos contos infantis e na formação da personalidade. Muitas preocupações que povoam a mente das crianças são projetadas, inconscientemente, nos vários personagens das histórias alimentados por conflitos internos e vivenciados pelas crianças no seu processo de crescimento. As narrativas procuram reunir as necessidades básicas da humanidade: a experiência dos adultos, a busca contínua pelo desconhecido, o prazer de aventurar- se e seus efeitos como as alegrias, os desconfortos, as revelações e as tristezas, visto que parte do poder das histórias deriva não só das palavras como das representações morais que as acompanham, tornando-se parte do pensamento e das expressões cotidianas. Os contos infantis transpõem desejos e almejam uma
  • 15. orientação moral clara e positiva paralela à mensagem passada e compreendida pelo leitor. Enquanto narrativa destinada ao público, os contos de fadas surgiram na Europa durante a Idade Média originários de relatos orais que ficaram registrados na memória dos povos e foram transmitidos através dos tempos. Muitos contos revelam afinidade com ritos dos povos primitivos, onde para alcançar outra etapa da vida, submetia-se o ser humano a inúmeras provas que comprovariam ou não o seu amadurecimento. Os heróis das histórias eram apresentados sempre em situação inferior no meio em que viviam e somente com o auxílio de “elementos mágicos” conseguiam superar as dificuldades. A sustentação do conto está definida dentro de virtudes, desejos, apetites e aspirações criadas a partir das identidades que permitem produzir finais para sempre felizes. Onde cada texto torna um instrumento facilitador que conduz o leitor a enfrentar seus medos e desembaraçar-se de sentimentos hostis e desejos danosos. Gilberto Mendonça Teles assevera na Retórica do Silêncio I que: “deve- se levar em conta que a linguagem literária não passa, portanto, de uma irrealidade que se vale de uma outra irrealidade que a linguagem comum” (1989, p. 28). A Literatura Infantil é o princípio mágico e inaugural que se revela em cada personagem, cada palavra e cada sentir. Seu objetivo não é só expressar uma rede de idéias através de palavras e imagens, mas levar o ser humano a pensar, a distinguir e a se posicionar moralmente diante de modelos de comportamento considerados vitais. Valdecir Conte argumenta sobre a Literatura infanto-juvenil que, “[...] é uma forma particular de conhecimento da realidade, é uma certa maneira de ver o real [...] pode, ser uma excelente porta de entrada para a reflexão sobre aspectos importantes do comportamento humano e da vida em sociedade [...]” (2002, p. 40). As narrativas infantis procuram convencer o leitor através de seus argumentos e palavras. A exposição dos fatos, dos acontecimentos ou das particularidades relativas a um determinado assunto é uma verdadeira descrição. A literatura é uma fonte capaz de traçar pistas e imagens do mundo, dando acesso às formas de ver a realidade de um outro tempo, fornecendo pistas daquilo que poderia ter sido ou acontecido no passado.
  • 16. 2.1 LITERATURA INFANTIL E SEUS CAMINHOS A Literatura Infantil é um agente formador e conscientizador de mundo, capaz de atingir duas direções do conhecimento: a da literatura propriamente dita com o leitor atento e a da formação de um ser competente e sintonizado com as transformações do momento presente. O ser humano é um aprendiz de cultura e as narrativas infantis são meras representações de mundo, de homem e de vida, através da palavra. A evolução da humanidade se faz ao nível da mente, da consciência de mundo que cada um vai assimilando desde a infância. Assim, tanto a literatura oral como a escrita se tornam agentes capazes de expressar as culturas, as heranças e os valores herdados e renovados na sociedade. E o livro passa a ser o responsável pela formação de consciência de mundo das crianças, pois a condição básica do ser humano é observar e compreender o espaço em que vive e os seres e as coisas com que convive. Por isso, a Literatura é um fenômeno da linguagem, resultante da existência social e cultural e está diretamente interligada com a história e a herança cultural. As transformações literárias ocorridas no momento atual foram semeadas dentro de temáticas tradicionais e consolidadas pelo Romantismo, na busca de reforçar o ideal de indivíduo representado por heróis ou personagens que ofereciam qualidades e virtudes consagradas pela sociedade, como padrões de comportamentos que deveriam ser imitados. Os estudos da Literatura Infantil estimulam o exercício da mente, a percepção do real e suas múltiplas significações, a consciência do eu em relação ao outro, a leitura de mundo nos vários níveis e a dinamização e conhecimento da língua e da expressão verbal. Para Nelly Novaes Coelho (2000), a criança é um ser educável, o ser humano é um aprendiz da cultura. Toda história apresentada leva o leitor a um diálogo constante com o texto, conscientizando-o gradativamente na formação interior de sua responsabilidade moral defrontada no seu convívio social. Coelho afirma em sua obra Literatura Infantil que: “conhecer a Literatura que cada época destinou às crianças é conhecer os ideais e valores ou desvalores cada sociedade se fundamentou” (2000, p. 27). A leitura é assimilada dentro da escrita criativa e sintonizada com as transformações
  • 17. do momento presente, reorganizando o próprio conhecimento ou consciência de mundo. A literatura contemporânea tem por objetivo alterar ou transformar a consciência crítica do leitor. Até pouco tempo, a Literatura Infantil estava habituada a criar belas obras literárias destinadas apenas à mera distração e prazer das crianças em ler, folhear ou ouvir agradáveis histórias. As criações literárias eram reduzidas em seu valor intrínseco, mas conseguiam atingir seu objetivo, que era atrair o pequeno leitor e levá-lo a participar das diferentes experiências de vida no campo do maravilhoso. A arte do autor/escritor em inventar a matéria literária ou manipular os processos estruturais resultou no encadeamento, na seqüência narrativa, no desenvolvimento e no ritmo de sua ação apresentadas através de fragmentos vividos dentro da visão de mundo. Na ficção contemporânea surgiu uma forma híbrida de linguagem, resultante da visão realista que procurou reproduzir uma experiência vivida no mundo real como sendo simbólica. Neste realismo mágico, segundo Nelly Novaes Coelho, “o cotidiano mais comum passa a conviver com um elemento estranho ou maravilhoso que ali é visto como absolutamente natural” (2000, p. 82). A linguagem simbólica pode ser expressa através da utilização de animais que representam idéia, intenções ou pela utilização de seres inanimados presentes também no reino vegetal, que passam a adquirir vida e falam ou agem como humanos. A representação de uma situação vivida pelo ser humano pode ser analogicamente transposta dentro de um todo narrativo e ideológico. Em seu guia para desenvolver habilidades e obter sucesso na apresentação de uma história Vânia Dohme declara que: as histórias podem ir além do encantamento, quando escolhidas, estudadas e preparadas adequadamente, podem ter a função de educar. Elas encerram lições de vida, dando contexto a situações, sentimentos e valores que, quando isolados, são difíceis de serem compreendidas pelas crianças. Estas narrações, tão saborosamente recebidas, desencadeiam processos mentais que levarão a formação de conceitos capazes de nortear o desenvolvimento em valores éticos e voltados para a formação da auto- estima e a cooperação social (2000, p. 5).
  • 18. A Literatura Infantil é uma representação artística que se apropria do simbólico utilizando-se de caminhos que exaltem os anseios, as angústias, os conflitos e as buscas do homem. “Faz, então, emergir uma liberdade de espírito, algo como deixar acontecer as coisas do mundo, sem o compromisso da culpa. Mas, está para além da catarse e da sublimação, porque é capaz de tornar-se a própria vida” (CAVALCANTI, 2002, p.12). As disposições das narrativas literárias destinadas às crianças estão no âmago da linguagem poética, no jogo de palavras, no ritmo, na sonoridade que já compõe e cria uma realidade própria. Elas são mais do que uma simples estrutura discursiva, extrapolam o universo concreto, aprofundando-se nas construções do imaginário de cada leitor. A relação do leitor com o mundo estabelece-se a partir da entrada do simbólico, levando-o a refletir a respeito de um determinado assunto e ressaltando a importância do imaginário. A Literatura Infantil se faz da palavra para além dela. A palavra é apenas o fio condutor que permite traçar caminhos de integração entre o eu, o outro e o mundo. Joana Cavalcanti em Caminhos da literatura infantil e juvenil assevera que: as narrativas sempre se constituíram relato essencial da capacidade humana de fabular, fantasiar e criar. Desde sempre o homem narrou. Não é difícil imaginar a reação dos primeiros seres humanos ao depararem o universo desconhecido, estranho e diferente deles mesmos e por isso ameaçador, ou mesmo o olhar de contemplação mergulhado na luz do sol ou nas sombras do luar, ou mesmo o pensamento, ainda não totalmente elaborado pelo ser racional que se erguia nos tempos primevos (2002, p. 19). As histórias infantis foram inicialmente destinadas aos adultos e, com o tempo, se transformaram em literatura para pequenos. Nasceram no meio popular e se expandiram em diversas adaptações. Todas tinham a intenção de passar determinados valores ou padrões que deveriam ser respeitados e incorporados pela sociedade. As fábulas, os mitos e as lendas folclóricas sempre agradam a todos, porque possuem uma linguagem metafórica facilmente percebida e assimilada, podendo atualizar-se continuamente. Os valores são repassados dentro de um pensamento mágico e comunicável.
