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1 
Universidade Federal de Santa Maria 
Centro de Ciências Sociais e Humanas 
Programa de Pós-Graduação em Comunicação 
USOS E APROPRIAÇÕES DO CELULAR POR JOVENS DE CLASSE POPULAR 
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO 
Flora Ardenghi Dutra 
Santa Maria, RS, Brasil. 
2014
2 
USOS E APROPRIAÇÕES DO CELULAR POR JOVENS DE CLASSE POPULAR 
Flora Ardenghi Dutra 
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Área de Concentração em Comunicação Midiática, Linha de pesquisa de Mídia e Identidades Contemporâneas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS) 
como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Comunicação. 
Orientadora: Profª. Drª. Veneza Veloso Mayora Ronsini 
Santa Maria, RS, Brasil. 
2014
3 
Universidade Federal de Santa Maria 
Centro de Ciências Sociais e Humanas 
Programa de Pós-Graduação em Comunicação 
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, 
aprova a Dissertação de Mestrado 
USOS E APROPRIAÇÕES DO CELULAR POR JOVENS DE CLASSE POPULAR 
Elaborada por 
Flora Ardenghi Dutra 
Como requisito parcial para obtenção do grau de 
Mestre em Comunicação 
COMISSÃO EXAMINADORA: 
______________________________________ 
Veneza Veloso Mayora Ronsini, Drª. (UFSM) 
(Presidente/Orientadora) 
_____________________________________ 
Everardo Rocha, Dr. (PUC-RJ) 
______________________________________ 
Sandra Rúbia da Silva, Drª. (UFSM) 
Santa Maria, 27 de maio de 2014.
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“Não há nada que não se consiga com a força de vontade, a bondade e, principalmente, com o amor”. Marco Túlio Cícero 
“Eu acho importante compartilhar as minhas fotos para as outras pessoas saberem que eu existo”. Alice, 17 anos
6 
Agradecimentos 
Ao concluir esta dissertação, desejo expressar meus sinceros agradecimentos àqueles que me auxiliaram nesta tarefa. 
Em primeiro lugar, agradeço à minha família, pois, sem sua ajuda, este trabalho não seria possível, e também por tudo o que fizeram por mim até hoje: à minha avó Maria, que desde sempre acreditou nos meus estudos; a meus pais, que nunca desistiram de acreditar no meu sonho em ser professora e aos meus irmãos, pelo apoio nesta longa jornada iniciada desde a Faculdade. 
Ao filósofo que me acompanha nas lutas diárias da vida, meu amor, Paulo Henrique, obrigada por todas as discussões acadêmicas que engrandeceram minha visão de mundo; 
À minha orientadora Veneza Ronsini, pois sem ela este estudo não teria sido possível; Aos meus amigos que, incansáveis, estiveram comigo nos momentos difíceis e nunca desistiram de proferir palavras de apoio: Grazi, Carina, Carlos, Richard, Josemar, Tauana, Sônia, Juliane; Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM, pelo aprendizado. À FAPERGS, pelo financiamento e incentivo à pesquisa; À escola onde realizei a pesquisa de campo e aos entrevistados. Aos pesquisadores internacionais que contribuíram de forma significativa em minha pesquisa, enviando-me livros de difícil acesso, críticas construtivas e apoio nessa jornada acadêmica: o filósofo francês e professor da Universidade de Grenoble, Gilles Lipovestky, pelo incentivo à docência; o sociólogo Claude Fischer, professor da Universidade de Berkeley, por enviar sua obra e pelas palavras de incentivo; a socióloga espanhola da Universidade Complutense de Madrid, Amparo Lasén, pelo interesse na pesquisa; e o professor da Universidade da Califórnia, Larry Rosen, pelo envio de sua obra como contribuição para meus estudos;
7 
Aos professores e antropólogos da minha banca de qualificação, Sandra Rúbia da Silva e Everardo Rocha, pelas considerações que me permitiram lançar um novo olhar sobre minha pesquisa; Aos meus colegas de mestrado Camila, Carline, Alisson, Janayna e João, pelas palavras, dicas, e-mails e discussões sobre nossos objetos de estudo. Aos membros do grupo de pesquisa Mídia, Recepção e Consumo Cultural, pelo apoio constante. À Sandra e ao Filipe, por todas as sugestões pertinentes nos momentos mais difíceis. 
Em memória da melhor amiga do mestrado que partiu antes desta jornada chegar ao fim: Gabriela Santos. Este trabalho é por nós, nunca me esquecerei de você, minha eterna amiga e confidente.
8 
RESUMO 
Dissertação de Mestrado 
Programa de Pós-Graduação em Comunicação 
Universidade Federal de Santa Maria 
USOS E APROPRIAÇÕES DO CELULAR POR JOVENS DE CLASSE POPULAR 
AUTORA: FLORA ARDENGHI DUTRA 
ORIENTADOR(A): VENEZA VELOSO MAYORA RONSINI 
Data e Local da Defesa: Santa Maria, 27 de maio de 2014. 
A presente pesquisa é um estudo dos usos e apropriações do telefone celular por jovens de classe popular. Procura-se identificar como os jovens da fração baixa da classe popular distinguem-se uns dos outros pelos usos do aparelho móvel no espaço escolar. A investigação enquadra-se na vertente dos Estudos Culturais, especialmente nas mediações de Martín-Barbero (2003) e na do consumo cultural de García Canclini (2010). Metodologicamente, o trabalho possui duas etapas exploratórias. Num primeiro momento, foram aplicados dois questionários, um via Facebook e outro intitulado “online”, bem como anúncios publicitários definidos com base no acervo digital da Revista Veja e de um acervo particular da Revista Superinteressante. O segundo estudo exploratório serviu para uma aproximação com o espaço escolar onde se aplicou a entrevista semiestruturada com dez estudantes. Destes, quatro serviram para compor a amostra. Na sequência, foi realizada uma etnografia no espaço escolar e no espaço doméstico com dez estudantes da Escola A, com idades entre 15 a 18 anos, residentes em Santa Maria/RS. Delimitou-se, ainda, um corpus com dez perfis dos entrevistados da rede social Facebook. A análise foi estruturada de modo a compreender como as mediações atuam na relação dos jovens com o celular. Nos resultados, analisou-se a mediação da socialidade, isto é, o uso do celular na família de classe popular e na escola; os conflitos gerados pelo seu uso nos dois espaços, bem como o celular como fator de distinção entre os estudantes. Quanto à mediação da ritualidade, observa-se o celular como organizador das práticas cotidianas. No que diz respeito à mediação da tecnicidade, observou-se uma forte presença do celular em cenas e contextos de filmes e telenovelas assistidos pelos jovens entrevistados. Essas representações são ressignificadas através da recepção transmidiática, ao produzirem conteúdo para as redes sociais. Os atores em posse do celular produzem conteúdo para as redes tanto na escola, no espaço público e no espaço doméstico. O celular acompanha os jovens desde o despertar até a hora de dormir, está presente na relação familiar e entre amigos. 
PALAVRAS-CHAVE: Celular. Classe Social. Consumo Cultural. Juventude.
9 
ABSTRACT 
Master's Dissertation 
Graduate Program in Communication 
Federal University of Santa Maria 
USES AND APPROPRIATIONS THE CELLPHONE BY YOUNG PEOPLE CLASS POPULAR 
AUTHOR: FLORA ARDENGHI DUTRA 
TUTOR: Veneza Veloso Mayora Ronsini 
Date and Local of Defense: Santa Maria , May 27, 2014 The present inquiry is a study on the uses and appropriations of cellular phones by popular class youngsters. It aims to identify how the lower fraction of popular class young people distinguishes themselves from each other through the usage of the mobile device in school environment. The inquiry is enframed in the field of cultural studies, specially in Martín- Barbero's mediations and García Canclini's cultural consumption. In terms of methodology, the work consists of two exploratory stages. In the first stage, two questionnaires were applied, one via Facebook and another named "online", as well as the definition of advertisements based upon Veja magazine's digital repository and a personal collection of Superinteressante magazine. The second exploratory stage was used as an approach to the school environment, where a semi-structured interview was applied to ten students. Out of this ten, four were selected to compose the sample. Next, an ethnographic study was performed both in school and home environments, with a group of ten subjects, students from school A, between the ages of fifteen to eighteen years old, all residing in Santa Maria/RS. There was, also, the delimitation of a corpus of ten profiles from the Facebook social network. The analysis was structured in a way that leads to the comprehension of how mediations act in regards to the relation between youngsters and cell phones. In the results, the mediation of sociality was analyzed, ergo, the use of cellular phone into the popular class family and school: the conflicts raised by its usage in both environments, as well as the cell phone as a factor of distinction between the students. As for rituality mediations, the cell phone is observed as an organizer of daily practices. In regards to technicity mediation, a strong presence of cell phones was observed in scenes and contexts of films and soap operas being watched by the interviewed youngsters. These representations are reframed trough transmediatic reception, by producing content for the social networks. The actors who possess the cell phone produce content for the networks in both school, public and domestic environments. The cell phone accompanies the youngsters from the waking up call to the time they go to bed, and is present in both family and friend relations. 
KEYWORDS: Cellular; Social Class; Cultural consumption; Youth.
10 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
Figura 01 
Primeira propaganda de celular no Brasil 
95 
Figura 02 
Principais celulares do século XX 
97 
Figura 03 
Principais celulares do século XXI 
98 
Figura 04 
Principais celulares do futuro 
100 
Figura 05 
Conteúdo gerado pelo celular para a rede social Facebook 
130 
Figura 06 
Emoticons para o celular 
131 
Figura 07 
Meme do perfil da jovem Bianca 
142 
Figura 08 
Meme do perfil da jovem Eliana 
142 
Figura 09 
Filme Tropa de Elite – Capitão Nascimento 
145 
Figura 10 
Imagem do filme O Diabo veste Prada 
146 
Figura 11 
Personagem Félix ao celular 
149 
Figura 12 
Meme da banda One Direction 
157
11 
LISTA DE TABELAS 
Tabela 01 
Modelo de tipologia em entrevista 
119 
Tabela 02 
Mediações: Tecnicidade, Ritualidade e Socialidade 
123
12 
LISTA DE GRÁFICOS 
GRÁFICO 01 
Usos do celular 
89 
GRÁFICO 02 
Significados do celular 
90 
GRÁFICO 03 
Informações acessadas pelo celular 
91
13 
SUMÁRIO 
1. 
INTRODUÇÃO 
16 
2. 
ESTUDOS CULTURAIS LATINO-AMERICANOS: CONSUMO E MEDIAÇÕES 
22 
2.1. 
Perspectivas do consumo 
27 
2.1.1. 
Consumo como distinção e comunicação por García Canclini 
34 
2.2. 
Mediações da Cultura: socialidade, ritualidade e tecnicidade 
37 
3. 
JUVENTUDE DE CLASSE POPULAR 
41 
3.1. 
Identidade juvenil de classe popular 
45 
3.2. 
Juventude do programa Bolsa Família 
49 
3.3. 
Tecnologias móveis no espaço escolar 
55 
4. 
CONSUMO DE TECNOLOGIAS MÓVEIS NA AMÉRICA LATINA 
60 
4.1. 
Estudos sobre o consumo de celular 
69 
4.2. 
As redes sociais e os aplicativos no celular 
81 
5. 
MÉTODOS DE PESQUISA 
85 
5.1. 
Estudo exploratório I 
85 
5.1.1. 
Questionário via Facebook 
86 
5.1.2. 
Questionário online 
88 
5.1.3. 
A história do celular a partir de reportagens e publicidades 
93 
5.2. 
Estudo exploratório II 
101 
5.2.1. 
Definição da amostra 
101 
5.2.2. 
Amostra 
104 
5.2.3. 
Perfil dos entrevistados 
105
14 
5.3. 
Imersão no campo 
110 
5.3.1. 
Método etnográfico 
113 
5.3.1.1. 
Observação Participante 
115 
5.3.1.2. 
Entrevista em semiestruturada em profundidade 
118 
5.4. 
Fase interpretativa: a análise dos dados 
121 
5.4.1. 
Perspectiva das mediações: socialidade, ritualidade e tecnicidade 
123 
6. 
USOS DO CELULAR POR JOVENS DE CLASSE POPULAR 
124 
6.1. 
Socialidade: família, escola e classe social 
124 
6.1.1. 
Família 
124 
6.1.2. 
Escola 
128 
6.1.3. 
Classe Social 
131 
6.2. 
Tecnicidade: as representações do celular na mídia 
139 
6.2.1. 
Transmidiação e as redes sociais 
141 
6.2.1.1. 
O celular e a produção cinematográfica 
144 
6.2.1.2. 
O celular e as telenovelas brasileiras 
148 
6.3. 
Ritualidade: uso e distinção social pelo celular pelos jovens de classe popular 
151 
6.3.1. 
Os usos do celular pelos jovens de classe popular na escola 
152 
6.3.2. 
Distinção social pelo celular 
159 
7. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
163 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
168 
APÊNDICES 
Apêndice 01 – Estudo exploratório I 
181 
Apêndice 02 – Estudo exploratório II 
183 
Apêndice 03 – Entrevista semiestruturada 
191 
Apêndice 04 – Questionário online 
195
15 
Apêndice 05 – Termo de consentimento livre e informado 
198 
Apêndice 06 – Autorização dos pais para a entrevista 
199 
ANEXOS 
200
16 
1. INTRODUÇÃO 
O Brasil encerra o ano de 2013 com 270 milhões de celulares1, ultrapassando o número de habitantes no país, pois, para cada 100 pessoas, há 135 telefones celulares. Com a disseminação da Internet, o celular geralmente vem equipado com funcionalidades que permitem ao usuário acessar a rede online a qualquer hora e em qualquer lugar, através das redes Wi-fi ou 3G/4G. Desta maneira, a conectividade tem favorecido a existência de um ambiente midiático em construção permanente, cujo cenário principal passa ser o cotidiano dos indivíduos. 
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) em 2013, o acesso à Internet por jovens entre 15 e 17 anos aumentou em 76,7% relacionado ao acesso à rede online pelo telefone móvel. A prova da inserção do celular na vida dos adolescentes é o grande número de acessos na escola e no núcleo familiar. 
As práticas sociais associadas aos telefones celulares circundam o globo em uma complexidade de apropriações que merecem ser discutidas. Pode-se verificar que os usos do celular como prática social estão sendo capturados pelas pesquisas de algumas áreas como Antropologia e Sociologia (SILVA, 2010; CASTELLS, 2007; HORST, MILLER, 2006; KATZ, AAKHUS, 2002; LASÉN, 2005; LING, 2004). 
A pesquisa justifica-se pela atualidade e importância com que os aparatos tecnológicos estão permeando as relações sociais, tornando-se indispensáveis nas interações comunicacionais e em diversas atividades humanas (despertar, cronometrar, calcular, localização geográfica, fotografar, gravar conversas, entre outros). Possuir um telefone móvel se tornou um imperativo na sociedade do consumo, tanto para comunicar- se com outras pessoas, seja através de chamadas (fala) ou SMS (mensagem de texto), seja na produção de conteúdo para as redes online. 
Sendo assim, na busca por trabalhos referentes ao telefone celular no portal de periódicos e banco de teses da CAPES e no portal de Domínio Público de teses e dissertações, observam-se poucos estudos da última década (cerca de 40). Os estudos realizados no Brasil, em sua maioria, são dissertações de mestrado nas áreas de administração, comunicação, design, psicologia, educação e informática. No contexto 
1 Estatísticas de celulares no Brasil. Disponível em <http://www.teleco.com.br/ncel.asp>.
17 
geral, as dissertações versam sobre as funcionalidades do aparelho e suas repercussões no mercado, envolvendo consumidores (jovens, adultos e idosos) e fabricantes (empresas de tecnologia móvel, designers e programadores de softwares). Nos últimos quatro anos, cinco teses nas áreas de Engenharia, Comunicação e Antropologia buscam novos olhares para o aparelho móvel, redimensionando a importância dos celulares na vida cotidiana da sociedade moderna. 
Na área da Comunicação, os trabalhos referentes ao celular discorrem sobre diferentes temas/objetos: análise semiótica das marcas das operadoras de telefonia móvel; construção audiovisual a partir da mobilidade; entretenimento online em locais públicos; readaptação do jornalismo na era móvel; funcionalidades do aparelho e significação simbólica a partir do design. Portanto, há uma lacuna de estudos empíricos acerca dos usos do celular. É ausente estudo da classe popular juvenil a partir das tecnologias móveis, suas práticas e usos. Em vista dessa realidade, esta investigação se propõe a contribuir no desenvolvimento das pesquisas sobre os usos do celular pela juventude de classe popular, em uma aproximação com o espaço escolar. 
O problema de pesquisa consiste em questionar de que modo a classe social conforma os usos do telefone móvel no cotidiano de jovens de classe popular. O eixo teórico desta pesquisa são os estudos culturais latino-americanos, mais especificamente, a perspectiva da construção de identidades contemporâneas mediadas pelos meios de comunicação (Escosteguy, 2010, p. 20). 
O objetivo geral da investigação é compreender os usos e apropriações da tecnologia móvel de celular por jovens da fração baixa de classe popular. Os objetivos específicos do estudo são: a) investigar as relações sociais dos jovens no espaço escolar mediadas pelo celular; b) descrever os usos e apropriações do celular no espaço escolar e no espaço doméstico; c) observar os conteúdos compartilhados no Facebook via celular. 
Na fase da observação, para compor a primeira amostra - a fim de avaliar o impacto do celular na cultura juvenil -, iniciou-se o primeiro estudo exploratório com vinte e cinco jovens de distintas classes, composto de um questionário com 29 questões via Facebook e um questionário online contendo 45 questões sendo aplicado em dois momentos distintos da construção da pesquisa. Além disso, foi feita uma pesquisa nos
18 
acervos das revistas Veja e Superinteressante sobre as primeiras publicidades do celular no Brasil. 
No segundo estudo exploratório, definiu-se a amostra da pesquisa e descreveu-se o perfil dos entrevistados. 
Concluídos os estudos exploratórios I e II, a seleção da amostra de dez alunos foi definida com base na manifestação do interesse de alguns em participar da pesquisa, na disposição deles em debater sobre o celular e suas representações, na família, na escola e no grupo de amigos. Cinco rapazes (Alex, Bruno, César, Diogo e Eduardo) e cinco moças2 (Alice, Bianca, Cláudia, Denise e Eliana) foram acompanhados durante três trimestres no espaço escolar, em espaços públicos e no ambiente doméstico. 
O quadro teórico de referência para interpretação dos dados empíricos baseia-se nas mediações de Martín-Barbero (2003): socialidade, ritualidade e tecnicidade, que compõem o mapa das mediações. A socialidade, gerada nas tramas das relações cotidianas (escola, família, amigos), resulta nos modos e usos coletivos de comunicação; a ritualidade manifesta-se nos diferentes usos dos meios, nas condições sociais e educacionais (consumo de telefone celular pelos jovens de classe popular); a tecnicidade diz respeito à conexão com os meios no cenário da globalização – redes sociais móveis e consumo de mídia. 
O primeiro capítulo é introdutório e apresenta a justificativa da pesquisa, os objetivos gerais e específicos, bem como o problema de pesquisa. Busca introduzir o leitor ao tema a ser apresentado nos capítulos seguintes desta dissertação. 
No capítulo 02, apresenta-se o eixo teórico que norteia esta dissertação. Parte-se dos Estudos Culturais Latino-americanos e sua perspectiva em entender a construção das identidades contemporâneas mediadas pelos meios de comunicação, especialmente o celular. 
Tendo como eixo teórico os estudos culturais latino-americanos, as perspectivas comentadas de García Canclini merecem destaque ao apontar as seis proposições acerca do consumo: a) consumo como reprodução da força do trabalho e da expansão do capital; b) consumo como apropriação dos grupos e classes sociais; c) consumo como distinção simbólica; d) consumo como comunicação; e) consumo como desejo; f) consumo como ritual. 
2 Os nomes dos entrevistados são fictícios. O colégio será denominado como Escola A para preservar o nome da instituição de ensino.
19 
Nesta dissertação, destaca-se o consumo como comunicação e como distinção simbólica. É a partir desses apontamentos que se interpreta o consumo como distinção e comunicação no capítulo empírico relacionado às categorias de análise, as quais são elaboradas a partir das mediações ritualidade, socialidade e tecnicidade. Entende-se que o consumo seja uma área ampla da pesquisa acadêmica e que, muitas vezes, os conceitos abordados por Canclini se articulam com os pensamentos de autores como Mary Douglas e Baron Isherwood (2006); Pierre Bourdieu (2007); Colin Campbell (2001); Thorstein Veblen (1983); Rocha (2005); Barbosa (2004); Slater (2001), compondo o referencial teórico sobre o consumo. 
O terceiro capítulo da dissertação é dedicado ao contexto juvenil de classe popular, buscando identificar as características individuais e coletivas no meio familiar e escolar. Mesmo que a questão de classe tenha perdido força nos embates teóricos dos estudos culturais, dando lugar às questões de gênero, de representações e de identidades, entende-se a condição de classe como um parâmetro para analisar os modos de vida dos jovens de classe popular e as distinções simbólicas dentro da fração de classe popular aqui considerada. 
Dos estudantes entrevistados, seis revelaram pertencer ao Programa Bolsa Família, por isso, uma contextualização sobre o programa de transferência de renda direta foi necessário para se entender o acesso aos bens e à educação destes jovens. Assim, as identidades dos estudantes de classe popular contextualizam as diferenças estabelecidas com outros grupos sociais, como propõe Woodward (2012). As marcações simbólicas e as representações sociais também podem ser verificadas dentro do espaço escolar, em seus dilemas, retrocessos e avanços. 
O quarto capítulo apresenta um panorama das tecnologias móveis na América Latina, seus consumidores e fabricantes. Aborda-se a circulação do celular pela classe popular como um objeto de desejo e distinção na era digital e discute-se a interação proporcionada por este aparelho no espaço escolar, muitas vezes servindo de auxílio em pesquisas escolares e outras vezes atrapalhando a atenção em aula. Como o governo e a classe dos professores estão lidando com o tema que tem sido cada vez mais presente é o grande debate que se desenvolve neste capítulo.
20 
O celular tem uma historicidade que não ultrapassa meio século e, neste contexto, alguns pesquisadores inauguraram os estudos sobre este objeto de história recente. Claude Fisher (1992) escreve a obra America Calling: a social history of the telephone to 1940 e relata o surgimento do telefone fixo nos Estados Unidos. Posteriormente, os estudiosos James Katz e Mark Aakus (2002) organizam um livro com vários investigadores sobre o impacto do celular no globo. Daniel Miller e Heart Horst (2006), em um estudo antropológico, dedicaram-se a avaliar o impacto dos telefones na Jamaica, assim como a pesquisadora Sandra Rúbia da Silva, investiga, em um bairro de classe popular em Florianópolis, as apropriações e representações do aparelho pelos moradores. Outros pesquisadores seguem desenvolvendo estudos sobre a tecnologia móvel e seus impactos na sociedade, como é o caso de Rich Ling (2004), Castells (2007), Lasén (2013). O estado da arte, desde o ano de 2001, encerra o Capítulo com os trabalhos relevantes em diversas áreas realizados no Brasil, basicamente teses de doutorado e dissertações de mestrado. 
Busca-se, ainda no quarto capítulo, entender como as tecnologias móveis estão adentrando as salas de aula e como a política (a partir de 2007), através de projetos de leis, está proibindo o uso em escolas, como no caso do Rio Grande do Sul. Em 2008, a governadora Yeda Crusius, através do Ministério Público, aprovou e sancionou a Lei 12.884, que proíbe a utilização dos celulares nos estabelecimentos escolares. Divergências entre teóricos mostram que o debate sobre os usos do celular na escola ainda está longe de achar uma solução, tanto para professores quanto para alunos. 
O quinto capítulo é dedicado a explorar a metodologia empregada nesta investigação. Os estudos exploratórios I e II dão suporte para o aprofundamento e o recorte do objeto. Para entender como o celular está sendo usado pelos jovens de classe popular, foi necessário o levantamento de dados quantitativos e qualitativos. No primeiro estudo exploratório, a aplicação de dois questionários foi necessária para delinear a geração e o recorte de classe. A aplicação dos questionários serviu como pano de fundo para entendimento de como os jovens veem e se reportam à mídia através do celular. A transmidiação que aparece no questionário online foi um começo para se entender como a tecnicidade está se ressignificando neste início de século.
21 
O segundo estudo exploratório foi qualitativo, com entrevista semiestruturada, e serviu para adentrar no universo da cultura popular juvenil. Aliada aos estudos exploratórios se definiu o universo da amostra e a imersão de campo. 
A pesquisa tem como método qualitativo o enfoque etnográfico e a técnica da observação participante, pois, como afirma Travancas (2011, p. 98), a etnografia é um método descritivo de vários aspectos sociais e culturais de um grupo social, como no caso desta pesquisa, envolvendo os jovens de baixa renda e a utilização do celular no espaço escolar. A busca pela antropologia visa compreender e apreender como o trabalho de campo será interpretado a partir de questões sociais e práticas culturais, pois o trabalho do etnógrafo consiste em deslocar-se a partir do movimento da sociedade e, neste estudo, busca-se verificar como os usos do celular estão mediando as interações entre escola, família, amigos e classe social. 
Após ter realizado o levantamento bibliográfico, a elaboração do diário de campo foi fundamental para organização das observações e funcionou como um “registro descritivo” de todas as práticas presenciadas na escola. Não houve rigidez quanto à observação participante, uma vez que muitos convites para “rolezinhos” em shoppings e lanches na escola na hora do intervalo foram aceitos pela pesquisadora. 
O capítulo seis contém as análises dos dez entrevistados através do trabalho etnográfico inclusas nas interpretações das categorias empíricas socialidade, tecnicidade e ritualidade, combinadas com os enfoques sobre o consumo - de García Canclini e Pierre Bourdieu -, e outras fontes bibliográficas citadas no decorrer da investigação. Na socialidade, a transmissão do capital cultural dos pais aos jovens recai sobre a visão de mundo, os valores morais e a tradição que converge na constituição do núcleo familiar, no término dos estudos e impacta num desconhecimento das tecnologias móveis e redes sociais, como o uso do celular. Na tecnicidade as redes sociais e novas formas de audiência ressignificam o receptor em fan pages, grupos de produção de conteúdo ou na interação com os programas de televisão. Nas considerações finais, cabem discussões sobre os caminhos percorridos nesta pesquisa e caminhos futuros a serem desenvolvidos.
22 
2. ESTUDOS CULTURAIS LATINO-AMERICANOS: CONSUMO E MEDIAÇÕES 
Os estudos culturais abarcam discursos múltiplos, bem como numerosas histórias distintas. Compreendem um conjunto de formações, com as suas diferentes conjunturas e momentos do passado. (Stuart Hall, 2006, p. 31). 
Assim como o interesse dos britânicos do CCS pelo entendimento das lutas de classes, do poder institucionalizado e da cultura elitizada entre 1950 e 1960, os pensadores latino-americanos voltaram sua atenção aos processos comunicacionais que emergiam a partir de 1980. Na revisão ampliada da obra Cartografias dos Estudos Culturais – uma versão latino-americana (2010), Escosteguy verifica o crescimento exponencial dos EC na América Latina desde a primeira edição da obra, em 2001, “sendo reforçado, sobretudo pela circulação mais ágil de bibliografia inglesa, mas também pela tradução de obras importantes e, claro, pela formação de pesquisadores que se vincularam a esse programa de pesquisa” (ESCOSTEGUY, 2010, p. 12). 
No início dos anos de 1980, destacam-se os pensadores Martín-Barbero e García Canclini. As articulações das análises culturais destes pensadores logo passaram a ser mediadas pela interdisciplinaridade, entrecruzando a filosofia, a comunicação e a antropologia. Como início dos debates latino-americanos, também estava a discussão entre cultura e comunicação. Escosteguy (2010, p. 20) delimita os três eixos teóricos de relevância na perspectiva latino-americana: 1) as relações entre cultura e ideologia; 2) análise da cultura popular; 3) construção de identidades contemporâneas mediadas pelos meios de comunicação. 
Como afirma Lopes (1990), os esforços para a elaboração de uma teoria e metodologia latino-americana iniciou-se na década de 1980. O livro Pesquisa em Comunicação – Formulação para um Modelo Metodológico (LOPES, 1990), trata de organizar e traçar como a Comunicação é estudada no país, suas nuances, dificuldades e trajetórias a serem percorridas. Já no final dos anos de1990, os estudos sobre recepção e consumo cultural impulsionaram uma vertente de pesquisadores latino-americanos a ampliar os estudos culturais.
23 
A Recepção e os Estudos Culturais estão intimamente ligados na América Latina, mas outras áreas merecem destaque. A busca por uma metodologia qualitativa ganhou espaço no decorrer das décadas, e a etnografia ganhou destaque na compreensão da globalização e dos fenômenos da revolução digital por aproximar os agentes das especificidades de cada espaço social. 
Segundo Guber (2001), a etnografia, nos tempos atuais, ajuda a descrever e explicar a própria globalização. Para Orozco e González (2011, p. 31), a integração dos métodos quantitativo e qualitativo deveria ser complementar, pois, para os investigadores, “a dimensão dos fenômenos sociais se entenderia melhor, se identificariam as explicações que os sujeitos dão a essas dimensões”. Conforme os autores, a tendência contemporânea é explorar objetos complexos com diversos métodos e ferramentas. É neste sentido que os estudos culturais latino-americanos caminham. Pesquisas de recepção e consumo cultural articulam cada vez mais ferramentas e métodos para uma melhor interpretação. 
Mesmo com o início das atividades dos Estudos Culturais latino-americanos na busca por entender identidades e os processos que adentravam na América Latina, atualmente os estudos de recepção buscam o entendimento de um novo fenômeno: a transmidiação3. O receptor passa a situar-se em um novo cenário, agora, móvel e conectado. Para Lopes, é “a lógica da sociedade multiconectada, que traz, especialmente por meio do uso do computador e do celular, o acesso às novas mídias digitais novas formas de ação e novos meios de comunicação, permitindo novos modos de interação” (2011, p. 02). 
Com a Internet, os dispositivos móveis e as redes sociais digitais tornam-se experimentos para audiências, relações sociais, poder de distinção e, ainda, servem para a construção de novas identidades. Lopes (2011), Martín-Barbero (2009) e Canclini (2013) direcionam novos apontamentos para este processo emergente. Novas agendas 
3O Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva (OBITEL) é formado por 11 países, conta com pesquisadores da Venezuela, Uruguai, Portugal, Peru, México, Estados Unidos, Espanha, Equador, Colômbia, Chile, Brasil. Os coordenadores gerais são os pesquisadores Guilhermo Orozco Gómez e Maria Immacolata Vassallo de Lopes. O objetivo da rede destes pesquisadores é o intercâmbio de conhecimento e construção de novos caminhos para pesquisas ligadas à área de análise.
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metodológicas surgem para dar conta dos fenômenos que vivenciamos em uma multiplicidade de códigos e significados. 
Há pouco tempo restrito às classes socioeconômicas privilegiadas, esse mundo digital chega aos que têm menor poder aquisitivo e cria massa de consumo para essas tecnologias. Dentre outros fatores, isso decorre muito especialmente da competitividade tecnológica e dos usos da tecnicidade (LOPES, 2011, p. 2). 
Vê-se uma crise da temporalidade, ou seja, os meios como a televisão, o rádio ou o impresso terão profundas mudanças em poucos anos com a ascensão da Internet, “temos acesso a tantas coisas e tantas línguas que já não sabemos o que queremos. Hoje há tanta informação que é muito difícil saber o que é importante” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 3). 