  • 19. A mentalidade popular e a infantil identificam-se entre si através de uma consciência primária na apreensão do eu interior ou da realidade exterior, ou seja, o sentimento do eu predomina sobre a percepção do outro. Em conseqüência, as relações entre ambos são estabelecidas através da sensibilidade, dos sentidos e das emoções. Tanto o homem rudimentar quanto a criança possuem uma consciência a- histórica da realidade em que estão inseridos, pois compreendem apenas o presente. A linguagem poética empregada nos primórdios utilizava padrões de pensamento ou de conduta abstratos e difíceis de serem compreendidos ou assimilados, fazendo surgir uma linguagem literária que procurou comparar as imagens, os símbolos e as representações. As grandes obras literárias existentes levam a Literatura Infantil a abranger artística e pedagogicamente o leitor, visto que provocam emoções, dão prazer ou divertem e, acima de tudo, modificam a consciência de mundo. A Literatura destinada às crianças pode transformar-se em uma aventura espiritual capaz de modificar toda obra e os valores a serem repassados por ela. Ou, pode transformar- se em uma literatura meramente informativa, preservando o leitor e servindo apenas como uma atividade mental descompromissada, dentro de um sistema de regras que busca entreter o indivíduo. O importante é que todo discurso literário procure transmitir valores para serem incorporados como verdades pelas novas gerações. O ideal é: divertir, dar prazer e emocionar, mas também ensinar modos de ver o mundo, de viver, de pensar, de reagir, de criar. Por meio das histórias o leitor se defronta com situações fictícias e percebe as várias alternativas oferecidas, tornando-se capaz de antever as conseqüências que determinada situação acarretará, montando seu próprio código moral a partir de sua vivência. A formação do caráter do leitor agita o raciocínio infantil, interrogando-o e fazendo-o se posicionar. O exercício da imaginação ajuda na formação da personalidade, na medida em que possibilita fazer conjecturas, combinações e visualizações. A criatividade está diretamente ligada à quantidade de referências que cada ser humano possui. Por isso, é preciso ter olhos para ver a realidade da sociedade que a cerca, identificando as atitudes corretas e reprimindo as danosas. A busca da identidade e da conscientização do homem dentro de situações fantasiosas nas narrativas, nos sons, nos ritmos e nos pensamentos dos contos
  • 20. infantis expressa uma busca de caracteres propriamente solidários. Há, também, uma exposição por uma nova visão de mundo que caminha na busca da autodescoberta do “eu” em relação ao “outro”. Este resgate das origens é reinventado através do lastro popular arcaico e de um apelo visual gráfico representado verbalmente e fundamentado dentro de uma estrutura organizada de idéias e de imagens. Os contos infantis são uma fonte incomparável de aventura e suspense, que excitam a imaginação. É um erro compará-los a mera transmissão de lições de vida sobre o comportamento desejável para alcançar o sucesso na vida por meio de conselhos, pois “[...] há dramas sérios que refletem eventos que acontecem no mundo interior da criança” (CASHDAN, 2000, p. 25). As narrativas ajudam a criança a lidar com os conflitos internos, travando lutas com o próprio “eu”, durante o processo de crescimento. Elas são as mais eficazes e oferecem novos ‘insights’ em relação a velhos conflitos. Na obra Os 7 pecados capitais nos contos de fadas, Sheldon Cashdan declara que: os contos de fadas são, essencialmente, dramas maternos nos quais as [...] figuras femininas funcionam como derivativos fantasiosos das diversões da primeira infância. Ao transformar as divisões do eu em uma aventura que coloca as forças do bem contra as forças do mal, os contos de fada não apenas ajudam as crianças a lidar com as forças negativas presentes no eu, mas também homenageiam o papel fundamental que as mães têm na gênese do próprio eu (2000, p. 45). As histórias infantis são sobretudo narrativas sobre as mulheres e sobre o importante papel que estas desempenham na emergente percepção do eu na criança. Ao entrarmos no século XXI, nossas idéias sobre contos de fadas e seu significado para as crianças tendem a se modificar. Os contos de fadas sempre foram produtos da cultura e da era nas quais estão inseridos. Ao invés de apresentar mulheres passivas e/ou submissas que figuram como personagem principal da obra literária, os contos de fadas adotam uma tendência feminista e têm heroínas corajosas, estruturadas e espirituosas como em Rapunzel, A Bela e a Fera e Branca de Neve e os Sete Anões. A verdadeira magia dos contos está em conseguir extrair prazer da dor, dando vida a figuras imaginárias
  • 21. como “lobo mau” e aflorando o medo, mas por fim sempre proporcionando o prazer de vê-lo vencido. O conto folclórico foi sendo suavizado com o passar dos anos, visto que as histórias não tinham um final feliz. Na realidade toda fábula possui um valor moral que procura alertar as crianças sobre “quem transgride as regras se expõe ao perigo, é punido e fim de história” (CORSO; CORSO, 2006, p. 51). A construção da reescrita dos contos de fadas apresenta imagens de mulheres simples, claras e unidimensionais, de acordo com Anete Abramowicz (1998) retratando mulheres obedientes e submissas à ordem de “homem”, tornando-se consagradas dentro de qualidades exemplares, como: bondade, submissão, obediência, paciência, aceitação de uma dada situação, compaixão, generosidade e graça. Maria Tatar descreve, na sua obra sobre os Contos de fada (2004), que os enredos procuram transmitir além de uma moralidade ingênua que recompensa o bom comportamento, uma trama que leva o leitor a refletir sobre seus atos. As reescritas dos contos infantis não manifestam uma moralidade defeituosa, ao contrário, deixam claro nas lições morais que são extraídas das histórias que por vezes há uma grande dificuldade de encontrar uma mensagem compatível com a filosofia da virtude premiada e da maldade punida. A boa literatura não deve ter a pretensão de oferecer modelos de comportamento e nem receitas mágicas de felicidade; ao contrário, deve provocar o leitor, estimulá-lo a tomar posição diante de certas questões consideradas vitais. O conto infantil registra um momento significativo na vida das personagens. A visão de mundo apresentada na obra corresponde a um fragmento de vida que permite ao leitor revelar apenas uma parte do todo ao qual aquele fragmento pertence. As narrativas infantis ajudam a criança a suportar os reveses da vida e a ter tranqüilidade para esperar e aceitar as características e limitações do outro, levando- as a perceber e a conviver com as variações de comportamento de cada um e a estar dispostas a ajudar e a prestar, voluntariamente, favores ao próximo. O conto permite à criança entender o seu interior e acreditar que as transformações são possíveis e desejáveis. Ela não tem consciência de que é perigoso ceder a desejos que considera inofensivos, e por isso tem que aprender que o perigo é “ensinado a duras custas”. Os contos de fadas têm o poder de transferir para um mundo sugestivo e cheio de encantamento, no qual tudo vibra
  • 22. tudo tem vozes: os homens, os animais, as plantas, tudo numa atmosfera serena, simples e familiar. Parte do poder das histórias deriva não só das palavras, como das imagens que as acompanham, tornando-se parte do pensamento e das expressões cotidianas. Os contos infantis conduzem os desejos e os orientam dentro de uma visão moral clara e positiva paralela à mensagem passada e compreendida pelo leitor. O material arraigado no conto o protege do seu contexto histórico e revela as peculiaridades textuais e as reviravoltas ocorridas ao longo do tempo em lugares com culturas diferentes. Ao ingressar no mundo da fantasia e da imaginação, o espaço dos conflitos é dominado e banido do imaginário infantil. A verdadeira magia do conto infantil está em conseguir extrair prazer da dor: dando vida a figuras imaginárias e aflorando o medo, mas por fim sempre proporcionando o prazer de vê-lo vencido. O enfoque apresentado nas primeiras versões das histórias propaga as preocupações e ambições que moldavam as angústias e os desejos dos adultos daquela época. A acolhida das narrativas encerra lições de vida dá contexto a situações sentimentais e valores que, quando isolados, são difíceis de serem compreendidos pelas crianças. Esta linguagem poética desencadeia processos mentais que levam à formação de conceitos capazes de nortear o desenvolvimento de valores éticos voltados para a fixação da auto-estima e da cooperação social. A análise apresentada por Nelly Novaes Coelho (2000) sobre a Literatura Infantil salienta que o discurso narrativo encontrado nos contos infantis passa de um foco central e vai se encadeando em seqüências de efabulação, cuja ação é captada por personagens e determinada dentro de um espaço e tempo comunicável através de uma linguagem simples de ser lida ou ouvida. A representação da narrativa passa por uma realidade que é transposta espiritualmente por um simbolismo animal resultante da fusão do real com o sobrenatural. Bruno Bettlheim (1980) ressalta em seu livro A psicanálise dos contos de fadas que, o conto de fadas é orientado para o futuro e estimula a criança a abandonar seus desejos de carência infantil e conseguir uma existência mais independente. Enquanto diverte, o conto de fadas esclarece a criança sobre si mesma e favorece o desenvolvimento da personalidade e maturidade moral. O mundo contemporâneo passou a acoplar as experiências individuais à tradicional noção de sujeito. A pior característica que o livro infantil pode apresentar