Scolari (2008) aborda a convergência das propriedades que distinguem as novas formas de comunicação, que são novas formas de linguagens e meios. A dimensão interativa dos meios digitais que Lopes e Martín-Barbero comentam está presente no conceito do hipertexto, pois, ao se interagir e atuar na rede online, surgem as hipermediaciones. Para Scolari, as hipermediaciones são “processos de intercâmbios, produção e consumo simbólico que se desenvolvem em um entorno caracterizado por uma grande quantidade de sujeitos, meios e linguagens interconectadas tecnologicamente de maneira reticular entre si” (2008, p. 113). 
Em maio de 2013, García Canclini4 apresentou na Espanha, no MediaLab Prado, um ponto crucial para a compreensão nas pesquisas em comunicação: a globalização opaca. Para o autor, a transnacionalização dos mercados torna-se uma instância onde se condensa o poder. Hoje, vive-se em uma intensa interculturalidade internacional, migrações, redes digitais, etc., por isso há uma necessidade de verificar as autonomias antigas das políticas nacionais. 
Para Canclini, outra mudança significativa que temos é da videopolítica nacional para uma digitalização deslocalizada. Nos anos de 1970 e 1980, existia uma enorme literatura sobre a videopolítica, como, por exemplo, a construção retórica, os discursos na 
4 Comunicação, cultura e cidadania. Uma conversa com García Canclini. Disponível em 
< http://medialab-prado.es/article/comunicacion_cultura_y_ciudadania>.
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televisão, as formas de comunicação que condicionavam os eleitores, os comportamentos das audiências, a formação de opinião; assim a crítica social e política eram de suma importância para a construção nacional de cada país, e muito pouca importância tinha a digitalização localizada. Hoje acontece uma ressignificação através das redes digitalizadas, onde se tem localizações oportunistas, com alianças publicitárias ou empresárias locais, ou pela publicidade adaptada para os hábitos e costumes regionais. 
Para o antropólogo, essa expansão das redes digitalizadas aumenta a opacidade do poder, e os cidadãos, hoje consumidores, são cada vez mais transparentes para os sistemas de vigilância, de programação digital. Sabe-se de tudo o que compram, a preferência sexual, o que fazem, e a futura reação ao mal-estar político. 
Os estudos culturais latino-americanos buscam, no início do século XXI, interpretar a globalização com suas balizes digitais; identificar as mudanças do local para o global; analisar a constituição das redes digitais e a utilização dos meios nas narrativas comunicacionais; compreender a ressignificação das identidades e da cultura popular, sendo os meios de comunicação como principal aporte cultural das massas e a escola como desafio às novas tecnologias da informação. 
Relativamente novo no cenário das Universidades latino-americanas, os Estudos Culturais encontram dificuldades na afirmação de teoria única, não sendo um campo fácil de análise, construção e interpretação. Em um diálogo constante com o culturalismo/estruturalismo, base/superestrutura, cultura/ideologia, os estudos “continuam a sustentar a promessa de uma teoria materialista da cultura” (HALL, 2006, p. 148). Em 2004, o sociólogo Renato Ortiz levanta a problemática de operacionalização dos Estudos Culturais no país: 
No que toca ao Brasil, parece-me que a penetração dos Estudos Culturais se faz pelas bordas, ou seja, para utilizar uma expressão de Bourdieu, na periferia do campo hierarquizado das ciências sociais, particularmente nas escolas de comunicação (o que certamente demonstra o conservantismo de disciplinas como sociologia, antropologia, literatura). Entretanto, nenhuma delas se propõe a modificar o seu estatuto institucional (ORTIZ, 2004, SP).
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Atualmente, a Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH) é a única que oferece o mestrado em Estudos Culturais5 no Brasil. Em sua área de interesse, “os estudos culturais contribuem para a crítica das disciplinas e saberes consagrados, indagam sobre os modos como se vêm produzindo historicamente as pedagogias, as ciências e sobre que interesses subjazem a elas” (PPEC, 2012). Assim, o mestrado oferecido pela USP possui apenas uma área de concentração que contempla a sociedade em suas práticas e saberes (marginalizados) e o entendimento de proposições já institucionalizadas que colaboram para o status quo, sendo questionadas por teorias críticas. O programa está dividido em quatro linhas de pesquisas: cultura, política e identidades; crítica da cultura; cultura e ciência; cultura, educação e saúde. De interesse para o programa, os projetos contemplados pelas quatro linhas abrangem migrações, multiculturalismo, cidadania, gênero, raça, etnia, indústria cultural, literatura de viagens, ficção científica, hibridismo, compreensão da saúde, etc. Por fim, a nomenclatura do título é de Mestre em Filosofia. Para Ortiz (2004), os Estudos Culturais representam, mesmo com as dificuldades constitutivas e de inserção no Brasil e na América Latina, o avanço das ciências sociais na multidisciplinaridade, não como o “fim das fronteiras”, mas no andamento das reflexões políticas, religiosas, dos movimentos sociais e da mídia. Em contrapartida, Heloisa Buarque de Hollanda é a atual coordenadora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea6 fundado em 1994. Com o projeto Os Estudos Culturais, seus limites e perspectivas: o caso da América Latina, a pesquisadora busca mapear e analisar o quadro de transformações dos paradigmas teóricos e epistemológicos latino-americanos. Segundo ela, 
Os estudos Culturais na América Latina mostram hoje uma clara originalidade, de impacto internacional, em função do encaminhamento que vem propondo para temas como a tensão entre a cultura local e global, o papel da cultura no mercado de bens simbólicos e a busca de novos modelos e conceitos operacionais que deem conta da complexidade da produção cultural transnacionalizada (HOLLANDA, 2010, SP). 
5O Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da EACH-USP ainda não conta com produção bibliográfica para discussão e análise, pois iniciou seu curso no ano de 2012. 
6 PACC, disponível em <http://www.pacc.ufrj.br/o-pacc/>
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Problematizando a temática, o projeto concentra as produções existentes de vários contextos acadêmicos regionais, como imaginários urbanos e novas tecnologias, e examina algumas lógicas em curso da produção do conhecimento. Como objetivo, tenta promover a conexão crítica das novas teorias sobre a “globalização latina”. 
Nas últimas décadas, os Estudos Culturais ganharam um fôlego novo para as pesquisas acadêmicas. A difusão digital e as novas tecnologias introduziram uma multiplicidade de análises e conteúdos a serem estudados, tanto pela cultura digital quanto pelos usos de novas tecnologias móveis no cotidiano dos indivíduos. Para Escosteguy, “seria um equívoco reduzir o projeto dos Estudos Culturais a um modelo de comunicação, pois os questionamentos propostos por essa tradição extrapolam o campo da comunicação” (2002, p. 151). 
2.1. Perspectivas do consumo 
São inúmeras as áreas que debatem o consumo como chave da sociedade contemporânea: Marketing, Economia, Comunicação, Antropologia, Psicologia, etc.. Para a abordagem antropológica do consumo, Rocha e Barros (2006) argumentam que nem o dinheiro, nem a razão prática, nem a lógica econômica explicam os diferentes significados do consumo (2006, p. 37). Seria errôneo reduzir o consumo apenas à circulação da produção e às apropriações simbólicas. Contribuindo com o debate, Barbosa (2004) defende que a sociedade do consumo é um dos rótulos utilizados para denominar a sociedade moderna. 
Segundo Barbosa, fica clara a distinção em duas linhas teóricas distintas (moderna e pós-moderna) que trabalham o consumo e/ou a cultura do consumo: “[...] devemos ter clara a distinção entre sociedade e cultura porque, para muitos autores – Frederic Jameson, Zygmunt Bauman, Jean Baudrillard e outros – a cultura do consumo ou dos consumidores é a cultura da sociedade pós-moderna” (2004, p. 10). Um exemplo da visão pós-moderna do consumo vê-se em Featherstone (1995), ao dizer que a noção da utilidade, de origem racionalista e econômica, relacionada aos bens, deve dar lugar aos valores e sentidos (1995, p.40). Deste modo, o “consumo surge como sistema que será a ordenação dos signos e a integração do grupo” (1995, p. 91).
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Mais adiante, Barbosa (2004) menciona a outra vertente que trabalha o consumo na versão não pós-moderna: “por outro lado, autores como Don Slater, Grant McCracken, Colin Campbell, Pierre Bourdieu e Mary Douglas investigam o consumo de forma altamente relevante” (2004, p. 12). Na definição de Rocha (2006), o consumo apresenta três enquadramentos: 
Em geral, quando se fala em consumo (sobretudo do âmbito da mídia), o discurso proferido o faz partir de alguns enquadramentos preferenciais. O consumo pode ser explicado como essencial para a felicidade e realização pessoal, em um enquadramento hedonista. Pode ser explicado a partir de um enquadramento moralista, no qual o tom denunciatório e o consumo são responsabilizados por diversas mazelas da sociedade. Pode ser ainda explicado num enquadramento naturalista, ora atendendo a necessidades físicas, ora respondendo a desejos psicológicos (ROCHA, 2006, p. 10). 
Segundo Douglas e Isherwood (2006), os primeiros estudos sobre o consumo discorriam sobre a necessidade material do bem-estar, do bem-estar psíquico e do exibicionismo. Assim, A teoria da classe ociosa de Thorstein Veblen (1983) identifica as apropriações “a partir do progresso industrial como competição pelo aumento do conforto de vida, principalmente pelo aumento dos confortos físicos que o consumo de bens proporciona” (VEBLEN, 1983, p. 16). Progressivamente, a acumulação de bens resulta, segundo Veblen, na distinção social, conferindo respeitabilidade. A vida ociosa acontece pela simples abstenção da atividade produtiva, e o ócio conspícuo perpetua a manutenção das boas maneiras, de uma educação de gosto e “da sensibilidade relativamente aos artigos que se devem consumir e aos métodos de seu consumo” (VEBLEN, 1983, p. 27). Charles Baudelaire, ao escrever Sobre a modernidade, retrata o que Veblen enunciava: 
O homem rico, ocioso e que, mesmo entediado de tudo, não tem outra ocupação senão correr ao encalço da felicidade; o homem criado no luxo e acostumado a ser obedecido desde a juventude; aquele, enfim, cuja única profissão é a elegância, sempre exibirá, em todos os tempos, uma fisionomia distinta, completamente à parte (BAUDELAIRE, 1997, p. 51). 
Colin Campbell (2001, p. 58) afirma que não há estudos satisfatórios que deem conta da revolução do consumo. Para o autor, os estudos de Thorstein Veblen concentram grande parte da análise relacionada à revolução do consumo, mas pecam pela influência do
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utilitarismo, concentrando-se “quase que exclusivamente nas questões do status social” (CAMPBELL, 2001, p. 76). Rocha e Barros (2006) acreditam que Veblen ultrapassou a visão utilitarista, acrescentando um olhar cultural para o consumo, assistindo a fenômenos e práticas do ócio conspícuo. Partilhando a mesma linha estão Douglas e Isherwood (2006, p. 65). Para os autores, o que a classe ociosa faz é transmitir em comportamentos o reconhecimento de construções significativas reguladas em códigos das boas maneiras, gosto, educação, etc. 
Para Canclini (1997) – na vertente dos estudos culturais latino-americanos –, a produção de fenômenos sociais, como o consumo, contribui para a reelaboração simbólica das estruturas materiais. Assim, os agentes dentro do sistema social elaboram alternativas para transformações culturais, sociais e políticas. Mas nem todos os agentes configuram as apropriações dos bens de maneira igualitária. Aprofundando a compreensão das classes populares, Canclini destaca que os menos favorecidos participam de um processo desigual dos bens econômicos e culturais, assim a reprodução simbólica será das condições próprias do trabalho subalterno e da defasagem educacional, verificável na própria construção identitária do espaço social. 
Para explicar a cultura popular, Canclini (1997) apresenta três aspectos: 1) apropriação desigual do capital cultural; 2) elaboração própria de um sentido de vida desprovido de privilégios; e 3) uma interação conflituosa com os setores hegemônicos (CANCLINI, 1997, p. 62). Assim, a circulação dos bens e o consumo perpassam o ambiente de trabalho, a escola e a família, organizando práticas sociais subordinadas à produção e gerando codificações distintas entre as classes. Para o autor, “a reprodução e a diferenciação social se realizam por uma participação estruturada de distintos setores sociais nas relações de produção e consumo” (CANCLINI, 1997, p. 67) e assim se originam classes distintas e formas diversas de cultura. 
Ronsini (2012), ao estudar a problemática do consumo juvenil pelo método antropológico, acredita que a globalização faz repensar as relações que estão produzindo as práticas sociais, tanto na mídia quanto na vida cotidiana. Para a autora, 
No Brasil, por exemplo, a formação de uma cultura adolescente-juvenil baseada nos bens de consumo ofertados pelos meios de comunicação se gesta nos anos de 1960, encontrando expressão em dois movimentos culturais, o Tropicalismo e a
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Jovem Guarda, em sintonia com a internacionalização e modernização das camadas jovens da população (RONSINI, 2012, p. 49). 
O cenário no século XXI é distinto para Rocha e Pereira (2009), segundo os quais os jovens de hoje estão entrelaçados por produtos high tech, como o celular, fones de ouvidos, notebooks. Para os autores, o consumo marca a adolescência pelas apropriações de gadgets: 
Esses gadgets, seja na forma de notebooks ou de tocadores de mp3, estabelecem novas formas de sociabilidade, reforçam laços de afinidade, expandem as redes sociais para níveis globais, criam múltiplas identidades, fazem circular rapidamente o conhecimento, promovem entretenimento, transferem informações. Neste processo, os bens de consumo – no caso, os gadgets – são fundamentais, estabelecendo fronteiras, definindo territórios, significando, através do consumo, quem é próximo e quem é distante (ROCHA; PEREIRA, 2009, p. 59-60). 
Desta maneira, tanto para Ronsini (2012) quanto para Rocha e Pereira (2009), o sistema de hierarquia é mantido e adaptado ao sistema para renovar e manter a ordem social. Mesmo com a informatização de muitos serviços, recorre-se ao sistema simbólico para participar e consumir na sociedade. Canclini aponta que “o simbólico não é algo que sucede nas universidades, nos consultórios psicanalíticos, em museus de arte. O simbólico é algo que está incerto, como uma parte necessária, no desenvolvimento da produção material atual” (CANCLINI, 1997, p. 69-70). Nesta pesquisa filiada aos Estudos Culturais latino-americanos, delineia-se o consumo cultural sistematizado por García Canclini (1992) a partir de inúmeras referências bibliográficas, que serão expostas a seguir. 
a. Consumo como reprodução da força do trabalho e da expansão do capital: todas as práticas de consumo, eventos psicossociais tão diversos como habitar uma casa, comer, vestir, podem ser entendidas, em partes, como um meio de renovar a força do trabalho dos assalariados e expandir os lucros dos produtores. 
Para Goellner (2007, p. 47), “esse enfoque procura apreender como são realizadas as estratégias de mercado e as ações dos agentes econômicos, sem perder de vista sua relação com a demanda”. Assim, a circulação dos bens transita pelo marketing e
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consumidores convergentes na estratégia de crescimento do mercado de bens materiais e simbólicos. 
Inclui-se, nesta perspectiva, a visão de Douglas e Isherwood (2006) em três categorias: o setor primário é o das necessidades de primeira instância como alimentação; o setor secundário parte das tecnologias avançadas do consumo, e o terceiro setor corresponde à maior despesa em informação (formal e informal). Para os pesquisadores, as categorias ocupacionais não servem de guia para análises, pois sofrem constantes mudanças. 
Como defende Canclini, o consumo é o lugar onde se reproduz a força de trabalho e também onde se expande o capital, é o lugar onde as classes lutam pela apropriação do produto, e o crescimento do consumo não é resultado apenas da necessidade da expansão do capital, mas também consequência das demandas das classes populares (CANCLINI, 1997). 
b. Consumo como apropriação dos grupos e classes sociais: são os lugares onde os conflitos de classe, causados por participações desiguais na estrutura produtiva, versam sobre a distribuição e apropriação dos bens. Goellner (2007), ao desenvolver esta perspectiva, entende que o consumo é nossa cotidianidade, a forma de ser e estar no mundo. Para ele, “muitas estratégias são engendradas individualmente por parte dos sujeitos para posicionar-se no espaço social, e garantir uma renda é um mecanismo para acessar os bens” (GOELLNER, 2007, p. 48). 