  • 23. é a de enganar a criança no que ela deveria ter como experiência na Literatura, ou seja, o acesso ao significado mais profundo e àquilo que é significativo para ela. Apenas na idade adulta é que o ser humano obtém uma compreensão mais precisa e significativa da sua própria existência neste mundo visto que: as escolhas das crianças são baseadas não tanto sobre o certo versus o errado, mas sobre quem desperta sua simpatia e quem desperta sua antipatia. Quanto mais simples e direto é um bom personagem, tanto mais fácil para a criança identificar-se com ele e rejeitar o outro mau. A criança se identifica com o bom herói não por causa de sua bondade, mas porque a condição do herói lhe traz um profundo apelo positivo (BETTELHEIM, 1980, p. 18). Os autores ainda continuam preocupando-se muito mais com a apresentação dos fatos a serem narrados do que com a história em si, levando o leitor aos mais variados desfechos. A intenção de realismo e verdade se alterna com a atração pela fantasia, pelo imaginário. Multiplicam-se os recursos de apelo à visualidade e de formas narrativas que vêm desde a origem dos tempos. Os estudos literários privilegiam e estimulam o exercício da mente, levando a criança a perceber o real em suas múltiplas significações e conscientizações do eu em relação ao outro. A Literatura Infantil é o agente formador de uma nova mentalidade e as histórias trazem o abstrato ao entendimento das crianças fortificando as experiências que aumentarão a sua vivência, ampliando as possibilidades de relacionamento social. Essas histórias transmitem conhecimentos que levam ao crescimento e propõe contentamento ao mostrar o lado divertido de situações consideradas difíceis de serem entendidas. A criança aprende a dividir e compartilhar seus pertences dentro de uma conduta de confiabilidade e cooperação com o outro de forma consistente e produtiva. Torna-se um ser corajoso, perseverante, firme e constante nas soluções de problemas, diante de situações novas ou desafiantes, não deixando de ser afável, atenta e bem-educada. A linguagem literária da representação e/ou imaginação tem o poder de conscientizar o abstrato através de comparações, imagens e símbolos que ajudam no amadurecimento da inteligência reflexiva. A literatura infantil, “é o meio ideal não só para auxiliá-las a desenvolver suas potencialidades naturais, como também para
  • 24. auxiliá-las nas várias etapas de amadurecimento que medeiam entre a infância e a idade adulta” (COELHO, 2000, p. 43). 2.2 DIMENSÃO HISTÓRICA DA LITERATURA INFANTIL As primeiras narrativas infantis brasileiras eram meras traduções de obras estrangeiras, ou adaptações para os pequenos leitores de obras destinadas aos adultos, ou reciclagem de material escolar, apelando para a tradição popular. O pensamento, as idéias, a imaginação passaram a não apresentar uma continuidade na formação do leitor. As idéias expressas no texto literário e comunicadas através das imagens começaram a representar mental e verbalmente a transmissão das histórias já existentes. Contudo, não poderiam aprofundar-se demais, pois os leitores precisavam reconhecer nas personagens os limites da temporalidade e da ação no mínimo de coerência. De acordo com Regina Zilberman, em sua obra Como e por que ler a literatura brasileira, “o problema é que eles não tinham atrás de si uma tradição para dar continuidade, pois ainda não se escreviam livros para crianças na nossa pátria” (2005, p. 15). Até os dias atuais, as fábulas, os mitos e as lendas agradam às crianças devido a sua linguagem metafórica facilmente comunicável com o pensamento mágico e mediador dos valores a serem assimilados e continuamente atualizados. Por isso, “toda obra literária que venceu o tempo e continua falando ao interesse de cada nova geração, atende a outros motivos particulares que, como os que atuaram em sua origem, são decorrentes de uma verdade humana geral” (COELHO, 2000, p. 45). As histórias infantis são originárias do mundo da magia, da fantasia, onde tudo se resolve de maneira fantástica escapando das limitações e incertezas da vida. Adriana Sperandio Ventura P. de Castro apresenta em seu ensaio Cada conto uma travessia, um estudo detalhado sobre a literatura fantástica e suas dimensões históricas. De acordo com a autora,
  • 25. estes textos refletem a evolução do homem, um percurso no qual se pode abstrair a maneira pela qual o ser humano viveu e percebeu o seu mundo. Gerados em épocas distintas (da barbárie à Civilização) e embora venham sendo adaptados e reescritos, através dos tempos, conservam os valores básicos do momento que surgiram (2004, p. 22). A partir da Idade Média aparecem fontes orais que se aproximam as narrativas destinadas às crianças, retratadas através do folclore e difundidas pela humanidade. Nessa época a criança era considerada um ser desprezível pelos adultos, tendo que amadurecer rapidamente para ajudar nos afazeres da comunidade, nos costumes e hábitos sociais, na participação dos jogos e festas da época. Os temas da vida adulta, as alegrias, a luta pela sobrevivência, as preocupações, a sexualidade, a morte, a transgressão às regras sociais, o imaginário, as crenças, as comemorações, as indagações e as perplexidades eram vivenciadas por toda a comunidade, independente de faixas etárias (CASTRO, 2004, p. 22). Desta forma, a Literatura Infantil tem suas origens enraizadas nos contos populares que a sociedade medieval procurou passar através de suas tendências, ideais e costumes que sobreviveram ao longo dos séculos e foram transmitidos oralmente pelos adultos à humanidade. A expressão das idéias articuladas oralmente impôs ao homem um poder sobrenatural de transformação de sua essência. O século XVII é considerado o marco da criação literária destinada ao imaginário infantil. De acordo com Castro (2004) a Literatura Infantil passou a existir a partir do momento que a criança deixou de ser vista como uma miniatura humana. Com a queda do feudalismo e o surgimento de uma nova estrutura familiar onde se preservava a educação dos filhos, a criança passou a ser acolhida dentro de suas necessidades e características próprias. As histórias infantis escritas eram as mesmas repetidas a partir da Idade Média e originárias do folclore popular. Estas narrativas foram adaptadas e recriadas de forma particular por Charles Perrault e, posteriormente, suavizadas pelos Irmãos Grimm. “A estrutura popular dos contos, correspondentes à preferência e à
  • 26. expectativa psicológica da criança, fez dessas maravilhosas histórias a primeira expressão da Literatura Infantil [...]” (CASTRO, 2004, p. 26). A partir dos contos apresentados por Perrault a sociedade burguesa passou a conhecer o que ficou denominado como “Conto de fadas”. À medida que o avanço do conhecimento científico aflorou no século XVIII, a literatura infantil deixou de ser um jogo verbal para se transformar em um jogo gráfico de expressão do pensamento. A modernidade passou a apresentar um novo estilo literário: o Romantismo. Assim, a literatura destinada às crianças ficou prejudicada pelo moralismo compulsivo e carregado de conceitos científicos e desinteressantes para elas. Castro consolida esta análise ao ressaltar que as, grandes obras literárias foram elaboradas dentro do espírito filosófico da época: instruir, educar, difundir conhecimentos; mas a despeito disso, as consagradas Aventuras conquistaram a geração infanto-juvenil, porque, apesar dos formalismos, tanto o prazer quanto a diversão estavam subjacentes, atingindo o lado lúdico e emocional das crianças e adolescentes (2004, p. 31) . Como nenhuma conquista do conhecimento é definitiva, no século XIX a conquista e os avanços tecnológicos influenciaram o discurso literário da sociedade. O foco das narrativas infantis passou para a esfera das questões humanas, os contos de fadas ressurgiram com os Irmãos Grimm. A magia e o encantamento foram abrandados e o folclore popular passou a ser a tônica da Literatura Infantil. No Brasil surgiram dois tipos de cultura: uma européia, livresca e a outra popular, nativa. Os primeiros registros da narrativa infantil brasileira se encontram nas obras de Alberto Figueiredo Pimentel com os contos adaptados e traduzidos de outros países intitulados Contos da Carochinha (1894). Após dois anos, foi publicado seu segundo livro Histórias da Baratinha (1896) iniciando o destino da Literatura Infantil. Os primeiros livros brasileiros escritos para crianças no final século XIX trouxeram mudanças significativas no âmbito da criação literária. A Literatura Infantil passou a ser vista como uma “arte e, como tal, as relações de aprendizagem e vivência, que se estabelecem entre ela e o indivíduo, são fundamentais para que
  • 27. este alcance sua formação integral” (COELHO, 2000, p. 10). Ou seja, a literatura passou a ser encarada como uma fonte conscientizadora e harmoniosa do eu, do outro e do mundo. Com o desgaste do Romantismo, passou-se a utilizar linguagens infantilizadas e a impor modelos estereotipados de pensamento e ação, caracterizando a Literatura Infantil em um ‘gênero menor’, de acordo com os estudos apontados por Coelho (2000). Simultaneamente, começou a se desenvolver o culto às cantigas folclóricas que divertiam adultos e crianças com a musicalidade nas rimas e a manifestação de uma situação afetiva. Passou-se a descobrir a palavra como um divertimento, tentando sintonizar os padrões literários ao tradicional, mas camuflando o novo, ou seja, os poetas e escritores do início e meados do século XX tentaram criar, em poesia e contos infantis, novos modos de ver e dizer o novo mundo em formação. Isto se deu através de uma brincadeira com a fala e com a sonoridade. As obras literárias apresentadas nos meados do século XX passaram a questionar as representações apresentadas nos contos, procurando transformar, mostrar ou denunciar os caminhos ou os comportamentos a serem assumidos ou evitados. O valor literário de uma obra passou a resultar de uma visão de mundo indagadora, aberta e com uma linguagem sintonizada que estimulava a consciência crítica do leitor, que desenvolvia a expressão verbal ou a criatividade e que o levava a refletir e observar o mundo, conscientizando-o sobre a realidade ao seu redor para atuar como um ser ativo. A Literatura Infantil começou a ser pensada no Brasil no final dos anos 70, pois, anteriormente, predominava a Literatura considerada “conceituosa”, ou seja, era apresentada apenas como procedimento didático feito através de manuais. O pioneiro na Literatura Brasileira foi Monteiro Lobato. Sua narrativa “pode ser chamada de literatura da ‘libertação infantil’, e veio pelo menos meio século antes da chamada Teologia da Libertação” (CONTE, 2002, p. 11). Desde 1970, diversas experiências, debates e propostas educativas procuram reformular a Língua e a Literatura. E, com especial cunho polêmico, na área da Literatura Infantil.
  • 28. Monteiro Lobato é considerado o maior clássico da Literatura Infantil brasileira, por não ter, somente, escrito às crianças, mas por ter criado um universo para elas. Misturando a imaginação com o cotidiano real, mostra, como possíveis, aventuras que normalmente só poderiam existir no mundo da fantasia. [...] A realidade e fantasia, o maravilhoso e o real, são planos que coexistem, que se desenvolvem paralelamente. A fantasia parte da realidade e com ela se confunde. O mundo encantado é horizonte livre, com suas paisagens próprias, que a criança vai percorrê-lo com liberdade. Ao criar um mundo para as crianças, Lobato estabelece o equilíbrio entre o maravilhoso e o real, neles ambos completam (CASTRO, 2004, p. 37). Um levantamento sobre a estrutura formal dos contos do século XX mostra que eles ainda apresentam processos narrativos muito antigos, que estão sendo redescobertos ou recriados lentamente. Hoje, começa a nascer uma nova tendência que procura estruturá-los dentro de novos processos fundidos aos antigos recursos de formalização da produção literária. Os autores ainda continuam se preocupando muito mais com a apresentação dos fatos a serem narrados do que com a história em si, levando o leitor aos mais variados desfechos. A intenção de realismo e verdade se alterna com a atração pela fantasia, pelo imaginário. Multiplicam-se os recursos de apelo à visualidade e de formas narrativas que vêm desde a origem dos tempos. Os autores do século XXI tentam criar narrativas dentro de um espaço harmonioso entre a criatividade e as relações da criança com o mundo moderno, procurando estimulá-la a descobrir novos caminhos e aguçando sua curiosidade pelo desconhecido. A ruptura com o conservadorismo torna o espaço literário um lugar onde a diversão, a brincadeira, a magia sejam uma constante do viver infantil. A capacidade de edificar julgamentos desassociados dos seus propósitos fora do contexto das narrativas passa a estar em conformidade com a sensibilidade e a disponibilidade de cada um em entender as razões que levam o outro a praticar determinada conduta ou ato, levando moralmente o leitor a construir sua incapacidade de trair, falsear ou enganar. Os textos infantis são regidos dentro de princípios nos quais a verdade, a lealdade, o amor estão embasados nas verdades internas e externas das atitudes corretas. As mudanças ou maneiras de ver o mundo são muito lentas e demandam tempo para serem vivenciadas. A produção literária pós–1930 foi muito desigual no Brasil. Ao lado de tentativas de sintonizar com o novo, permanecia o tradicional camuflado de novo. Coelho apresenta a seguinte afirmativa:
  • 29. claro está que isso se deu não por falta de talento, arte e criatividade por parte daqueles que sentem atraídos por esta difícil arte para crianças [...]. A verdade que a história nos ensina é que só depois que as novas idéias, valores e comportamento se impõem nos adultos como ‘verdade’ vivenciada, é que esse ‘novo’ consegue ser expresso em linguagem lúdica e acessível às crianças (2000, p. 25). Então, somente nos meados do século XX que uma nova visão de mundo passou a caminhar dentro de uma postura de autodescoberta: apresenta um jogo lúdico com as palavras e idéias, buscando a identidade e a conscientização de situações comuns ou fantasiosas através do resgate das origens, porém reinventando o popular arcaico. O jogo das palavras com rimas e ritmos transformados em cantigas estimulou o “olhar da descoberta” poética nas crianças. Com imagens coloridas e sonoridade, a linguagem literária transporta para a descoberta da realidade que a circunda, e ela começa a ver e a conviver com as diferenças, a ter consciência de si mesma e do meio em que está situada. Coelho afirma que o apuro artístico nas obras literárias deve tocar “de imediato a sensibilidade, a curiosidade ou as sensações do fruidor. E, de preferência, de conteúdo narrativo, isto é, que expresse uma situação interessante” (2000, p. 223). Os contos infantis ajudam a criança a suportar os reveses da vida e a ter tranqüilidade para esperar e aceitar as características e limitações do outro, levando- a a perceber e conviver com as variações de comportamento de cada um e a estar disposta a ajudar e a prestar, voluntariamente, favores ao próximo. O conto permite à criança entender o seu interior, acreditar que as transformações são possíveis e desejáveis. A criança não tem consciência de que é perigoso ceder a desejos que considera inofensivos, e por isso tem que aprender que o perigo é “ensinado a duras custas”. As narrativas infantis têm o poder de levá- la para um mundo sugestivo e cheio de encantamento, no qual tudo vibra tudo tem vozes: os homens, os animais, as plantas, tudo numa atmosfera serena, simples e familiar. As histórias infantis procuram resgatar informações do inconsciente coletivo, deslocando-as para as necessidades do ser humano, ou seja, surgem com uma forma de atender às exigências da humanidade frente a situações difíceis e muitas vezes alheias à compreensão. As narrativas apresentam em sua estrutura
  • 30. elementos que se tornam significativos, como se fossem peças de um brinquedo de montar. A Literatura é um dos caminhos mais significativos para que se aprenda a caminhar com amplitude e criação; conseqüentemente uma história é sempre um “presente de amor”, pois existirá sempre a possibilidade de encontrar caminhos que ensinem segredos da alma e da vida. “Os Contos de Fadas têm em comum com os mitos o fato de não possuírem propriamente um sentido. São sim estruturas que permitem gerar sentidos, por isso toda interpretação será sempre parcial” (CORSO; CORSO, 2006, p. 28). 2.3 DIMENSÃO EDUCATIVA DA LITERATURA INFANTIL A evolução de um povo se faz ao nível da mente, da consciência de mundo que cada ser humano vai assimilando desde a infância. A Literatura Infantil é o agente capaz de formar a condição básica da criança de observar e compreender o espaço em que vive, levando-a a expressar suas experiências de vida. As histórias infantis sempre foram e continuarão sendo um dos elementos mais importantes na literatura destinada às crianças. A entrada no mundo simbólico tece um fio que provoca a descoberta de uma realidade capaz de ser narrada e transformada. A capacidade de representação é marcada pela dimensão simbólica e a linguagem é o ponto máximo da comunicação. Os recursos pelos quais os fatos são encadeados nas tramas se desenvolvem em torno de uma única ação ou situação, a caracterização das personagens e do espaço é breve, a duração temporal é curta. É uma espécie de ampliação ou síntese de todas as possibilidades de existências permitidas ao homem ou à condição humana. Os contos infantis apresentam três representações de mundo diferentes. O mundo real, onde os vícios e as virtudes são representados através do simbolismo animal, ou seja, pela “lei do mais forte”, o mundo onde um ser é transformado em outro, representado através de uma realidade mágica pelas fadas, princesas, bruxas, gente do povo em geral; e o mundo espiritual, que apresenta a passagem da vida terrena para o céu ou para o inferno.