O antropólogo Daniel Miller (2002), ao realizar um trabalho de campo em um conjunto habitacional nos arredores de Londres, constatou que a decisão na hora de compra das mercadorias nos supermercados estava baseada no amor e no sacrifício das donas de casa. Para Miller, “o momento decisivo em que o trabalho produtivo se transforma em processo de consumo expressa-se no temor do mero consumo profano ou material” (MILLER, 2002, p. 87). Deste modo, as escolhas individuais são feitas a partir de uma determinada demanda, a do mercado. 
No Brasil, são poucos pesquisadores que se dedicam a estudar o consumo, principalmente relacionado às classes populares. Os antropólogos Everardo Rocha e Carla Barros (2009), ao verificarem a invisibilidade que permeava os estudos relacionados ao consumo no país, realizaram uma pesquisa com empregadas domésticas para identificar os
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códigos culturais e como estas norteavam as escolhas de consumo. Nos resultados do estudo etnográfico, a hierarquia dos gastos aparece na ideia de poder do consumidor em comprar muitos bens ao mesmo tempo, de forma parcelada (ROCHA; BARROS, 2009, p.37). 
A facilidade do crédito disponibilizado aos consumidores tem se caracterizado pelo não adiamento da satisfação, que é substituído pela satisfação direta e imediata (CAMPBELL, 2001, p.136). A poupança, que seria o investimento adiado, não contempla a camada popular, devido à urgência que engloba o setor primário. Na pesquisa dos brasileiros, 
A intensa compra de eletrodomésticos se encaixa no que se denomina, aqui, “consumo de pertencimento”. Ter acesso a determinados bens possibilitaria uma entrada na sociedade de consumo abrangente, e artigos como televisão, celulares parecem cumprir de imediato esse papel. Ser um “consumidor” permite a superação da identidade de “pobre” (ROCHA; BARROS, 2009, p. 37-38). 
Os valores da compra, a constante aquisição de bens no mercado de consumo, o parcelamento evidenciam, para este grupo, a prosperidade material. O sentimento de participar e compartilhar da sociedade de consumo foi destacado pelas compras dos eletrodomésticos e produtos de marca. 
Para Canclini, nesta perspectiva, o consumo é um lugar ideológico, chave para a reprodução da ideologia dominante e para construir diferenças sociais entre as classes, mediantes distinções simbólica. O consumo é fundamental para comunicar diferenças entre os grupos sociais, e a diferenciação deve transladar-se para a forma em que se consomem estes bens, a forma que é apropriada e utilizada (CANCLINI, 1997, p. 76-78). 
c. Consumo como desejo: apesar de não ser palpável, o desejo não pode ser ignorado quando se analisam as formas de consumo. As lojas de departamentos, os shoppings, são templos em que o mundo dos sonhos é possível: “a imensa fantasmagoria das mercadorias em exposição, constantemente renovada pelo impulso capitalista e modernista para a novidade, é a fonte de imagens oníricas que evocam ilusões esquecidas” (FEATHERSTONE, 1995, p. 43). Segundo os frankfurtianos, quando as primeiras pulsões essenciais ultrapassam a racionalidade e se tornam ações corporais (ato de consumir), o ator torna-se o ser consumido, perdendo, assim, seu espírito. O consumo pelo desejo é
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incorporado como uma necessidade básica de uma cotidianidade intrínseca às relações materiais. 
Para Campbell (2001), a compreensão do consumo se relaciona ao hedonismo “mentalístico”, que tem na novidade a busca incessante do “material de sonho”, pois a interpretação do consumo moderno, tanto para ele como para Baudrillard, está longe de ser materialista. Ele diz: 
Essa interação dinâmica entre a ilusão e a realidade é a chave para a compreensão do consumismo moderno e, na verdade, do hedonismo moderno em geral. É, portanto, um aspecto do consumo quer “invisível”, quer conspícuo, e não necessita de quaisquer pressupostos relativos às atitudes para com o status e o prestígio (CAMPBELL, 2001, p. 133). 
De acordo com Baudrillard (2008), o consumo adquire uma instância em que não se pode mais referenciar o objeto pela sua utilidade específica, e, sim, por um conjunto de signos a que ele remete em sua significação total, pois “a imagem, o signo, a mensagem, tudo o que consumimos, é a própria tranquilidade selada pela distância ao mundo e que ilude, mais do que compromete, a alusão violenta do real” (BAUDRILLARD, 2008, p. 17). Apoiado na semiologia, “a autonomia do significante, mediante a manipulação dos signos na mídia e na publicidade, significa que os signos podem ficar independentes dos objetos e estar disponíveis para o uso numa multiplicidade de relações associativas” (FEATHERSTONE, 1995, p. 33). 
d. Consumo como ritual: a sociedade seleciona e fixa acordos que regem os significados. Os rituais são eficazes usando objetos para definir o sentido das práticas que eles preservam. Desta maneira, “quando a sorte, a vergonha e a honra substituem ideias controladoras, saímos de uma sociedade regulada pela referência ao além para outra explicitamente preocupada com este mundo” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006, p. 82). A acumulação individualista, neste sentido, passa a ser um risco, sorte, e não depende apenas de preços e rendas para explicar as decisões de consumo. 
Slater (2001) concorda com Douglas e Isherwood ao relacionar os bens como instância integradora, o consumo como ritual na organização da ordem social, mas aponta dois problemas nas interpretações dos significados e rituais de consumo que demarcam categorias e classificações. Para Slater (2001, p.147), a antropóloga coloca os significados
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como uma realidade social preexistente, ignorando que a ordem social é constituída pelas práticas. O segundo problema não leva em conta que os fluxos de informações, os significados do consumo público não são prerrogativas das redes sociais, mas, sim, administradas pelos capitais comerciais investidos em tecnologias públicas de design, marketing e propaganda. Por fim, o universo que integra a perspectiva do consumo como um sistema de informações a faz parecer ingênua demais “como se fosse apenas um dispositivo moderno para ajudar às pessoas a por ordem na confusão de nossos dias” (SLATER, 2001, p. 146-150). 
A seguir, adentra-se na perspectiva de García Canclini do consumo como distinção e comunicação. 
2.1.1. Consumo como distinção e comunicação por García Canclini 
Esta perspectiva procura entender o consumo como diferenciação social, lidando com formas de apropriação hierarquizadas e com as próprias maneiras do processamento simbólico. Aponta-se para as formas (condições) e o entorno com que o consumo deste bem é adquirido e como os atores o utilizam para se comunicar com os demais. 
Para Canclini, consumo cultural “é o conjunto de processos de apropriação e usos de produtos em que o valor simbólico prevalece sobre os valores de uso” (1992, p. 06). Tome-se, como exemplo, um caso empírico extraído do I estudo exploratório desta investigação: o jovem A, 18 anos, trabalha em turno diário em um hotel, ganha R$ 900,00 p/mês e reside em um bairro de periferia de Santa Maria. Ele tem um iPhone, modelo 4, avaliado no mercado em R$ 1.500,00. O jovem A parcelou o aparelho em 3x de R$ 500,00 no cartão de crédito do chefe do hotel, sendo descontado direto da folha de pagamento mensal do adolescente. 
O jovem B tem 17 anos e é aluno de uma escola particular da cidade. É filho de empresários do setor têxtil e a família reside na área nobre da cidade, em um condomínio de luxo. O jovem B ganhou o mesmo telefone (iPhone 4) de aniversário dos pais. O aparelho foi comprado à vista, pela internet, depois de o jovem escolher o modelo ao lado do pai, na casa de praia em que a família descansava.
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Assim, para o Canclini, a diferenciação deve mover-se para a forma em que estes bens são consumidos e a maneira como são apropriados, adquiridos e utilizados (CANCLINI, 1997, p. 76). São estes mecanismos que delimitam as lutas simbólicas que, invisíveis, simbolizam o consumo, diferenciando as classes uma das outras; como diria Bourdieu: “não basta ter um milhão para ter as condições de levar a vida de milionário” (2007, p. 351). 
Isso sugere que as condições sociais de existência, a origem familiar e a trajetória de cada ator pode ser um caminho para compreender as práticas do consumo como distinção social, por vezes, já imposta por gostos e tendências de consumo pela classe dominante, tornando legítimo o poder absoluto de impor seu próprio gosto e estilo de vida. 
Assim, a forma que o jovem B adquiriu o iPhone 4 torna-se legítima perante outros atores em posições inferiores, que buscam, na aquisição do aparelho, ter o mesmo estilo de vida que não lhes pertence. Desta forma, as classes dominantes tendem a valorizar o modo de representação, de apropriação no processo do consumo, enquanto as classes subalternas valorizam o objeto representado. 
Embora os gostos sejam condicionados a refletirem uma hierarquia simbólica, as preferências dos consumidores ainda requerem um componente estético reconhecido pelo dominante, mesmo se tratando de itens funcionais de consumo, como o aparelho de celular. A linha de raciocínio é também encontrada na obra de Bourdieu, que argumenta que as preferências e as disposições estéticas originam-se em uma hierarquia de classe impondo- se culturalmente. 
Bourdieu (2007) substitui essa dicotomia na relação entre duas formas de existência social: as estruturas objetivas sociais construídas sobre a dinâmica histórica e a internalização das estruturas sociais, construídas pelos indivíduos na forma de esquemas de percepção, avaliação, pensamento e ação, o habitus. O habitus configura-se como um sistema de disposições duráveis que funcionam como esquemas de classificação para orientar os valores, as percepções e as ações dos indivíduos. 
Canclini (1997) afirma que, para que o consumo possa ser um sistema de diferenciação social entre os grupos sociais, deve primeiro construir um sistema de comunicação compreensível, um sistema de integração cultural e social. Os membros de
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uma sociedade, de um grupo, devem compartilhar significados atribuídos aos bens de consumo para constituir um elemento de diferenciação social (CANCLINI, 1997, p. 77). 
Para Canclini, esta perspectiva é também um sistema de significados compreensível pelos consumidores incluídos e excluídos no sistema de diferenciação social. O consumo como comunicação situa os atores em suas posições de classe, através da difusão de códigos, significados e atributos das classes dominantes em um sistema de comunicação compreensível, assim, os atores e portadores destes códigos verificam e compartilham os significados atribuídos aos bens de consumo. 
O consumo cultural é uma reafirmação dos “valores e significados comuns” que mantêm uma identidade coletiva, de grupo, classe, gênero, raça, etc. É por este motivo que as experiências e escolhas partem, muitas vezes, de uma dependência psicológica e afetiva em relação às conformidades da vida, ou ainda, contestação da mesma. As escolhas e narrativas do self transmitem mensagens sobre a identidade de um ambiente cultural ativo, intimamente ligado ao ator e à produção de histórias, objetos e práticas. 
A relação estabelecida, de fato, entre as características pertinentes da condição econômica e social – o volume da estrutura do capital, cuja apreensão é sincrônica e diacrônica – e os traços distintivos associados à oposição correspondente no espaço dos estilos de vida não se torna uma relação inteligível a não ser pela construção do habitus como fórmula geradora que permite justificar, ao mesmo tempo, práticas e produtos classificáveis, assim como julgamentos, por sua vez, classificados que constituem estas praticas e estas obras em sistemas de sinais distintivos (BOURDIEU, 2007). Ou seja, 
O gosto da necessidade só pode engendrar um estilo de vida em si que é definido como tal apenas de forma negativa, por falta, pela relação de privação que mantém com os outros estilos de vida. Para uns, os emblemas eletivos, enquanto, para outros, os estigmas que carregam, inclusive, em seu corpo (BOURDIEU, pag. 167). 
Com o conceito de habitus, Bourdieu procura explicar o processo pelo qual o social é internalizado nos indivíduos para dar conta das estruturas subjetivas e objetivas. Para ele, a visão que cada pessoa tem da realidade deriva da sua posição social neste espaço. Preferências culturais não operam em um vácuo social, dependem dos limites impostos pelas mediações objetivas. Portanto, a representação da realidade e das práticas
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de pessoas é também, e acima de tudo, um empreendimento coletivo e de comunicação. Para auxiliar o entendimento da complexidade da conceituação de Bourdieu, vai-se buscar reforço no que García Canclini entende por habitus: 
a) Um sistema de disposições duráveis, eficaz em esquemas de classificação que orientam a percepção e práticas além da consciência e da fala, e transferência de trabalho em diferentes campos de prática. 
b) Estrutura estruturada como um processo pelo qual o social é internalizado nos indivíduos, e atinge as estruturas objetivas que correspondem à subjetiva. 
c) Estruturas predispostas a funcionar como estruturante, como um princípio de geração e estruturação de práticas e representações (CANCLINI, 1982, p. 32). 
Os bens são marcações de valores, assumem rituais e são atrelados às concordâncias com outros consumidores, servem para comunicar e transmitir. Nesta visão, aqueles com desvantagens comparativas na tecnologia do consumo estarão perdendo cumulativamente na luta para manter a informação sob controle, e, desta forma, este processo não regulado é capaz de construir barreiras de status que explicam as diferenças em padrões de consumo. 
2.2. Mediações da cultura: socialidade, ritualidade e tecnicidade 
Martín-Barbero é um observador dos processos culturais, principalmente da América Latina. Ao pensar o conceito de mediações, o autor reflete que, diferentemente, do que pensavam os frankfurtianos com o conceito de Indústria Cultural, o que está em jogo no que tange à comunicação é a emergência de uma razão comunicacional. Para ele, a comunicação na tardomodernidade converte-se em um “eficaz motor de desengate e de inserção das culturas”. Assim, alerta para a necessidade de observar a peculiar posição que a comunicação atingiu na formação dos novos modelos de sociedade. Se, por um lado, a antropologia analisava a cultura primitiva, no sentido em que a cultura era tudo, tanto a produção técnica e poética quanto as vinculações de saberes e demais focos do fenômeno humano como ator social, por outro, a sociologia entendia a cultura como somente as práticas e produtos gerados pela esfera das artes e das letras.
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Hoje, contudo, o objeto da cultura parece girar em uma ampla miríade de aspectos sociais diversos, espalhando-se pela vida social em todas as suas camadas. O autor aponta que “a reconfiguração das mediações em que se constituem os novos modos de interpelação dos sujeitos e de representação dos vínculos que dão coesão à sociedade” (MARTÍN-BARBERO, p. 14) são reflexo das transformações culturais e políticas a partir da relação sujeito/objeto frente às transformações nos meios de comunicação7. As mediações, neste contexto, servem como ponto de referência metodológica entre o ator e suas conexões com o mundo8. 
Neste sentido, a contribuição desta pesquisa configura-se em um viés distinto de interpretar os usos dos aparelhos celulares pela cultura juvenil pelo olhar barberiano do consumo. Nota-se que, muitas vezes, os autores optam por unificar os sentidos do consumo e de recepção, mas aqui não será o caso. Muitas vezes, o entendimento do consumo funde-se ao de recepção. Da materialidade às tramas vivenciadas por jovens de classe popular em seu contexto social, abandona-se a competência de recepção e suas leituras dos textos midiáticos ligados às audiências para entender o consumo e seus “usos sociais” relacionados ao aparelho de celular. Nesta pesquisa, usa-se o mapa das mediações como aporte interpretativo: 
Os problemas substantivos que a realidade cultural de nosso país apresenta para a pesquisa em Comunicação passam necessariamente pelos processos de transformação cultural acarretados pela atuação da indústria cultural em presença de uma vasta população pertencentes às chamadas classes baixas (LOPES, 1990, p. 15). 