  • 31. Através das histórias, as crianças aprendem a obedecer a ordens preestabelecidas e a praticar atos que resultem no próprio aprimoramento ou de sua comunidade, apropriando-se e conhecendo os limites com relação a si próprios, ao seu mundo e ao outro. Desta forma, passam a apresentar atitudes mais coerentes com o seu pensamento e suas convicções, compartilhando os sentimentos de forma verdadeira. Maria Tatar (2004) assevera, em sua obra sobre Contos de fadas que, as narrativas procuravam transmitir, além de uma moralidade ingênua que recompensa o bom comportamento, uma trama que leva o leitor a refletir sobre seus atos. Não há dúvidas de que o fundamento de toda a virtude está na capacidade de renúncia, quando não se consegue justificar os atos através da razão. Por isso, a educação deve propiciar ao aluno a aquisição de conhecimentos que melhor se adaptem ao desenvolvimento intelectual e social em todos os aspectos para adequá-lo plenamente na sua atuação na sociedade. A compreensão da realidade pode ser considerada uma forma de conhecimento na qual todo ato humano estará fundamentado em determinados valores e interesses. O ser humano é capaz de planejar as ações, escolhê-las e julgá-las para, posteriormente, controlá-las eticamente. Tem-se passado os mesmos códigos morais de geração em geração, na tentativa de se garantir a integridade e a continuidade social na formação do caráter. Há valores que são mutáveis, transitórios e efêmeros. O desvalor não o elimina, apenas o transforma em um valor negativo. De acordo com a teoria neokantiana, todo “deve-ser” funda-se num valor que, por sua vez, se fundamenta no dever. Vânia Dohme, em seu trabalho literário sobre as Técnicas de contar histórias salienta que “os valores são os fundamentos universais que regem a conduta humana. São elementos essenciais para se viver em constante evolução, baseados no autoconhecimento em direção a uma vida construtiva, satisfatória, em harmonia e cooperação com os demais” (2000, p. 22). Somente com uma postura ética o homem conseguirá refletir sobre o sentido e o alcance de seu comportamento e será capaz de indagar a essência de seus valores. Johannes Hessen argumenta que:
  • 32. todo aquele que conhece os verdadeiros valores e, acima de todos, os do bem, e que possuir clara consciência valorativa, não só irá realizar o sentido da vida geral, como saberá ainda achar sempre a melhor decisão a tomar em todas as situações concretas (1967, p. 23). Os critérios de valoração só serão conhecidos a partir do momento em que for conhecida a essência humana, ou seja, o caráter e o comportamento frente às situações de vida. Uma vivência, uma consciência, uma qualidade, um modo de ser ou uma idéia podem indicar um valor. Os valores se apresentam dentro de uma hierarquia e polarização, não deixando de existir uma íntima ligação entre o mundo do ser e o mundo do valor. Para Onofre de Arruda Penteado Júnior, “os cidadãos devem ser preparados para o exercício do pensar, do assumir responsabilidades, do inquirir sobre problemas e dificuldades, do duvidar e aprender a resolver situações problemáticas, sejam elas quais forem” (1957, p. 114). Todo pensamento humano está condicionado pela linguagem imposta de fora, seguindo as tradições, os hábitos, as formas de comportamento de determinada sociedade, entre outros fatores. Se o homem não for capaz de conhecer a si próprio e a sociedade da qual faz parte, sua liberdade esbarrará na falta de capacidade de ação para buscar melhores resultados para si e para os demais. Os contos de fadas atravessaram séculos e gerações encantando e ensinando os valores morais às crianças e aos adultos. A magia não está somente nos enredos cheios de suspense e finais felizes, mas também no modo como eles foram construídos. A Literatura Infantil é o espaço privilegiado para o nascimento do sujeito e daquilo que o constitui. “Não somente porque se faz da palavra, mas principalmente porque se expressa plenamente pelo seu estado de virtualidade, portanto de devir, de um poder vir-a-ser” (CAVALCANTI, 2002, p. 35). O simbólico apresentado no manuscrito infantil está representado dentro de um jogo entre o ser e o não ser. Os trabalhos literários voltados para as crianças têm um campo aberto, onde seus textos repousam sobre considerações vagas, provocadas pelo desejo do leitor. Joana Cavalcanti apresenta a seguinte consideração sobre os Caminhos da literatura infantil e juvenil:
  • 33. A imagem que nos salta aos olhos pelo mundo incomensurável da Literatura, também nos proporciona uma capacidade afetiva de ver/sentir a realidade de maneira mais abrangente e sensível. O literário não apenas diz do outro, mas do outro em nós. Então, o processo de leitura acontece dentro de um sentido de busca e reflexão, no qual ler significa questionar o mundo e deixar-se questionar por ele. Ler sempre significou uma relação de troca com o universo, pois à medida que nos tornamos leitores também nos tornamos capazes de ressignificar à realidade de maneira mais inteira, ampla e reflexiva (2002, p. 36-37). O texto literário não somente é uma translação do real, mas também uma captura da intimidade do cerne humano. O homem torna-se sujeito da linguagem, transgredindo o simbólico e transformando-o em cultura. Cria mitos e símbolos por meio de sua estruturação e representa-os através do seu desejo. Assim, a literatura serve como um ponto mágico de representação das histórias de vida que vão se entrecruzando com as histórias coletivas e narradas pela humanidade. O discurso literário é o fio condutor para a construção de um sujeito mais consciente da sua condição cristalina e sensível ao seu desejo na busca da trajetória de contemplação de si próprio e do outro. Por isso, toda narrativa sempre irá contar e relatar o desejo do ser humano e de sua busca constante nas três dimensões: o eu, o outro e o mundo. A Literatura é para a criança o espaço fantástico de expansão do seu ser, do exercício pleno da capacidade simbólica, do maravilhoso e do poético. A primeira transformação no desenvolvimento da criança é aprender a andar, levando-a a uma enorme mudança na percepção de mundo. Com certeza, a segunda grande transformação talvez seja justamente a entrada no mundo das palavras. Mas a entrada no mundo das palavras abre dentro da criança símbolos que se apresentam de maneira misteriosa, dependendo da forma como forem apresentados e estimulados. A entrada no mundo das palavras revela o grande desafio da vida, que é aprender a escolher: o que deseja, o que escuta, o que aprender, o que memorizar e dar sentido à sua existência. Por isso, as crianças precisam ser estimuladas para o mundo da fantasia, para a convivência com o seu mundo interior, no qual guardam segredos, medos, anseios, desejos. O texto literário tem a possibilidade de ultrapassar os limites do olhar imediato e desdobrar-se no prazer de convidar o leitor a desconstruir a realidade pronta e estabelecida, a fim de reorganizá-la dentro de metáforas, dentro de uma dimensão estética máxima.
  • 34. A Literatura Infantil tem suas raízes históricas na tradição oral, portanto a oralidade é de grande importância no mundo da leitura/palavra para a criança. Mas, também é importante que a criança perceba que a narrativa oral tem sua representação na escrita em diferentes formas de expressão. Assim, a escola passa a assumir um novo papel: de introduzir novos conceitos de leitura e leitor. A escola passa a formar pessoas, construindo suas identidades culturais, desenvolvendo olhares diferentes de cidadania e de cooperação, desenvolvendo diferentes visões de mundo ampliadas. A educação estética começa no berço [...] o contato com a arte, de maneira geral, amplia o sentido das coisas e gera uma visão de mundo mais abrangente. A convivência com as músicas, com o folclore, com os contos e as lendas redimensiona a realidade e estimula a criança no sentido de propor novas possibilidades de olhar para si e para o outro (CAVALCANTI, 2002, p. 75). A tarefa da escola é a de formar leitores capazes de desenvolver um olhar consciente e transformador da realidade. Leitores simbólicos de uma realidade em que as pessoas não dispõem de tempo para a reflexão, e as mensagens devem surgir dentro de um padrão de imagem que desbloqueie o leitor para múltiplos referenciais, embora toda informação deva ser elaborada do ponto de vista conceitual. Os trabalhos literários devem provocar, remexer e desconstruir o já estabelecido para criar novas ordens. A formação de leitores dentro do espaço escolar torna-se um grande desafio! Como formar leitores críticos se a educação continua apresentando repetições, valores estanques e padrões de comportamento retrógrados? Como ensinar a criança a ler um texto, desmontá-lo para reencontá-lo em outra leitura? A Literatura não deve ter o papel de educar ou servir aos contextos de interdisciplinaridade escolar. A experiência simbólica experimentada no texto literário deve provocar entusiasmo e prazer pela leitura em si, deve revelar o homem para si mesmo, em toda a sua dimensão e amplitude: dor e amor. O grande desafio educacional do século XXI está em resgatar o prazer e o divertimento da Literatura. Enquanto continuar a existir narrativas onde impere posturas de imposição e julgamento e continuar sendo avaliada a capacidade de
  • 35. leitura, a Literatura perderá seu valor! Avaliar, sim! Mas, avaliar sem cobrar, sem impor. A escola atual deve estar determinada a resgatar a cultura popular, a criar espaços para a experiência lúdica e discussões interculturais e intersemióticas. A escola do século XXI deve educar integralmente. Isto significa educar para diversos fins, atendendo às demandas familiares, sociais, culturais, ideológicas, enfim: “educar hoje parece fazer subentender globalizar, enquadrar tudo numa mesma dimensão para ser liquidificado com o mesmo propósito” (CAVALCANTI, 2002, p. 78). E é na escola que se produz a leitura, que se desenvolvem as potencialidades do futuro leitor. A escola não tem que se preparar para fazer parte da Literatura com a finalidade de reproduzir padrões e valores da ideologia dominante . Pelo contrário, deve libertar a capacidade que o ser humano tem de colocar em prática seus ideais para transformar e renovar seus valores. Na prática, observa-se que os textos literários, apresentados nos livros didáticos, são muitas das vezes incoerentes e expõem apenas fragmentos ou readaptações das obras de grandes autores, onde geralmente leva os leitores a responderem apenas algumas questões de interpretação e gramática. Não basta que a escola promova o lúdico, a brincadeira e a leitura dentro de um clima de prazer. É fundamental que aprender a ler e a gostar de ler tenha um sentido na vida de cada um. Que o leitor sinta identificado com o lido, que possa exercitar-se numa aprendizagem importante sobre o mundo, as pessoas, a natureza, as lutas, a dor e o amor (CAVALCANTI, 2002, p. 79). Não há receitas mágicas para que a mudança ocorra de forma significativa dentro do ambiente escolar, pois isto implica em diversas mudanças e rupturas com os padrões já estabelecidos e cristalizados pela humanidade. O espaço escolar deve ser reconstruído dentro de uma postura provocadora e estimulante. O ambiente escolar deve promover a criatividade, estimular a capacidade de sentir e refletir, produzir saber e conhecimento que sirvam à organização de uma sociedade mais equilibrada. A instituição escolar nunca deverá esquecer-se que as crianças gostam de ouvir e ler histórias, o que lhes falta é estabelecer uma relação prazerosa com o
  • 36. texto literário. Por isso, o professor tem que estar sensibilizado com o universo das narrativas, e em especial, das narrativas infantis. O acesso ao mundo da leitura e seus mais diversificados meios deve ser direito de todos, pois ler é uma capacidade inerente a todo ser humano. O professor precisa estimular e enriquecer a emoção, o hábito e o gosto pela leitura. A escola tem o dever de promover a mudança e a liberdade de expressão, de despertar, no aluno, o prazer estético, o gosto pela leitura, de criar espaços para a valorização do lúdico, enfim, deve valorizar um novo “olhar” sobre o mundo. Joana Cavalcanti (2002) salienta que, se deve acreditar e ter esperança de que a escola pode ser, na atualidade, o melhor espaço para que ocorra uma revolução cultural, de idéias e valores. Somente quando os professores acreditarem que a leitura é a janela que se abre para reconhecer os infinitos mundos é que o espaço escolar fará parte do mundo da leitura. Há vários caminhos para o espaço escolar atravessar neste novo milênio, mas a formação para a leitura deve ser algo compartilhado com o desenvolvimento da sensibilidade e da promoção da dignidade o sujeito. O professor jamais deverá esquecer-se que a Literatura apresenta uma capacidade intensa de despertar imagens; por isso, ler deve acontecer de forma integrada entre o ver, o ouvir e o sentir. O mais importante é nunca perder de vista o objetivo central de toda a leitura: despertar o prazer e a consciência da leitura na vida de cada ser humano. Todo professor também é um mago, uma fada que deverá sensibilizar o seu aluno para a leitura, nunca deixando de levá-lo a sentir a tradição e a cultura das histórias narradas pela humanidade.