Assim, a necessidade de refletir sobre um objeto de história recente, integrado em classes sociais distintas, é constituída complementarmente às mediações proposta pelo colombiano. Os bens compreendidos como desejo cultural juvenil refletem a constante condição de classe incorporada na apropriação dos ritos e na formação social do cotidiano. 
7 Um exemplo deste argumento pode ser visto nas manifestações ocorridas em São Paulo (Jun/2013) contra o aumento nas tarifas de transporte público. A imensa mobilização nas redes sociais, vinculada aos argumentos da mídia, serviram para uma grande revolta virtual, que, posteriormente, levou manifestantes às ruas em diversas outras cidades do país. O estopim, muitas vezes, foram vídeos amadores que circularam pela internet, filmados anonimamente por celulares e espalhados pela rede, mostrando o “outro lado” do fato. Foram as perspectivas e visões dos cidadãos brasileiros contra a voz da mídia hegemônica. 
8 TRINTA, p. 150-151.
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No contexto dos jovens que compõem esta pesquisa, observa-se que o aparelho celular perpassa a construção da identidade individual e coletiva. O aparelho é carregado de resíduos culturais, emocionais e simbólicos. Apresentam-se três mediações propostas por Martín-Barbero como categorias de análise: a socialidade, a ritualidade e a tecnicidade. 
Na socialidade, as relações dos atores sociais tangem a classe, a etnia, a família, a escolha, o trabalho, etc. Torna-se possível investigar as construções e relações ocultas do modo de vida dos jovens de classe popular e suas relações no espaço escolar (progressos e dificuldades no aprendizado), na família (conflitos envolvendo gerações, opções sexuais e condição econômica). Para Martín-Barbero, a comunicação do ponto de vista desta mediação “se revela uma questão de fins – da constituição do sentido e da construção e desconstrução da sociedade” (2003, p.18). Deste modo, ocorrem as mudanças da sensibilidade e subjetividade dos atores que, jovens, intensificam as relações sociais, criando e alternando conceitos e campos que definem a socialidade. A comunidade em questão é instável quanto a relações sociais pela Internet e o uso do celular. Tenta-se entender como o sentido e a tomada de consciência (ou não) pela condição da classe parte das relações que envolvam atores sociais e o aparelho de celular. 
A ritualidade, segundo o autor, “remete-nos ao nexo simbólico que sustenta toda comunicação: à sua ancoragem na memória, aos seus ritmos e formas, seus cenários de interação e repetição” (2003, p.19). Pode-se incluir, nesta mediação, a análise do uso social e do consumo de celulares modernos como forma de distinção ou, ainda, o desejo inconsciente de ter um iPhone, representado por uma maçã mordida, carregado desde já com significados mitológicos e/ou ritualísticos. Martín-Barbero cita modos de especificidades contemporâneas que podem ser extraídos desta mediação. A ritualidade, como mediação proposta dentro do eixo sincrônico, está entre o Consumo e os Formatos Industriais. Tem-se, neste espaço, o patamar do simbólico, dos usos repetidos através das formas e interações através da “gramática da ação” (olhar, escutar e ler) relacionadas à questão do gosto, da educação, dos saberes, etc. 
A tecnicidade, por sua vez, remete ao processo de globalização, em que os processos, as práticas sociais e os discursos têm sido cada vez mais mediados por aparatos tecnológicos como o computador ou os telefones celulares, “restabelecendo aceleradamente a relação dos discursos públicos e relatos (gêneros) midiáticos com os
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formatos industriais e textos virtuais” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p.19). É nestes apontamentos públicos que o avanço da técnica materializa-se no discurso, dando sentido e significado às lógicas de produção que nortearão os formatos industriais, perpassando a “práxis política e um novo estatuto da cultura”, convergindo no poder da estética. Complementando com a noção de matrizes culturais, tem-se suporte para classificar as formas de representação e os formatos industriais, definindo o celular como produto e prática do consumo cultural.
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3. JUVENTUDE DE CLASSE POPULAR 
Os “rolezinhos” levaram para dentro do paraíso do consumo a afirmação daquilo que esse mesmo espaço lhes nega: sua identidade periférica. Se quando o jovem vai ao shopping namorar ou consumir com alguns amigos ele deve fingir algo que não é, com os rolezinhos ele afirma aquilo que é! (Renato Souza de Almeida) 
As características culturais e políticas, individuais ou coletivas, são partes de um processo histórico, de transformações que ocorreram ao longo da trajetória humana – em extensões sociais, culturais e temporais. Para o filósofo marxista Henri Lefebvre (2010), há apenas três concepções de mundo que dão conta de uma visão conjunta da natureza e do homem. São elas a concepção cristã/medieval, formulada pelos teólogos católicos na Idade Média; a concepção individualista, em que o indivíduo e a razão estariam em uma unidade harmônica (essa concepção corresponde ao liberalismo e à burguesia da belle époque); e a atual concepção marxista do mundo, tornando evidente a luta do homem contra a natureza (LEFEBVRE, 2010, pg. 12-13). 
Com o desenvolvimento desenfreado do capitalismo, no decorrer do século XVIII, o trabalho deixou de ser um meio pelo qual o homem se apropriava de sua essência, passando ser a garantia de sua subsistência. Enquanto os iluministas clássicos faziam a leitura de uma “história de opressão”, Marx interpretava-a como história de luta entre classes, buscando um sistema transformador para a sociedade, no qual, a exemplo da história, o comunismo poderia vir a substituir o capitalismo como molde perfeito para a configuração e instauração da liberdade e da igualdade como conceitos, não quiméricos, mas reais. 
A categorização de classe social é, ainda, controversa em diferentes discursos e interpretações – marxistas, sociólogos e intelectuais adentram por uma jornada sem fim. Em um esforço por mapear as “memórias de classe”, Bauman (2011, p. 51) resgata os diversos contextos e as apropriações do termo. Em um primeiro momento histórico, classe serviu para designar classificações em diferentes variações de um grupo, sem intenções morais ou políticas. A partir do século XIX, a apropriação da classe em si era entendida em
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um novo vocabulário para designar, então, grupos sociais: classe trabalhadora, classe produtiva, etc. 
No que se refere aos Estudos Culturais, o conceito de classe social vem perdendo força como incubadora de transformações e análises políticas. A partir do século XXI, as identidades e o consumo são mais requeridos para entender como os atores comportam-se frente às modificações sociais. 
Os estudos culturais mudaram sua base fundamental, de maneira que o conceito de ‘classe’ deixou de ser o conceito crítico central. Na melhor das hipóteses, ele passou a ser uma ‘variável’ entre muitas, mas frequentemente entendido, agora, como um modo de opressão, de pobreza; na pior das hipóteses, ele se dissolveu (ESCOSTEGUY, 2010, p. 31). 
Nesta pesquisa, não se abandona a classe social que, organizada, representa o modo de vida de um coletivo, partilhado por atores em suas representações e práticas sociais nas diversas estruturas da sociedade. A partilha por interesses de classe compõe o tecido em que as relações se arranjam, assumindo uma organicidade dentro do espaço social. Assim, não se condena o interesse por identidade, raça, etnia, gênero como variante em certas pesquisas, mas busca-se a integração de uma visão do ator como potencial transformador consciente de sua capacidade plena. 
No Brasil, a grande problemática que cerceava a discussão sobre as classes sociais é datada desde o surgimento da Sociologia no país, na década de 70. Para o sociólogo Antônio Sérgio Guimarães (2002), os estudos compreendiam a formação do empresariado nacional; das elites dirigentes; das classes médias; do operariado industrial e do proletariado rural. 
Hoje, a nova classe média, classe popular, ou ainda classe C, representa mais da metade da população no Brasil, cuja renda mensal varia de R$1.064 e R$ 4.5919. Assim, com maior acesso aos bens de consumo, lazer e cultura, milhares de jovens brasileiros mudaram seus estilos de vida. Embora a classe popular tenha fácil acesso ao crédito na hora da compra, flexibilidade na hora de financiar imóveis, ou ainda diminuição dos juros, 
9 Universitário, PDF. Disponível em <http://www.universitario.com.br/noticias/classe_media_01.pdf>
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9% é analfabeta, e 71% das famílias não têm plano de saúde, assim, a classe popular continua com pouca instrução, com moradia inadequada e segue endividada10. 
Para Sarti (1996), os pobres sempre foram pensados a partir da produção, depostos da possibilidade do consumo, logo, de recursos simbólicos, “nesta perspectiva, destituídos de bens materiais, vendedores de força de trabalho, foram olhados apenas pela sua condição de dominados” (SARTI, 1996, p. 20). 
Para Jessé Souza, este grupo de desfavorecidos forma uma “nova classe trabalhadora precarizada, a sociedade moderna têm dois capitais importantes, o econômico e o cultural. Essa visão empobrecida (de classe média) considera apenas a renda”. Para Souza (2009, 145), este conceito apenas econômico de pensar classe social “está inserido na cegueira de pensar que as classes se reproduzem apenas no capital econômico, quando a parte mais importante não tem a ver com isso, mas com o capital cultural, com tudo aquilo que a gente incorpora desde a mais tenra idade”. Para o fim da discussão, o sociólogo declara haver quatro classes sociais no Brasil. São elas: 1) Classe Alta – detentora de maior poder econômico e saber especializado; 2) Classe Média – detentora de saber especializado, ou seja, um conhecimento que tem valor econômico; 3) Classe popular – classe trabalhadora precarizada, sem acesso privilegiado ao capital cultural, econômico e social (chamados de nova classe média); 4) Classe sem privilégios – são os muito pobres que não têm condições de aprender (SOUZA, 2009). 
Assim como no surgimento das determinações sobre classe e suas contemporâneas interpretações, pode-se situar a classe de idade não como uma variante do campo cultural, como definiria Bourdieu para mapear as posições de classe de um determinado grupo social, mas como um fio condutor do que é temporário. 
Para Morin (1977), a classe de idade também não poderia ser interconectada com a classe social e, voltando ao princípio de classes decodificado historicamente por Bauman, seria apenas a detecção de um sistema classificatório. 
Assim, a classe de idade “conduz ao que é transitório, e, de outra parte, a noção de classe designa, neste fluxo constante, uma categoria estável” (MORIN, p. 141). Deste modo, o recorte pela geração jovem nesta pesquisa é proposto por uma caracterização de “uma posição comum daqueles nascidos em um mesmo tempo cronológico - a 
10 O Globo (21/03/2013), disponível em <http://oglobo.globo.com/economia/nova-classe-media-tem- trabalho-precario-pouca-instrucao-moradia-inadequada-7914148>
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potencialidade ou possibilidade de presenciar os mesmos acontecimentos, de vivenciar experiências semelhantes, mas, sobretudo, de processar esses acontecimentos ou experiências de forma semelhante” (WELLER, 2010). 
Para Abramo (2005, p. 10), as relações de inclusão e exclusão dos jovens em nossa sociedade não são uma novidade, mas, sim, uma necessidade de pluralizar o momento de referir-nos a estes coletivos sociais, isto é, “a necessidade de conceber diferentes “adolescências” e “juventudes”, em um sentido amplo das heterogeneidades que se possam apresentar”. 
A categoria juventude foi concebida como uma construção social, histórica, política, econômica, territorial, cultural e relacional e, assim, suas definições dependem de movimentações históricas. Não podemos localizar a primeira vez que o termo juventude foi utilizado, mas devemos mencionar que os primeiros manuscritos de autores como Hegel e Marx são denominados por seus comentadores como escritos de juventude. Nesse caso, juventude se refere a um momento que se contrapõe aos escritos maduros. A ideia de juventude aparece vinculada a um processo temporal que revela movimentos humanos em direção a um ideal de realização, no caso a maturidade intelectual (MOREIRA; ROSARIO; SANTOS, 2011, p. 459). 
No século XX, o psicólogo Stanley Hall, influenciado pelo movimento alemão Sturm und Drang, cunha o termo adolescência, originário do latim, adolescere – brotar, crescer em força. Ele entendia a adolescência como uma fase transitória de grandes agitações emocionais e, entusiasmado pelos jovens artistas alemães da época, que se opunham ao iluminismo e proclamavam liberdade de expressão sem restrições morais, Hall – em seu livro Adolescere (1904) – entende essa fase como portadora de grandes emoções e revoltas comportamentais, antes de o indivíduo estabelecer um equilíbrio na fase adulta. 
A American Psychological Association, recentemente, publicou uma série de ensaios e artigos a fim de revisar o conceito concebido pelo psicólogo Stanley Hall em suas similaridades e diferenças dos estudos originários e atuais. Nas similaridades, compreendidas pela psicologia até hoje, encontram-se a prevalência do humor deprimido; busca por altas sensações; suscetibilidade da influência da mídia. Nas diferenças da atualidade com o pensamento de Hall estão a hereditariedade e seus componentes genéticos. Influenciado pelo darwinismo, o psicólogo não acreditava que os adolescentes deveriam estar enclausurados em uma sala de aula e que a evolução devia ser em
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participação com o meio ambiente para o desenvolvimento das habilidades (ARNETT11, 2006, p.186-189). 
No Brasil, os jovens são o centro das principais discussões sobre as redes sociais, mobilização online e moda. Eles também representam a base do consumo que inova em tecnologias, os chamados gadgets, ou brinquedos tecnológicos. Desta forma, os debates sobre a juventude/consumo têm ganhado força no Brasil. 
Esses gadgets (inclui-se o celular) permitem aos jovens de classe popular novas práticas sociais, antes indisponíveis pelo alto custo de compra. A Pesquisa de Mídia Brasileira de 201412 revela que os sites mais citados como fonte de informação para jovens de 16 a 25 anos é a rede social Facebook e, como meio de acesso à Internet, o celular é o veículo mais utilizado. 
Os jovens merecem atenção ao se tratar de problemas sociais já citados. A luta por uma qualidade de vida mais justa, melhor educação e condições de trabalho ainda carece de medidas emergenciais. Em 2013, o Brasil ultrapassou 200 milhões de habitantes, e, destes, 30 milhões são jovens. A densidade demográfica é alta comparada a países menores. O desafio está em abarcar este contingente juvenil em constante transformação emocional e social. 
3.1. Identidade Juvenil de classe popular 
O local e o global ganharam contornos intrínsecos e diversificados nos fluxos midiáticos. Seguindo este processo, “diferentes segmentos juvenis explicitam demandas e constroem inéditas identidades e outros caminhos para sua emancipação” (ABRAMOVAY, 2007, p. 01). Desta forma, “só o diálogo profundo e constante entre gerações, conjugando inovações e tradições, pode inverter a lógica do individualismo depredador questão bem caracteriza a sociedade de consumo e do espetáculo” (2007, p. 02). 
11 G. STANLEY HALL’S ADOLESCENCE: Brilliance and Nonsense. Clark University, 2006. Disponível em <http://www.jeffreyarnett.com/articles/Arnett_2006_HP2.pdf> 
12 Pesquisa Brasileira de Mídia 2014. Disponível em < http://pt.slideshare.net/BlogDoPlanalto/pesquisa- brasileira-de-mdia-2014>
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Woodward (2012) aponta que as identidades são marcadas principalmente pelas diferenças. Para sustentar o conceito de identidade, a autora buscou, em um quadro teórico amplo, as contextualizações que pudessem servir para complementar o conceito. Dez tópicos são apresentados na tentativa de contextualizar identidade. Ao longo desta pesquisa, a ressalva foi por buscar entender as identidades de jovens de classe popular e também a identidade juvenil. Na leitura de Woodward, destacam-se as três principais linhas que contribuem para a investigação: 1) a identidade é relacional e a diferença é estabelecida a partir de outras identidades; 2) a identidade está fortemente ligada a condições materiais e sociais; 3) o social e simbólico operam diferentes, mas são necessários para a sustentação das identidades (2012). 
Para a autora, “a marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentido a práticas e a relações sociais, definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é incluído. É por meio da diferenciação social que essas classificações da diferença são ‘vividas’ nas relações sociais” (p.14); 4) as identidades não são plenas e igualitárias, podem haver negociações entre o individual e o coletivo. 
A interpretação da autora inglesa compõe o livro Identidade e diferença, organizado por Tomaz Tadeu da Silva (2012), dentro das perspectivas dos Estudos Culturais, e vai ao encontro do que Manuel Castells proferia em 1996, ao escrever “O poder da identidade”. A combinação de interpretações é quase semelhante, embora Castells trilhe pela sociedade em rede. Para o espanhol, a construção da identidade tem ligação com os atributos culturais, derivando múltiplas identidades com bases sociais ou materiais (CASTELLS, 2008, p. 22-23). 
A coincidência das interpretações só aponta diferenças quando Castells delimita as identidades primárias para sustentar o tempo e espaço. A partir da identidade coletiva de um grupo originado do processo histórico compartilhado dos atores, três hipóteses foram levantadas, a saber: 1) identidade legitimadora pelas instituições dominantes; 2) identidade de resistência para posições desvalorizadas; 3) identidade de projeto que transmuta valores e acende posições de status dentro da estrutura social. 
Em outra contextualização, Giddens (1994) relembra que a autoidentidade estaria ligada de alguma forma ao psíquico, em processos narcisistas, hedonistas e outros. Como lembra o autor, há dificuldade de unificar e compreender conceitos tão complexos como
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este, constituído, na modernidade, em transitoriedade para a pós-modernidade, pois “afora o sentido geral de se estar vivendo um período de nítida disparidade do passado, o termo com frequência tem um ou mais significados” (1994, p.52). Anthony Giddens faz uma crítica aos pós-modernistas que declaram o fim da história, pois, para ele, a compreensão da historicidade faz parte da modernidade e desconstruí-la passa a ser um exercício físico alegre, já que se vive na racionalização da modernidade (1994, p.56). 
Na sociedade moderna, as identidades (já múltiplas) estão correlacionadas ao hibridismo cultural a que Peter Burke (2003) se refere ao dizer que os esquemas culturais e os estereótipos formam estruturas de percepção e interpretação. Imagens e representações simbólicas advindas de outras esferas do local geram identidades multíplices. Neste cenário, a identidade juvenil ganharia contornos diversos em um ambiente reconfortado pela inserção midiática na vida cotidiana. Não é fácil, pois, situar-se em apenas um conceito sobre identidade, quando, na verdade, esse conceito está em crise. Stuart Hall (2000) comenta: 
Estamos observando, nos últimos anos, uma verdadeira explosão discursiva em torno do conceito de ’identidade’. O conceito tem sido submetido, ao mesmo tempo, a uma severa crítica. Como se pode explicar esse paradoxal fenômeno? Onde nos situamos relativamente ao conceito de ’identidade’? Está-se efetuando uma completa desconstrução das perspectivas identitárias em uma variedade de áreas disciplinares, todas as quais, de uma forma ou de outra, criticam a ideia de uma identidade integral, originária e unificada (HALL, p. 103). 
Como “ler” a identidade juvenil ou dos jovens de classe popular através de um conceito que esbarra em divergências tanto entre os próprios teóricos quanto na própria origem? Hall propõe agregar certos conceitos oriundos tanto da psicanálise de Freud (identificação) quanto da nova posição do sujeito oriunda de Foucault (prática discursiva) para gerar um novo significado ao termo identidade. 
Em termos mais gerais, a difícil compreensão do conceito de identidade poderá ser suplantada na medida em que se possa delimitar o contexto juvenil. Estando os jovens à margem da posição geracional, a discussão tem a saída estratégica que caminha na possibilidade de um conjunto de fatores que se tornam indispensáveis para a construção da
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identidade juvenil, como a família, a escola, os amigos, as redes online, a produção e o consumo cultural, “desse modo, qualquer investigação sobre as relações entre identidades e mídia necessita articular a experiência vivida (local) em diferentes classes sociais” (RONSINI, 2007, p.62). Paralelamente, a construção de identidades juvenis deverá permear os processos simbólicos dessa geração, tanto na produção quanto na circulação de significados. 
Assim, a passagem da sociedade de produção para a sociedade do consumo trouxe os processos de fragmentação da vida humana, o individualismo deu lugar ao pensamento coletivo, redefinindo o significado da própria existência humana. A questão da identidade assume um papel de extrema relevância para entender estes processos continuamente interligados à maneira de viver dos atores. Para Bauman (2001), em sua modernidade líquida, os atores têm de criar a sua própria identidade de um ponto zero e passar o resto da vida redefinindo-a. Os estilos de vida mudam constantemente, desta maneira, a adaptação de uma nova identidade é intrínseca às mudanças no espaço social, tanto no campo simbólico, como no social ou econômico. 
Segundo Ronsini (2012, p. 61-62), os debates latino-americanos têm como foco a remodelagem das identidades pelos processos comunicacionais, assim, dois aspectos merecem destaque, “o da heterogeneidade promovida pela globalização e o caráter híbrido das culturas”. 
Algo em comum na cultura juvenil popular nos dias de hoje é o uso do celular. O aparelho constantemente aparece em fotos de perfil das redes sociais em um autorretrato. Frequentemente, é usado por adolescentes como única forma de comunicação online nas redes e na maioria do tempo está atrelado ao corpo. Com a diminuição de impostos para aparelhos como smartphones, a popularização entre jovens da classe C foi rápida. A disseminação veloz do aparelho ganhou fama entre os jovens por alguns motivos: TV online, dual chip e acesso à rede wi-fi. Desta maneira, adolescentes com poucos recursos financeiros puderam ter, em um único aparelho, entretenimento e informação praticamente de graça. A possibilidade de ter dois chips em um celular ajuda os jovens a manobrarem com bônus das operadoras os minutos de ligação, envio de SMS e internet 3G.
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Para Ronsini (2012, p, 63), “as identidades se forjam em campos cercados pelo medo da violência, do tráfico e o desemprego, elas se forjam como sementes híbridas em campos cercados por estruturas determinadas, do local ao global”. 
Houve uma inclusão social de jovens de classe popular através do celular, pois estes passaram a estar mais conectados que antes; conteúdos foram gerados para as redes online, a visibilidade passou a ser uma busca interminável para uns, enquanto, para outros, o celular supre a solidão. Muitos destes aparelhos são contrabandeados de outros países, entrando de maneira ilegal no país, tendo o custo ainda mais reduzido, uma vez que geralmente são vendidos em camelôs. As funcionalidades do aparelho de celular serviram como inclusão social e digital àqueles que não tinham acesso a outras fontes de informação e comunicação. O Instituto Data Popular13 aponta que os jovens da classe C são mais conectados e menos conservadores que os pais. A pesquisa realizada desenhou o perfil de 23 milhões de jovens da classe popular e descobriu que a educação está em primeiro plano para estes jovens, o que aumenta a chance de a próxima geração mudar a cara do país. 
3.2. Juventude do Bolsa Família 
Sobre a educação, os indicadores revelam que, até o ano de 2010, cerca de 95% da população de Santa Maria era alfabetizada, com crescimento anual de 3,5% ao ano. O município, por abrigar a Universidade Federal (UFSM), figura no ranking do RS com as maiores taxas de alfabetização e escolarização, estando em 5º lugar. Santa Maria ainda conta com a 4ª melhor distribuição de renda do estado14. 
Cerca de 2.200 professores compõem a rede pública municipal e estadual de ensino, contemplando 43 mil alunos; apenas 13 mil estudantes são de escolas particulares e, para estes, há 750 professores. Em 2012, o Ministério da Educação15 liberou ao município programas de inclusão educacional, como cursos de educação continuada. O programa 
13 Jovens da classe C têm maior escolaridade, conexão à internet e são menos conservadores. Disponível em <http://oglobo.globo.com/economia/jovens-da-classe-tem-maior-escolaridade-conexao-internet-sao-menos- conservadores-8195394> 
14 Santa Maria em Dados. Disponível em < http://santamariaemdados.com.br/6-educacao/6-1-instituicoes-de- ensino-inicial-fundamental-e-medio/> 
15 Secretaria de município da educação – Santa Maria. Disponível em <http://www.santamaria.rs.gov.br/smed/>
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com direito à educação inclusiva e direito à diversidade busca contemplar quilombolas, indígenas, realçar relações étnico-raciais e alfabetizar adultos. O Programa que está em andamento em Santa Maria16, em várias escolas e grupos de gestores, tem como objetivo eliminar preconceitos e discriminação por sexo ou raça. Pessoas com orientação sexual, identidade de gênero, condição de deficiência, situação de pobreza, diversidade religiosa também são atendidas pelo programa de educação inclusiva. 
A Secretaria de Educação de Santa Maria ainda conta com o projeto “Programa de atendimento especializado municipal”, que visa suplantar problemas de aprendizagem, falhas cognitivas e distúrbios psicológicos. Desta maneira, a organização das escolas é repensada em seu aspecto de mudança estrutural e social. Promover o acesso e a permanência dos alunos na escola é a grande meta do projeto. A verificação do insucesso escolar por parte de alguns alunos de rede pública é analisada por profissionais e, mediante os resultados, um plano é traçado para solucionar o problema daquele aluno em particular, alguns dos entrevistados seguem acompanhamento psicológico dentro deste programa. 
Em 2012, 500 mil jovens foram matriculados em cursos de qualificação profissional. A previsão é que, até 2014, sejam matriculados um milhão de jovens através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), sendo que, hoje, são 1,6 milhões de jovens pertencentes ao Bolsa Família. Os cursos oferecidos variam entre 13 eixos de ensino que vão desde gestão de negócios, produção alimentícia e cultural, hotelaria, segurança do trabalho, etc. Cada eixo abrange uma quantidade de, no mínimo, dez cursos técnicos. 
Convênios entre o governo federal, estadual e municipal são traçados com o objetivo de melhor enquadrar o jovem à melhoria da qualificação profissional conforme a necessidade de cada região demográfica específica. Devidamente matriculado, o aluno poderá cursar durante e, posteriormente, aos cursos técnicos oferecidos pela escola e pelo município. 
16 No Município de Santa Maria/RS, a Secretaria Municipal de Educação tem investido em ações voltadas para a inclusão social, em que as escolas estão organizando-se e adaptando-se em sua estrutura física e organizacional para satisfazer as necessidades permanentes ou temporárias apresentadas pelos alunos.
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A distribuição desigual de renda aliada a condições vulneráveis de moradia e alimentação são o reflexo de um país que ainda busca suprir as necessidades básicas da população e perpetua a menor probabilidade de os jovens aumentarem seu capital cultural ou ascender a um status social mais elevado. Nesse contexto, em 2003, o governo Lula criou o Programa Bolsa Família para beneficiar famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade social. O governo unificou vários outros programas de assistência de governos anteriores como o Bolsa Alimentação, o Auxílio Gás, o Bolsa Escola e o Cartão Alimentação em um só programa, resultando o Bolsa Família. A ajuda de rápido acesso teve o intuito de suprir as necessidades financeiras mais urgentes. Para ser beneficiário do Programa, basta comprovar uma renda de até R$70,00 por pessoa ou de até R$140,00 para as famílias que possuem adolescentes de 16 a 17 anos. Para a família cadastrar-se no Programa, basta direcionar-se à prefeitura do município onde residem e realizar o cadastro no CadÚnico – Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal17. A seleção dos contemplados é feita pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Depois de a família ser aprovada, o representante recebe o cartão Bolsa Família pelos Correios ou o retira, pessoalmente, na Caixa Federal para cadastramento de senha. Referente à educação, as famílias com crianças de seis a 15 anos devem ser devidamente matriculadas em colégios públicos e comprovar uma frequência mínima de 85% da carga horária escolar. Maiores de 18 anos que moram na residência devem apresentar carteira de trabalho, identidade, CPF e título de eleitor e menores devem apresentar a certidão de nascimento e a frequência escolar. Em Santa Maria, cerca de 40 mil famílias recebem o auxílio do governo. 
Inspirado no programa brasileiro, o governo colombiano instituiu o “Más famílias en acción18”. Com os mesmos objetivos de erradicar a pobreza e estimular a educação, o benefício colombiano favorece três milhões de famílias que recebem cerca de R$150,00 por mês. A cobertura do programa estende-se a 1.102 municípios e contempla famílias com menores de 18 anos. Há uma flexibilidade maior quanto à Bolsa Família, na 
17 Disponível em <http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2010/01/21/cadunico> 
18 Más compromiso por la equidad. Disponível em <http://www.dps.gov.co/Ingreso_Social/FamiliasenAccion.aspx>
Usos do celular na vida dos jovens
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  • 1. 1 Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Programa de Pós-Graduação em Comunicação USOS E APROPRIAÇÕES DO CELULAR POR JOVENS DE CLASSE POPULAR DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Flora Ardenghi Dutra Santa Maria, RS, Brasil. 2014
  • 2. 2 USOS E APROPRIAÇÕES DO CELULAR POR JOVENS DE CLASSE POPULAR Flora Ardenghi Dutra Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Área de Concentração em Comunicação Midiática, Linha de pesquisa de Mídia e Identidades Contemporâneas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS) como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Comunicação. Orientadora: Profª. Drª. Veneza Veloso Mayora Ronsini Santa Maria, RS, Brasil. 2014
  • 3. 3 Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Programa de Pós-Graduação em Comunicação A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação de Mestrado USOS E APROPRIAÇÕES DO CELULAR POR JOVENS DE CLASSE POPULAR Elaborada por Flora Ardenghi Dutra Como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Comunicação COMISSÃO EXAMINADORA: ______________________________________ Veneza Veloso Mayora Ronsini, Drª. (UFSM) (Presidente/Orientadora) _____________________________________ Everardo Rocha, Dr. (PUC-RJ) ______________________________________ Sandra Rúbia da Silva, Drª. (UFSM) Santa Maria, 27 de maio de 2014.
  • 4. 4
  • 5. 5 “Não há nada que não se consiga com a força de vontade, a bondade e, principalmente, com o amor”. Marco Túlio Cícero “Eu acho importante compartilhar as minhas fotos para as outras pessoas saberem que eu existo”. Alice, 17 anos
  • 6. 6 Agradecimentos Ao concluir esta dissertação, desejo expressar meus sinceros agradecimentos àqueles que me auxiliaram nesta tarefa. Em primeiro lugar, agradeço à minha família, pois, sem sua ajuda, este trabalho não seria possível, e também por tudo o que fizeram por mim até hoje: à minha avó Maria, que desde sempre acreditou nos meus estudos; a meus pais, que nunca desistiram de acreditar no meu sonho em ser professora e aos meus irmãos, pelo apoio nesta longa jornada iniciada desde a Faculdade. Ao filósofo que me acompanha nas lutas diárias da vida, meu amor, Paulo Henrique, obrigada por todas as discussões acadêmicas que engrandeceram minha visão de mundo; À minha orientadora Veneza Ronsini, pois sem ela este estudo não teria sido possível; Aos meus amigos que, incansáveis, estiveram comigo nos momentos difíceis e nunca desistiram de proferir palavras de apoio: Grazi, Carina, Carlos, Richard, Josemar, Tauana, Sônia, Juliane; Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFSM, pelo aprendizado. À FAPERGS, pelo financiamento e incentivo à pesquisa; À escola onde realizei a pesquisa de campo e aos entrevistados. Aos pesquisadores internacionais que contribuíram de forma significativa em minha pesquisa, enviando-me livros de difícil acesso, críticas construtivas e apoio nessa jornada acadêmica: o filósofo francês e professor da Universidade de Grenoble, Gilles Lipovestky, pelo incentivo à docência; o sociólogo Claude Fischer, professor da Universidade de Berkeley, por enviar sua obra e pelas palavras de incentivo; a socióloga espanhola da Universidade Complutense de Madrid, Amparo Lasén, pelo interesse na pesquisa; e o professor da Universidade da Califórnia, Larry Rosen, pelo envio de sua obra como contribuição para meus estudos;
  • 7. 7 Aos professores e antropólogos da minha banca de qualificação, Sandra Rúbia da Silva e Everardo Rocha, pelas considerações que me permitiram lançar um novo olhar sobre minha pesquisa; Aos meus colegas de mestrado Camila, Carline, Alisson, Janayna e João, pelas palavras, dicas, e-mails e discussões sobre nossos objetos de estudo. Aos membros do grupo de pesquisa Mídia, Recepção e Consumo Cultural, pelo apoio constante. À Sandra e ao Filipe, por todas as sugestões pertinentes nos momentos mais difíceis. Em memória da melhor amiga do mestrado que partiu antes desta jornada chegar ao fim: Gabriela Santos. Este trabalho é por nós, nunca me esquecerei de você, minha eterna amiga e confidente.