  • 37. 3 CHAPEUZINHO VERMELHO EM PERRAULT E GRIMM Os livros infantis são verdadeiras fontes de reflexões; além de serem vistos como mero entretenimento infantil, eles são um grande reservatório de novas descobertas e de experiência de vida. A Literatura Infantil estimula um poder mágico que existe dentro de todo ser humano: o conhecimento, visto que o homem sempre tentou reencontrar o sentido da vida e responder a questões sobre sua própria existência. Os contos de fadas fazem parte dos livros considerados eternos e deixaram de ser ostentados como instrumento de distração das crianças passando a serem decifrados como autênticas fontes de conhecimento do homem e de seu lugar no mundo. Nelly Novaes Coelho afirma em sua obra O conto de fadas que, “ [...] a ciência está sendo levada a reconsiderar o sobrenatural, a aceitar o mistério, a buscar um novo sentido para a transcendência e remodelar a face do próprio Deus” (2003, p. 16). As narrativas modelam códigos de comportamento e trajetórias de desenvolvimento, ao mesmo tempo em que fornecem termos que levam o ser humano a pensar sobre o que acontece no mundo. De acordo com Maria Tatar (2004) os contos de fadas revelam às crianças o que elas inconscientemente sabem, ou seja, que a natureza humana não é inatamente boa, que o conflito é real, que a vida é severa antes de ser feliz, tranqüilizando-as com relação a seus próprios medos e ao seu próprio senso de individualidade. Tão remoto quanto a origem da humanidade, o hábito de ouvir e contar histórias não é apenas hábito que os homens foram desenvolvendo ao longo de sua existência. A mulher sempre teve um papel de destaque nas narrativas infantis, seja como personagem, como fada ou como bruxa, ou simplesmente, como mãe, avó, madrasta, tia ou ama, que embalava as narrativas populares transmitidas de gerações em gerações para as crianças, enquanto fiavam e teciam as lãs. As histórias infantis também preenchem e continuarão a ocupar funções importantes na vida dos adultos, pois ajudam a imaginar uma outra solução para os problemas encontrados no seu cotidiano. Em geral, simbolizam a arte feminina de lidar com a narrativa, ao mesmo tempo, que ensina uma forma de usar a malícia na luta contra o poder masculino. Ao tratar das fragilidades humanas, os narradores
  • 38. usam da fantasia para trazer à tona os problemas que os adultos enfrentam repetidamente. Como relata Bruno Bettelheim em seu livro A psicanálise dos contos de fada, “apenas na idade adulta podemos obter uma compreensão inteligente do significado da própria existência neste mundo a partir da própria experiência nele vivida” (1980, p.11). O pior erro que um livro infantil pode apresentar é induzir a criança na aquisição de uma experiência literária, ou seja, o acesso ao significado mais profundo daquilo que é realmente representativo para ela. A criança necessita de uma educação moral, não através de conceitos abstratos, mas sutilmente, conduzindo-a a direcionar seus atos dentro de comportamentos morais corretos. O homem moderno se encanta, até os dias atuais, com as narrativas infantis da Antigüidade e tem se dedicado a estudá-las, em buscar os seus significados mais profundos. Isto ocorre devido ao fato das histórias, os contos de fada, serem resquícios da tradição mitológica, e os mitos se originaram dos rituais praticados nas tribos primitivas. Foram nessas comunidades primitivas que surgiram as primeiras idéias sobre o ‘poder divino’, ou seja, a força da mulher. Por esses e por outros motivos, a mulher sempre desempenhou o papel principal nas narrativas populares, como princesas, fadas, bruxas ou camponesas que representavam muitas das vezes a mulher proveniente de Deus, sublime, perfeita, encantadora ou sobrenatural. E o papel do narrador destes contos sempre esteve ligado à figura feminina, pois era a mulher que fiava e tecia tanto o tecido das roupas como as narrativas folclóricas. Mariza Mendes, em sua obra intitulada Em busca dos contos perdidos, apresenta a seguinte afirmativa sobre a herança cultural dos contos e o significado das funções femininas nos contos de Perrault: Um dos primeiros estudos científicos sobre os contos populares a merecer respeito e prestígio internacional foi o de Vladimir Propp (1984) que, na década de 1920 na Rússia, dedicou-se à análise estrutural de cem narrativas contidas na mais conhecida coletânea de contos populares. Tendo chegado, pelo método estruturalista, à surpreendente conclusão de que todas as histórias tinham a mesma seqüência de ações ou funções narrativas, Propp formula, ao fim de seu trabalho, uma instigante pergunta: teriam os contos folclóricos uma origem comum, uma única fonte de onde todos teriam surgido, apesar dos diferentes temas e diferentes versões? (2000, p. 23).
  • 39. O resultado desta pesquisa, ressalta Mendes, foi a descoberta das práticas fundamentadas na estrutura dos povos primitivos, destacando-se os ritos de iniciação sexual e as representações de vida após a morte. Por isso, as narrativas relatam fatos de crianças perdidas no bosque, dos heróis perseguidos e ajudados pela magia, dos lugares proibidos e outros elementos do mesmo tipo. Nas séries de fenômenos que se sucedem nas histórias, a exposição da morte nos contos retrata o nascimento e renascimento milagroso dos seus personagens. Esta seqüência de ações na estrutura narrativa do conto era a mesma apresentada nas provas por que passava o iniciante ou o morto, nos rituais realizados pelos povos primitivos. O modo como os rituais eram realizados para os indivíduos recentemente convertidos e os sentidos das práticas a que eram submetidos eram um segredo entre ambas as partes. Essas narrações foram sendo transformadas nos mitos das sociedades tribais e transmitidas como preciosos tesouros nos contos de fadas. O homem moderno continua com sua mente focada na crença em deuses, forças mágicas, em espíritos do bem e do mal, para poder explicar o que acontece a cada um em particular e a todos em geral. Com o passar dos séculos, os mitos foram sendo narrados em ambientes comuns e entre pessoas, sem nenhuma identificação com os rituais sagrados e se tornaram histórias de entretenimento e perderam o seu significado originário. Mendes apresenta o seguinte argumento sobre o significado dos contos infantis escritos por Charles Perrault: Essa origem comum dos contos e mitos explica ainda a semelhança entre sua estrutura narrativa e a de outras formas artísticas surgidas posteriormente, como lendas heróicas e as epopéias. Assim, a cultura folclórica, nascida em uma comunidade sem classes, vem a ser, a partir do feudalismo, propriedade da classe dominante. Esse fenômeno pode explicar, finalmente, o uso ideológico que se faz dos contos de fada, desde a instalação do sistema educacional burguês até hoje (2000, p. 26). Para muitos estudiosos, as narrativas populares apresentam um esquema básico da vida humana, com todas as etapas a serem vencidas da infância até a fase adulta. Os contos de fadas fazem parte das obras literárias que os séculos não conseguem destruir e que, a cada geração são novamente reescritos e voltam a encantar leitores de todas as idades.