  • 8. 8 RESUMO Dissertação de Mestrado Programa de Pós-Graduação em Comunicação Universidade Federal de Santa Maria USOS E APROPRIAÇÕES DO CELULAR POR JOVENS DE CLASSE POPULAR AUTORA: FLORA ARDENGHI DUTRA ORIENTADOR(A): VENEZA VELOSO MAYORA RONSINI Data e Local da Defesa: Santa Maria, 27 de maio de 2014. A presente pesquisa é um estudo dos usos e apropriações do telefone celular por jovens de classe popular. Procura-se identificar como os jovens da fração baixa da classe popular distinguem-se uns dos outros pelos usos do aparelho móvel no espaço escolar. A investigação enquadra-se na vertente dos Estudos Culturais, especialmente nas mediações de Martín-Barbero (2003) e na do consumo cultural de García Canclini (2010). Metodologicamente, o trabalho possui duas etapas exploratórias. Num primeiro momento, foram aplicados dois questionários, um via Facebook e outro intitulado “online”, bem como anúncios publicitários definidos com base no acervo digital da Revista Veja e de um acervo particular da Revista Superinteressante. O segundo estudo exploratório serviu para uma aproximação com o espaço escolar onde se aplicou a entrevista semiestruturada com dez estudantes. Destes, quatro serviram para compor a amostra. Na sequência, foi realizada uma etnografia no espaço escolar e no espaço doméstico com dez estudantes da Escola A, com idades entre 15 a 18 anos, residentes em Santa Maria/RS. Delimitou-se, ainda, um corpus com dez perfis dos entrevistados da rede social Facebook. A análise foi estruturada de modo a compreender como as mediações atuam na relação dos jovens com o celular. Nos resultados, analisou-se a mediação da socialidade, isto é, o uso do celular na família de classe popular e na escola; os conflitos gerados pelo seu uso nos dois espaços, bem como o celular como fator de distinção entre os estudantes. Quanto à mediação da ritualidade, observa-se o celular como organizador das práticas cotidianas. No que diz respeito à mediação da tecnicidade, observou-se uma forte presença do celular em cenas e contextos de filmes e telenovelas assistidos pelos jovens entrevistados. Essas representações são ressignificadas através da recepção transmidiática, ao produzirem conteúdo para as redes sociais. Os atores em posse do celular produzem conteúdo para as redes tanto na escola, no espaço público e no espaço doméstico. O celular acompanha os jovens desde o despertar até a hora de dormir, está presente na relação familiar e entre amigos. PALAVRAS-CHAVE: Celular. Classe Social. Consumo Cultural. Juventude.
  • 9. 9 ABSTRACT Master's Dissertation Graduate Program in Communication Federal University of Santa Maria USES AND APPROPRIATIONS THE CELLPHONE BY YOUNG PEOPLE CLASS POPULAR AUTHOR: FLORA ARDENGHI DUTRA TUTOR: Veneza Veloso Mayora Ronsini Date and Local of Defense: Santa Maria , May 27, 2014 The present inquiry is a study on the uses and appropriations of cellular phones by popular class youngsters. It aims to identify how the lower fraction of popular class young people distinguishes themselves from each other through the usage of the mobile device in school environment. The inquiry is enframed in the field of cultural studies, specially in Martín- Barbero's mediations and García Canclini's cultural consumption. In terms of methodology, the work consists of two exploratory stages. In the first stage, two questionnaires were applied, one via Facebook and another named "online", as well as the definition of advertisements based upon Veja magazine's digital repository and a personal collection of Superinteressante magazine. The second exploratory stage was used as an approach to the school environment, where a semi-structured interview was applied to ten students. Out of this ten, four were selected to compose the sample. Next, an ethnographic study was performed both in school and home environments, with a group of ten subjects, students from school A, between the ages of fifteen to eighteen years old, all residing in Santa Maria/RS. There was, also, the delimitation of a corpus of ten profiles from the Facebook social network. The analysis was structured in a way that leads to the comprehension of how mediations act in regards to the relation between youngsters and cell phones. In the results, the mediation of sociality was analyzed, ergo, the use of cellular phone into the popular class family and school: the conflicts raised by its usage in both environments, as well as the cell phone as a factor of distinction between the students. As for rituality mediations, the cell phone is observed as an organizer of daily practices. In regards to technicity mediation, a strong presence of cell phones was observed in scenes and contexts of films and soap operas being watched by the interviewed youngsters. These representations are reframed trough transmediatic reception, by producing content for the social networks. The actors who possess the cell phone produce content for the networks in both school, public and domestic environments. The cell phone accompanies the youngsters from the waking up call to the time they go to bed, and is present in both family and friend relations. KEYWORDS: Cellular; Social Class; Cultural consumption; Youth.
  • 10. 10 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01 Primeira propaganda de celular no Brasil 95 Figura 02 Principais celulares do século XX 97 Figura 03 Principais celulares do século XXI 98 Figura 04 Principais celulares do futuro 100 Figura 05 Conteúdo gerado pelo celular para a rede social Facebook 130 Figura 06 Emoticons para o celular 131 Figura 07 Meme do perfil da jovem Bianca 142 Figura 08 Meme do perfil da jovem Eliana 142 Figura 09 Filme Tropa de Elite – Capitão Nascimento 145 Figura 10 Imagem do filme O Diabo veste Prada 146 Figura 11 Personagem Félix ao celular 149 Figura 12 Meme da banda One Direction 157
  • 11. 11 LISTA DE TABELAS Tabela 01 Modelo de tipologia em entrevista 119 Tabela 02 Mediações: Tecnicidade, Ritualidade e Socialidade 123
  • 12. 12 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 01 Usos do celular 89 GRÁFICO 02 Significados do celular 90 GRÁFICO 03 Informações acessadas pelo celular 91
  • 13. 13 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 16 2. ESTUDOS CULTURAIS LATINO-AMERICANOS: CONSUMO E MEDIAÇÕES 22 2.1. Perspectivas do consumo 27 2.1.1. Consumo como distinção e comunicação por García Canclini 34 2.2. Mediações da Cultura: socialidade, ritualidade e tecnicidade 37 3. JUVENTUDE DE CLASSE POPULAR 41 3.1. Identidade juvenil de classe popular 45 3.2. Juventude do programa Bolsa Família 49 3.3. Tecnologias móveis no espaço escolar 55 4. CONSUMO DE TECNOLOGIAS MÓVEIS NA AMÉRICA LATINA 60 4.1. Estudos sobre o consumo de celular 69 4.2. As redes sociais e os aplicativos no celular 81 5. MÉTODOS DE PESQUISA 85 5.1. Estudo exploratório I 85 5.1.1. Questionário via Facebook 86 5.1.2. Questionário online 88 5.1.3. A história do celular a partir de reportagens e publicidades 93 5.2. Estudo exploratório II 101 5.2.1. Definição da amostra 101 5.2.2. Amostra 104 5.2.3. Perfil dos entrevistados 105
  • 14. 14 5.3. Imersão no campo 110 5.3.1. Método etnográfico 113 5.3.1.1. Observação Participante 115 5.3.1.2. Entrevista em semiestruturada em profundidade 118 5.4. Fase interpretativa: a análise dos dados 121 5.4.1. Perspectiva das mediações: socialidade, ritualidade e tecnicidade 123 6. USOS DO CELULAR POR JOVENS DE CLASSE POPULAR 124 6.1. Socialidade: família, escola e classe social 124 6.1.1. Família 124 6.1.2. Escola 128 6.1.3. Classe Social 131 6.2. Tecnicidade: as representações do celular na mídia 139 6.2.1. Transmidiação e as redes sociais 141 6.2.1.1. O celular e a produção cinematográfica 144 6.2.1.2. O celular e as telenovelas brasileiras 148 6.3. Ritualidade: uso e distinção social pelo celular pelos jovens de classe popular 151 6.3.1. Os usos do celular pelos jovens de classe popular na escola 152 6.3.2. Distinção social pelo celular 159 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS 163 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 168 APÊNDICES Apêndice 01 – Estudo exploratório I 181 Apêndice 02 – Estudo exploratório II 183 Apêndice 03 – Entrevista semiestruturada 191 Apêndice 04 – Questionário online 195
  • 15. 15 Apêndice 05 – Termo de consentimento livre e informado 198 Apêndice 06 – Autorização dos pais para a entrevista 199 ANEXOS 200
  • 16. 16 1. INTRODUÇÃO O Brasil encerra o ano de 2013 com 270 milhões de celulares1, ultrapassando o número de habitantes no país, pois, para cada 100 pessoas, há 135 telefones celulares. Com a disseminação da Internet, o celular geralmente vem equipado com funcionalidades que permitem ao usuário acessar a rede online a qualquer hora e em qualquer lugar, através das redes Wi-fi ou 3G/4G. Desta maneira, a conectividade tem favorecido a existência de um ambiente midiático em construção permanente, cujo cenário principal passa ser o cotidiano dos indivíduos. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) em 2013, o acesso à Internet por jovens entre 15 e 17 anos aumentou em 76,7% relacionado ao acesso à rede online pelo telefone móvel. A prova da inserção do celular na vida dos adolescentes é o grande número de acessos na escola e no núcleo familiar. As práticas sociais associadas aos telefones celulares circundam o globo em uma complexidade de apropriações que merecem ser discutidas. Pode-se verificar que os usos do celular como prática social estão sendo capturados pelas pesquisas de algumas áreas como Antropologia e Sociologia (SILVA, 2010; CASTELLS, 2007; HORST, MILLER, 2006; KATZ, AAKHUS, 2002; LASÉN, 2005; LING, 2004). A pesquisa justifica-se pela atualidade e importância com que os aparatos tecnológicos estão permeando as relações sociais, tornando-se indispensáveis nas interações comunicacionais e em diversas atividades humanas (despertar, cronometrar, calcular, localização geográfica, fotografar, gravar conversas, entre outros). Possuir um telefone móvel se tornou um imperativo na sociedade do consumo, tanto para comunicar- se com outras pessoas, seja através de chamadas (fala) ou SMS (mensagem de texto), seja na produção de conteúdo para as redes online. Sendo assim, na busca por trabalhos referentes ao telefone celular no portal de periódicos e banco de teses da CAPES e no portal de Domínio Público de teses e dissertações, observam-se poucos estudos da última década (cerca de 40). Os estudos realizados no Brasil, em sua maioria, são dissertações de mestrado nas áreas de administração, comunicação, design, psicologia, educação e informática. No contexto 1 Estatísticas de celulares no Brasil. Disponível em <http://www.teleco.com.br/ncel.asp>.
  • 17. 17 geral, as dissertações versam sobre as funcionalidades do aparelho e suas repercussões no mercado, envolvendo consumidores (jovens, adultos e idosos) e fabricantes (empresas de tecnologia móvel, designers e programadores de softwares). Nos últimos quatro anos, cinco teses nas áreas de Engenharia, Comunicação e Antropologia buscam novos olhares para o aparelho móvel, redimensionando a importância dos celulares na vida cotidiana da sociedade moderna. Na área da Comunicação, os trabalhos referentes ao celular discorrem sobre diferentes temas/objetos: análise semiótica das marcas das operadoras de telefonia móvel; construção audiovisual a partir da mobilidade; entretenimento online em locais públicos; readaptação do jornalismo na era móvel; funcionalidades do aparelho e significação simbólica a partir do design. Portanto, há uma lacuna de estudos empíricos acerca dos usos do celular. É ausente estudo da classe popular juvenil a partir das tecnologias móveis, suas práticas e usos. Em vista dessa realidade, esta investigação se propõe a contribuir no desenvolvimento das pesquisas sobre os usos do celular pela juventude de classe popular, em uma aproximação com o espaço escolar. O problema de pesquisa consiste em questionar de que modo a classe social conforma os usos do telefone móvel no cotidiano de jovens de classe popular. O eixo teórico desta pesquisa são os estudos culturais latino-americanos, mais especificamente, a perspectiva da construção de identidades contemporâneas mediadas pelos meios de comunicação (Escosteguy, 2010, p. 20). O objetivo geral da investigação é compreender os usos e apropriações da tecnologia móvel de celular por jovens da fração baixa de classe popular. Os objetivos específicos do estudo são: a) investigar as relações sociais dos jovens no espaço escolar mediadas pelo celular; b) descrever os usos e apropriações do celular no espaço escolar e no espaço doméstico; c) observar os conteúdos compartilhados no Facebook via celular. Na fase da observação, para compor a primeira amostra - a fim de avaliar o impacto do celular na cultura juvenil -, iniciou-se o primeiro estudo exploratório com vinte e cinco jovens de distintas classes, composto de um questionário com 29 questões via Facebook e um questionário online contendo 45 questões sendo aplicado em dois momentos distintos da construção da pesquisa. Além disso, foi feita uma pesquisa nos
  • 18. 18 acervos das revistas Veja e Superinteressante sobre as primeiras publicidades do celular no Brasil. No segundo estudo exploratório, definiu-se a amostra da pesquisa e descreveu-se o perfil dos entrevistados. Concluídos os estudos exploratórios I e II, a seleção da amostra de dez alunos foi definida com base na manifestação do interesse de alguns em participar da pesquisa, na disposição deles em debater sobre o celular e suas representações, na família, na escola e no grupo de amigos. Cinco rapazes (Alex, Bruno, César, Diogo e Eduardo) e cinco moças2 (Alice, Bianca, Cláudia, Denise e Eliana) foram acompanhados durante três trimestres no espaço escolar, em espaços públicos e no ambiente doméstico. O quadro teórico de referência para interpretação dos dados empíricos baseia-se nas mediações de Martín-Barbero (2003): socialidade, ritualidade e tecnicidade, que compõem o mapa das mediações. A socialidade, gerada nas tramas das relações cotidianas (escola, família, amigos), resulta nos modos e usos coletivos de comunicação; a ritualidade manifesta-se nos diferentes usos dos meios, nas condições sociais e educacionais (consumo de telefone celular pelos jovens de classe popular); a tecnicidade diz respeito à conexão com os meios no cenário da globalização – redes sociais móveis e consumo de mídia. O primeiro capítulo é introdutório e apresenta a justificativa da pesquisa, os objetivos gerais e específicos, bem como o problema de pesquisa. Busca introduzir o leitor ao tema a ser apresentado nos capítulos seguintes desta dissertação. No capítulo 02, apresenta-se o eixo teórico que norteia esta dissertação. Parte-se dos Estudos Culturais Latino-americanos e sua perspectiva em entender a construção das identidades contemporâneas mediadas pelos meios de comunicação, especialmente o celular. Tendo como eixo teórico os estudos culturais latino-americanos, as perspectivas comentadas de García Canclini merecem destaque ao apontar as seis proposições acerca do consumo: a) consumo como reprodução da força do trabalho e da expansão do capital; b) consumo como apropriação dos grupos e classes sociais; c) consumo como distinção simbólica; d) consumo como comunicação; e) consumo como desejo; f) consumo como ritual. 2 Os nomes dos entrevistados são fictícios. O colégio será denominado como Escola A para preservar o nome da instituição de ensino.