  • 40. Originalmente, as histórias eram utilizados como uma forma de divertir os adultos em salas de fiar, nos campos e em reuniões sociais nos salões parienses para a elite considerada culta, onde eram dramatizados. Já no século XVII, as narrativas faladas se transformaram em Literatura Infantil, com a publicação, na França, da obra Contes de ma mère l’Oye - Contos da Mãe Gansa - (1697) por Charles Perrault, o qual continha oito histórias recolhidas da memória do povo: A Bela Adormecida no Bosque, Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul, O Gato de Botas, As Fadas, Cinderela ou A Gata Borralheira, Henrique do Topete e o Pequeno Polegar. Os contos foram apresentados em versos e Perrault atribuiu a autoria a seu filho Pierre Darmancourt, que ofereceu esses contos à Infanta, neta do rei Sol, considerado o maior monarca absolutista da França, resguardando-se de possíveis críticas e evitando infringir o contrato de comunicação literária da época. Charles Perrault se destacou politicamente ao lado de Colbert tornando-se superintendente de construções do Rei Luís XIV. Em segunda publicação, Perrault acrescentou também os contos A Pele de Asno, Grisélidis e Desejos Ridículos. Para melhor nos situarmos no tempo do surgimento desses contos, é interessante lembrar que a França dessa época (século XVII) vivia um esplêndido momento de progresso e transformações político-culturais, enquanto o Brasil era ainda uma simples colônia, culturalmente atrasada e continuamente disputada pelos holandeses, franceses e outros, atraídos por nossas riquezas naturais: cana-de-açúcar, pau-brasil, ouro etc. Graças às sucessivas vitórias dos portugueses contra os invasores, hoje somos uma nação unificada por uma língua comum, a portuguesa [...] (COELHO, 2003, p. 22). O gênero Literatura Infantil nasceu com Charles Perrault. Mas somente no século XVIII, na Alemanha, os Irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm), a partir de suas pesquisas lingüísticas, constituíram definitivamente sua expansão pela Europa e Américas. Os Irmãos Grimm eram participantes do Círculo Intelectual de Heidelberg. Eles eram estudiosos da crítica textual, da mitologia germânica, folcloristas e se empenharam na busca das transformações lingüísticas, das antigas narrativas, lendas e sagas que permaneciam vivas e eram transmitidas de geração em geração pela tradição oral.
  • 41. O conto “Chapeuzinho Vermelho” é íntimo e pessoal, relata a busca do poder e de privilégios e o mais importante: de um caminho para sair da floresta e voltar com proteção e segurança para casa. Tatar (2004) assevera que o conto continua a proporcionar a oportunidade para pensar sobre as angústias e os desejos “a que dão forma, para refletir sobre os valores condensados na narrativa e discuti-los, e para contemplar os perigos e possibilidades reveladas pela história” (p. 12). O conto de fadas é orientador para o futuro e ampara a criança no abandono de seus desejos de dependência infantil e na busca satisfatória de uma existência afetiva, social e moral. Na versão do conto “Chapeuzinho Vermelho” apresentada por Perrault, há a tentativa de amedrontar a criança, para que ela tenha um comportamento correto, esquecendo-se de aliviá-la da ansiedade de ver o lobo vencer. Já os Irmãos Grimm trataram ambas as questões, ou seja, a busca pela maturidade moral e a superação da apreensão no final do conto quando a avó e a menina são salvas e o lobo morre. Nelly Novaes Coelho (2003) relata que a adaptação dos contos infantis escritos pelos Irmãos Grimm tiveram o testemunho de uma velha camponesa Katherina Wieckmann e da descendente de franceses Jeannette Hassenpflug. Os diversos textos selecionados entre centenas que existiam na memória do povo, serviram para seus estudos lingüísticos e formaram a primeira Coletânea da Literatura Clássica Infantil, sendo os mais conhecidos: A Bela Adormecida, Branca de neve e os Sete Anões, Chapeuzinho Vermelho, A Gata Borralheira, O Ganso de Ouro, Os Sete Corvos, Os Músicos de Bremem, A Guardadora de Gansos, Joãozinho e Maria, O Pequeno Polegar, As Três Fiandeiras, O Príncipe e o Sapo entre outros. Inicialmente, suas histórias foram publicadas avulsamente entre 1812 e 1822, sendo reunidas mais tarde em um volume intitulado: Contos de Fadas para Crianças e Adultos, e conhecido nos dias atuais como Contos de Grimm. Na segunda edição, os Irmãos Grimm sob forte influência cristã que se fortalecia no período romântico, retiraram episódios de demasiada violência ou maldade de seus contos, principalmente daqueles que eram praticados contra crianças. O sucesso desses contos abriu caminho para a criação do gênero: Literatura Infantil.
  • 42. A partir do século XVIII, graças ao processo dos estudos de Arqueologia, puderam ser provadas, como verdadeiras, histórias e lendas até então tidas como inventadas ou fantasiosas, mas que realmente haviam acontecido em tempos remotos. No século XIX, a partir das escavações na Itália, são descobertas as cidades de Herculano e de Pompéia, que, no início de nossa era (ano 79), haviam sido soterradas totalmente pelo vulcão Vesúvio. Logo depois, os arqueólogos descobriram a cidade de Tróia, destruída pelos gregos, em 1200 a. C – guerra que é tema do poema épico Ilíada, de Homero, livro-fonte de nossa civilização ocidental. Decifraram-se os hieróglifos egípcios, criados também milênios antes de Cristo. No rastro dessas descobertas, surgem também as escavações na memória popular nacional; difundem-se as pesquisas das narrativas populares e folclóricas por toda a Europa e pelas Américas, com base nas quais cada nação empenhava-se em descobrir suas verdadeiras raízes nacionais (COELHO, 2003. p. 29). Houve o empenho dos estudiosos durante anos em rastrear os possíveis caminhos seguidos pelas narrativas situadas entre o século IX e o século XVI. Anterior a essas fontes foi encontrado um papiro no século XIX, pela egiptóloga Mrs. D’Orbeney, em suas escavações realizadas na Itália, um manuscrito egípcio calculado em seus estudos com aproximadamente 3.200 anos, sendo, portanto, considerado o mais antigo manuscrito encontrado. O princípio interdisciplinar da investigação literária cria novas possibilidades de leitura de um texto, como afirma Thereza Domingues em O múltiplo Vieira: representam o questionamento sobre os métodos críticos em vigor até há pouco e manifestam ainda uma inquietação geral sobre os resultados dessa crítica [...]. Apontam não só para a possibilidade quando para a necessidade de uma análise mais abrangente da obra literária” (2001, p. 20). As diversas fontes, levadas através dos tempos, para as mais diferentes regiões pelos peregrinos, viajantes e invasores misturaram-se umas às outras e criaram as mais diferentes narrativas clássicas e do folclore de cada nação. O texto literário só passou a existir após sua recriação numa leitura particular.
  • 43. 3.1 A INTERTEXTUALIDADE NO CONTO A linguagem simbólica é incerta, pois não apresenta uma única forma de apresentação. Sua constituição depende não só da intencionalidade e visão de mundo daquele que cria ou imagina, como também daquele que ouve ou lê e a interpreta. O tônus dado às narrativas infantis visava conscientizar o leitor quanto às injustiças que predominavam na vida cotidiana. Nelly Novaes Coelho em sua obra O conto de fadas, apresenta a seguinte afirmativa: É o despertar da mente dos homens que leva à sua libertação interior e à conseqüente descoberta da verdade última da vida, sempre oculta pela ilusão das realidades visíveis. Uma excelente lição a ser apreendida pelos homens, nestes tempos caóticos do vale-tudo e do levar vantagem (2003, p. 33). Perrault, ao publicar Contos da Mãe Gansa, redescobriu as fadas e o maravilhoso. Sua sobrinha, Mlle. L’Heéritier, publicou, posteriormente, uma coletânea de narrativas maravilhosas intitulada Obras Misturadas (1696), dando seqüência à superposição de textos apresentados pelo seu tio. Em 1698, Preschac publicou A Rainha das Fadas e, nos salões de Paris os contos maravilhosos ou contos de fadas passaram a se destacar e no ano de 1785, foram reunidos em 41 volumes, com adaptação de vários autores e a obra recebeu o nome de Gabinete de Fadas. E esta foi a última obra a marcar o final da produção literária do século XVIII. Dentro deste cenário de publicações, os contos infantis procuravam acalorar a vitalidade rude e a violência instintiva dos séculos medievais. Com a força do Cristianismo como instrumento civilizador, tornou-se fácil compreender o caráter moralizante, didático e sentencioso que marcou a maior parte das narrativas que surgiram neste período:
  • 44. não é fácil imaginarmos o que terá sido a violência do convívio humano nesse período medieval, quando forças selvagens opostas e poderosas se chocam, lutando pelo poder. Marcas dessa violência ficaram impressas em muitas das narrativas maravilhosas que nasceram nessa época. Nos contos populares medievais, o mundo feudal está representado em toda crueza (COELHO, 2003, p. 38-39). A violência e a crueldade dos contos apresentados e adaptados por Charles Perrault e pelos Irmãos Grimm foram abrandadas, ou seja, eles procuraram limpar as impurezas que continham uma grande carga de violência dos textos primitivos. As pesquisas chegaram às principais fontes desses contos, cuja primeira coletânea foi a de Perrault, no século XVIII. De acordo com os estudos apresentados por Coelho, “Chapeuzinho Vermelho” é de origem incerta. O tema é antiqüíssimo e aparece em vários folclores. “Sua célula originária estaria no mito grego de Cronos, que engole os filhos, os quais de modo miraculoso conseguem sair de seu estômago e o encher de pedras” (2003, p. 39), este foi exatamente o mesmo final escolhido pelos Irmãos Grimm. O mesmo enfoque também é apresentado em uma fábula latina do século XI, Fecunda ratis, que apresenta a estória de uma menina de capuz vermelho, sendo devorada pelos lobos e escapando milagrosamente da barriga do lobo e enchendo-a com pedras. Com a circulação e a produção intelectual dos textos da Antigüidade Clássica é de compreender as alterações ocorridas, tornando-os algumas vezes, irreconhecíveis. O discurso intertextual avança captando ou subvertendo outro texto, mostra-o, mas não o demarca, assimila-o para confirmá-lo ou para opor-se a ele. Como testemunha Thereza Domingues, “a intertextualidade significa a passagem de um sistema de signos a outro, ou a presença de vários textos literários num texto, que com eles entra em diálogo retomando-os ou contestando-os” (2001, p. 16).A passagem do real para o imaginário não se faz da noite para o dia. Da existência histórica dos celtas para o surgimento dos romances e narrativas maravilhosas dos bretões (células primeiras dos contos de fadas), houve longo tempo, durante o qual atuou a tendência para a fantasia e para o mistério, característica do espírito céltico (COELHO, 2003, p. 53).
  • 45. Entre as descobertas feitas, uma das mais importantes foi a atuação dos celtas na execução de narrativas envolvendo o espírito mágico, as fadas e a alma observadora dos povos primitivos que perduraram através dos séculos. As primeiras pesquisas arqueológicas que surgiram no século XIX atribuíram aos celtas praticamente todos os vestígios culturais anteriores à cultura romana. Como todo povo da Antigüidade, os celtas também se dividiam em tribos ou clãs. Tinham uma vida simples e eram leais a sua própria cultura e as suas crenças religiosas. Honravam os heróis e explicavam os acontecimentos pela vontade dos deuses, aos quais ofereciam vidas humanas. Isso se devia ao fato dos celtas acreditarem na imortalidade corporal e na existência de outra vida. Os celtas não chegaram a formar uma nação, com exceção dos celtas oriundos da Irlanda que formaram um pequeno povoado, mantiveram sua língua e nunca travaram guerras. Os demais povos indo-germânicos mantiveram sua unidade como povo graças ao princípio transcendental em que fundavam a sua cultura. Devido à sua natureza espiritual, ligada aos mistérios, a religiosidade celta preparou o terreno para a entrada do Cristianismo. Assim, quando Perrault começou a resgatar a literatura guardada na memória popular, “sua intenção não era escrever contos para crianças. Seu principal alvo era valorizar o gênio moderno (francês) em relação ao gênio antigo (dos gregos e romanos), então consagrado pela cultura oficial européia como modelo superior” (COELHO, 2003, p. 75). Perrault era um excelente tradutor, poeta, membro da Academia Francesa de Letras e ativo advogado do ministro Colbert. Participou ativamente do declínio da era clássica contra a postura de Racine, Boileau, La Fontaine e outros. Ele foi o precursor do rompimento dos antigos valores clássicos latinos com os modernos franceses, ou seja, reagiu contra a autoridade absoluta dos clássicos latinos, cuja arte havia se transformado em modelo exclusivo para a criação literária e artística desde o Renascimento e que já durava por mais de dois séculos. Foi no âmbito dessa polêmica que Perrault se empenhou em resgatar a literatura folclórica francesa preservada do esquecimento da memória popular. Recusou a mitologia clássica pagã e defendeu a maravilhosa cristã, repeliu a superioridade do latim sobre a língua francesa. Somente após a publicação de seu terceiro livro (1696) – A Pele de Asno, que Perrault redescobriu a narrativa popular maravilhosa com o duplo intuito de “provar a equivalência de valores ou de sabedoria entre antigos grego-latinos e os antigos nacionais, e, com esse material
  • 46. redescoberto, divertir as crianças, principalmente, as meninas, orientando sua formação moral” (COELHO, 2003, p. 77). A época de Charles Perrault foi marcada pelo confronto entre o Racionalismo, que tentava imprimir uma nova ordem à vida e à sociedade, e o imaginário que permeava a literatura fantasiosa. O conto “Chapeuzinho Vermelho” é uma mistura da problemática social e existencial da época. É considerado um conto de encantamento, trata ao mesmo tempo de questões sobre a riqueza, a conquista de poder e a satisfação do corpo que estão ligados basicamente ao interior do homem e a sua busca por intermédio do amor. Mariza Mendes ressalta, em seus estudos sobre o significado das funções femininas nos contos de Perrault, Em busca dos contos perdidos que: porque os seres humanos sempre tiveram mãe, a criança já nasce com a capacidade de reconhecer a figura materna e de reagir à sua presença. Essa capacidade é a realização de uma potencialidade herdada, ou seja, é o fruto das experiências passadas da raça humana (2000, p. 35). Para melhor compreender a natureza da Literatura Infantil é preciso entender a natureza dos mitos, dos modelos de pensamento e de ação preexistentes na alma humana, os arquétipos. Os mitos nascem no espaço sobrenatural dos deuses, na esfera do sagrado, os arquétipos já correspondem à esfera humana e os símbolos pertencem à esfera da linguagem pelas quais os mitos e os arquétipos são nomeados e passam a existir como verdade a ser difundida entre os homens e transmitida através dos tempos. A criação dos mitos, para o homem primitivo, foi uma necessidade religiosa. Para o homem moderno, a interpretação de tais mitos nasceu de uma necessidade científica de buscar a raiz de cada cultura. Os mitos são narrativas primordiais que formam um universo atravessado por lendas, parábolas, apólogos entre tantos tipos de intertextos que visam mostrar as fronteiras em que vive o homem, entre o conhecido e o mistério, entre o consciente e o inconsciente. É através dos mitos, que a evolução dos arquétipos acontece e se manifesta como atitudes, idéias ou comportamentos no espaço humano. Como assevera Coelho, “é nesse reservatório espiritual, que é o inconsciente coletivo, que estão os
  • 47. motivos ou arquétipos que vivem nos contos de fadas, nos romances maravilhosos, nas novelas de cavalaria, nas lendas” (2003, p. 92). Os modelos das personagens criadas nas narrativas infantis foram a maneira pela qual o pensamento e o comportamento se transformaram em um símbolo das experiências humanas básicas e desejáveis no seio da sociedade da época. Todas essas imagens e figuras geradas a partir do inconsciente coletivo estão nos mitos e nos contos de fada, e embora sejam percebidas racionalmente, elas continuam a conservar e transmitir por séculos e séculos, a estrutura primeira das narrativas folclóricas. Foi através da transferência dos mitos e dos arquétipos em linguagem simbólica que os símbolos passaram a se expressar e tornarem-se comunicáveis, pois sem esta metamorfose não existiriam as narrativas maravilhosas. Assim, a sabedoria de vida contida dentro dos contos pôde ser difundida por todo o mundo e continua originando a verdadeira literatura por intermédio de novas linguagens simbólicas. Norma Discini expõe sobre a Intertextualidade e conto maravilhoso, afirmando que “a prática da intertextualidade, vista, portanto, como uma prática da ambivalência, ou da instabilidade do discurso, aponta-nos para modalidades de variantes que respondem de maneira diversa a um querer-fazer-crer do texto-base” (2001, p. 27). Dentro desta ótica, a narrativa de Perrault sobre o conto “Chapeuzinho Vermelho” é o ponto de referência intertextual e está na raiz da cadeia do diálogo entre os demais textos. A superposição de um texto sobre o outro pode provocar certa atualização ou modernização do primeiro texto-base. Cada texto constitui uma proposta de significação que não está inteiramente construída. A significação se dá no jogo de olhares entre o texto e seu leitor. Todas as variantes intertextuais assimiladas a partir do texto-base procuram confirmá-lo ou confrontar-se com ele. Se o confirmam, apresentam com o texto-base uma relação de implicação e de complementaridade. Se o confrontam, apresentam uma relação de oposição e de contrariedade ou contraditoridade. O conto “Chapeuzinho Vermelho”, dos Irmãos Grimm, é uma adaptação do texto-base apresentado por Charles Perrault. Na prática, a intertextualidade entre o texto-base, escrito por Charles Perrault, e sua variante escrita pelos Irmãos Grimm, deve respeitar a mesma organização de