  • 19. 19 Nesta dissertação, destaca-se o consumo como comunicação e como distinção simbólica. É a partir desses apontamentos que se interpreta o consumo como distinção e comunicação no capítulo empírico relacionado às categorias de análise, as quais são elaboradas a partir das mediações ritualidade, socialidade e tecnicidade. Entende-se que o consumo seja uma área ampla da pesquisa acadêmica e que, muitas vezes, os conceitos abordados por Canclini se articulam com os pensamentos de autores como Mary Douglas e Baron Isherwood (2006); Pierre Bourdieu (2007); Colin Campbell (2001); Thorstein Veblen (1983); Rocha (2005); Barbosa (2004); Slater (2001), compondo o referencial teórico sobre o consumo. O terceiro capítulo da dissertação é dedicado ao contexto juvenil de classe popular, buscando identificar as características individuais e coletivas no meio familiar e escolar. Mesmo que a questão de classe tenha perdido força nos embates teóricos dos estudos culturais, dando lugar às questões de gênero, de representações e de identidades, entende-se a condição de classe como um parâmetro para analisar os modos de vida dos jovens de classe popular e as distinções simbólicas dentro da fração de classe popular aqui considerada. Dos estudantes entrevistados, seis revelaram pertencer ao Programa Bolsa Família, por isso, uma contextualização sobre o programa de transferência de renda direta foi necessário para se entender o acesso aos bens e à educação destes jovens. Assim, as identidades dos estudantes de classe popular contextualizam as diferenças estabelecidas com outros grupos sociais, como propõe Woodward (2012). As marcações simbólicas e as representações sociais também podem ser verificadas dentro do espaço escolar, em seus dilemas, retrocessos e avanços. O quarto capítulo apresenta um panorama das tecnologias móveis na América Latina, seus consumidores e fabricantes. Aborda-se a circulação do celular pela classe popular como um objeto de desejo e distinção na era digital e discute-se a interação proporcionada por este aparelho no espaço escolar, muitas vezes servindo de auxílio em pesquisas escolares e outras vezes atrapalhando a atenção em aula. Como o governo e a classe dos professores estão lidando com o tema que tem sido cada vez mais presente é o grande debate que se desenvolve neste capítulo.
  • 20. 20 O celular tem uma historicidade que não ultrapassa meio século e, neste contexto, alguns pesquisadores inauguraram os estudos sobre este objeto de história recente. Claude Fisher (1992) escreve a obra America Calling: a social history of the telephone to 1940 e relata o surgimento do telefone fixo nos Estados Unidos. Posteriormente, os estudiosos James Katz e Mark Aakus (2002) organizam um livro com vários investigadores sobre o impacto do celular no globo. Daniel Miller e Heart Horst (2006), em um estudo antropológico, dedicaram-se a avaliar o impacto dos telefones na Jamaica, assim como a pesquisadora Sandra Rúbia da Silva, investiga, em um bairro de classe popular em Florianópolis, as apropriações e representações do aparelho pelos moradores. Outros pesquisadores seguem desenvolvendo estudos sobre a tecnologia móvel e seus impactos na sociedade, como é o caso de Rich Ling (2004), Castells (2007), Lasén (2013). O estado da arte, desde o ano de 2001, encerra o Capítulo com os trabalhos relevantes em diversas áreas realizados no Brasil, basicamente teses de doutorado e dissertações de mestrado. Busca-se, ainda no quarto capítulo, entender como as tecnologias móveis estão adentrando as salas de aula e como a política (a partir de 2007), através de projetos de leis, está proibindo o uso em escolas, como no caso do Rio Grande do Sul. Em 2008, a governadora Yeda Crusius, através do Ministério Público, aprovou e sancionou a Lei 12.884, que proíbe a utilização dos celulares nos estabelecimentos escolares. Divergências entre teóricos mostram que o debate sobre os usos do celular na escola ainda está longe de achar uma solução, tanto para professores quanto para alunos. O quinto capítulo é dedicado a explorar a metodologia empregada nesta investigação. Os estudos exploratórios I e II dão suporte para o aprofundamento e o recorte do objeto. Para entender como o celular está sendo usado pelos jovens de classe popular, foi necessário o levantamento de dados quantitativos e qualitativos. No primeiro estudo exploratório, a aplicação de dois questionários foi necessária para delinear a geração e o recorte de classe. A aplicação dos questionários serviu como pano de fundo para entendimento de como os jovens veem e se reportam à mídia através do celular. A transmidiação que aparece no questionário online foi um começo para se entender como a tecnicidade está se ressignificando neste início de século.
  • 21. 21 O segundo estudo exploratório foi qualitativo, com entrevista semiestruturada, e serviu para adentrar no universo da cultura popular juvenil. Aliada aos estudos exploratórios se definiu o universo da amostra e a imersão de campo. A pesquisa tem como método qualitativo o enfoque etnográfico e a técnica da observação participante, pois, como afirma Travancas (2011, p. 98), a etnografia é um método descritivo de vários aspectos sociais e culturais de um grupo social, como no caso desta pesquisa, envolvendo os jovens de baixa renda e a utilização do celular no espaço escolar. A busca pela antropologia visa compreender e apreender como o trabalho de campo será interpretado a partir de questões sociais e práticas culturais, pois o trabalho do etnógrafo consiste em deslocar-se a partir do movimento da sociedade e, neste estudo, busca-se verificar como os usos do celular estão mediando as interações entre escola, família, amigos e classe social. Após ter realizado o levantamento bibliográfico, a elaboração do diário de campo foi fundamental para organização das observações e funcionou como um “registro descritivo” de todas as práticas presenciadas na escola. Não houve rigidez quanto à observação participante, uma vez que muitos convites para “rolezinhos” em shoppings e lanches na escola na hora do intervalo foram aceitos pela pesquisadora. O capítulo seis contém as análises dos dez entrevistados através do trabalho etnográfico inclusas nas interpretações das categorias empíricas socialidade, tecnicidade e ritualidade, combinadas com os enfoques sobre o consumo - de García Canclini e Pierre Bourdieu -, e outras fontes bibliográficas citadas no decorrer da investigação. Na socialidade, a transmissão do capital cultural dos pais aos jovens recai sobre a visão de mundo, os valores morais e a tradição que converge na constituição do núcleo familiar, no término dos estudos e impacta num desconhecimento das tecnologias móveis e redes sociais, como o uso do celular. Na tecnicidade as redes sociais e novas formas de audiência ressignificam o receptor em fan pages, grupos de produção de conteúdo ou na interação com os programas de televisão. Nas considerações finais, cabem discussões sobre os caminhos percorridos nesta pesquisa e caminhos futuros a serem desenvolvidos.
  • 22. 22 2. ESTUDOS CULTURAIS LATINO-AMERICANOS: CONSUMO E MEDIAÇÕES Os estudos culturais abarcam discursos múltiplos, bem como numerosas histórias distintas. Compreendem um conjunto de formações, com as suas diferentes conjunturas e momentos do passado. (Stuart Hall, 2006, p. 31). Assim como o interesse dos britânicos do CCS pelo entendimento das lutas de classes, do poder institucionalizado e da cultura elitizada entre 1950 e 1960, os pensadores latino-americanos voltaram sua atenção aos processos comunicacionais que emergiam a partir de 1980. Na revisão ampliada da obra Cartografias dos Estudos Culturais – uma versão latino-americana (2010), Escosteguy verifica o crescimento exponencial dos EC na América Latina desde a primeira edição da obra, em 2001, “sendo reforçado, sobretudo pela circulação mais ágil de bibliografia inglesa, mas também pela tradução de obras importantes e, claro, pela formação de pesquisadores que se vincularam a esse programa de pesquisa” (ESCOSTEGUY, 2010, p. 12). No início dos anos de 1980, destacam-se os pensadores Martín-Barbero e García Canclini. As articulações das análises culturais destes pensadores logo passaram a ser mediadas pela interdisciplinaridade, entrecruzando a filosofia, a comunicação e a antropologia. Como início dos debates latino-americanos, também estava a discussão entre cultura e comunicação. Escosteguy (2010, p. 20) delimita os três eixos teóricos de relevância na perspectiva latino-americana: 1) as relações entre cultura e ideologia; 2) análise da cultura popular; 3) construção de identidades contemporâneas mediadas pelos meios de comunicação. Como afirma Lopes (1990), os esforços para a elaboração de uma teoria e metodologia latino-americana iniciou-se na década de 1980. O livro Pesquisa em Comunicação – Formulação para um Modelo Metodológico (LOPES, 1990), trata de organizar e traçar como a Comunicação é estudada no país, suas nuances, dificuldades e trajetórias a serem percorridas. Já no final dos anos de1990, os estudos sobre recepção e consumo cultural impulsionaram uma vertente de pesquisadores latino-americanos a ampliar os estudos culturais.
  • 23. 23 A Recepção e os Estudos Culturais estão intimamente ligados na América Latina, mas outras áreas merecem destaque. A busca por uma metodologia qualitativa ganhou espaço no decorrer das décadas, e a etnografia ganhou destaque na compreensão da globalização e dos fenômenos da revolução digital por aproximar os agentes das especificidades de cada espaço social. Segundo Guber (2001), a etnografia, nos tempos atuais, ajuda a descrever e explicar a própria globalização. Para Orozco e González (2011, p. 31), a integração dos métodos quantitativo e qualitativo deveria ser complementar, pois, para os investigadores, “a dimensão dos fenômenos sociais se entenderia melhor, se identificariam as explicações que os sujeitos dão a essas dimensões”. Conforme os autores, a tendência contemporânea é explorar objetos complexos com diversos métodos e ferramentas. É neste sentido que os estudos culturais latino-americanos caminham. Pesquisas de recepção e consumo cultural articulam cada vez mais ferramentas e métodos para uma melhor interpretação. Mesmo com o início das atividades dos Estudos Culturais latino-americanos na busca por entender identidades e os processos que adentravam na América Latina, atualmente os estudos de recepção buscam o entendimento de um novo fenômeno: a transmidiação3. O receptor passa a situar-se em um novo cenário, agora, móvel e conectado. Para Lopes, é “a lógica da sociedade multiconectada, que traz, especialmente por meio do uso do computador e do celular, o acesso às novas mídias digitais novas formas de ação e novos meios de comunicação, permitindo novos modos de interação” (2011, p. 02). Com a Internet, os dispositivos móveis e as redes sociais digitais tornam-se experimentos para audiências, relações sociais, poder de distinção e, ainda, servem para a construção de novas identidades. Lopes (2011), Martín-Barbero (2009) e Canclini (2013) direcionam novos apontamentos para este processo emergente. Novas agendas 3O Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva (OBITEL) é formado por 11 países, conta com pesquisadores da Venezuela, Uruguai, Portugal, Peru, México, Estados Unidos, Espanha, Equador, Colômbia, Chile, Brasil. Os coordenadores gerais são os pesquisadores Guilhermo Orozco Gómez e Maria Immacolata Vassallo de Lopes. O objetivo da rede destes pesquisadores é o intercâmbio de conhecimento e construção de novos caminhos para pesquisas ligadas à área de análise.
  • 24. 24 metodológicas surgem para dar conta dos fenômenos que vivenciamos em uma multiplicidade de códigos e significados. Há pouco tempo restrito às classes socioeconômicas privilegiadas, esse mundo digital chega aos que têm menor poder aquisitivo e cria massa de consumo para essas tecnologias. Dentre outros fatores, isso decorre muito especialmente da competitividade tecnológica e dos usos da tecnicidade (LOPES, 2011, p. 2). Vê-se uma crise da temporalidade, ou seja, os meios como a televisão, o rádio ou o impresso terão profundas mudanças em poucos anos com a ascensão da Internet, “temos acesso a tantas coisas e tantas línguas que já não sabemos o que queremos. Hoje há tanta informação que é muito difícil saber o que é importante” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 3). Scolari (2008) aborda a convergência das propriedades que distinguem as novas formas de comunicação, que são novas formas de linguagens e meios. A dimensão interativa dos meios digitais que Lopes e Martín-Barbero comentam está presente no conceito do hipertexto, pois, ao se interagir e atuar na rede online, surgem as hipermediaciones. Para Scolari, as hipermediaciones são “processos de intercâmbios, produção e consumo simbólico que se desenvolvem em um entorno caracterizado por uma grande quantidade de sujeitos, meios e linguagens interconectadas tecnologicamente de maneira reticular entre si” (2008, p. 113). Em maio de 2013, García Canclini4 apresentou na Espanha, no MediaLab Prado, um ponto crucial para a compreensão nas pesquisas em comunicação: a globalização opaca. Para o autor, a transnacionalização dos mercados torna-se uma instância onde se condensa o poder. Hoje, vive-se em uma intensa interculturalidade internacional, migrações, redes digitais, etc., por isso há uma necessidade de verificar as autonomias antigas das políticas nacionais. Para Canclini, outra mudança significativa que temos é da videopolítica nacional para uma digitalização deslocalizada. Nos anos de 1970 e 1980, existia uma enorme literatura sobre a videopolítica, como, por exemplo, a construção retórica, os discursos na 4 Comunicação, cultura e cidadania. Uma conversa com García Canclini. Disponível em < http://medialab-prado.es/article/comunicacion_cultura_y_ciudadania>.
  • 25. 25 televisão, as formas de comunicação que condicionavam os eleitores, os comportamentos das audiências, a formação de opinião; assim a crítica social e política eram de suma importância para a construção nacional de cada país, e muito pouca importância tinha a digitalização localizada. Hoje acontece uma ressignificação através das redes digitalizadas, onde se tem localizações oportunistas, com alianças publicitárias ou empresárias locais, ou pela publicidade adaptada para os hábitos e costumes regionais. Para o antropólogo, essa expansão das redes digitalizadas aumenta a opacidade do poder, e os cidadãos, hoje consumidores, são cada vez mais transparentes para os sistemas de vigilância, de programação digital. Sabe-se de tudo o que compram, a preferência sexual, o que fazem, e a futura reação ao mal-estar político. Os estudos culturais latino-americanos buscam, no início do século XXI, interpretar a globalização com suas balizes digitais; identificar as mudanças do local para o global; analisar a constituição das redes digitais e a utilização dos meios nas narrativas comunicacionais; compreender a ressignificação das identidades e da cultura popular, sendo os meios de comunicação como principal aporte cultural das massas e a escola como desafio às novas tecnologias da informação. Relativamente novo no cenário das Universidades latino-americanas, os Estudos Culturais encontram dificuldades na afirmação de teoria única, não sendo um campo fácil de análise, construção e interpretação. Em um diálogo constante com o culturalismo/estruturalismo, base/superestrutura, cultura/ideologia, os estudos “continuam a sustentar a promessa de uma teoria materialista da cultura” (HALL, 2006, p. 148). Em 2004, o sociólogo Renato Ortiz levanta a problemática de operacionalização dos Estudos Culturais no país: No que toca ao Brasil, parece-me que a penetração dos Estudos Culturais se faz pelas bordas, ou seja, para utilizar uma expressão de Bourdieu, na periferia do campo hierarquizado das ciências sociais, particularmente nas escolas de comunicação (o que certamente demonstra o conservantismo de disciplinas como sociologia, antropologia, literatura). Entretanto, nenhuma delas se propõe a modificar o seu estatuto institucional (ORTIZ, 2004, SP).
  • 26. 26 Atualmente, a Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH) é a única que oferece o mestrado em Estudos Culturais5 no Brasil. Em sua área de interesse, “os estudos culturais contribuem para a crítica das disciplinas e saberes consagrados, indagam sobre os modos como se vêm produzindo historicamente as pedagogias, as ciências e sobre que interesses subjazem a elas” (PPEC, 2012). Assim, o mestrado oferecido pela USP possui apenas uma área de concentração que contempla a sociedade em suas práticas e saberes (marginalizados) e o entendimento de proposições já institucionalizadas que colaboram para o status quo, sendo questionadas por teorias críticas. O programa está dividido em quatro linhas de pesquisas: cultura, política e identidades; crítica da cultura; cultura e ciência; cultura, educação e saúde. De interesse para o programa, os projetos contemplados pelas quatro linhas abrangem migrações, multiculturalismo, cidadania, gênero, raça, etnia, indústria cultural, literatura de viagens, ficção científica, hibridismo, compreensão da saúde, etc. Por fim, a nomenclatura do título é de Mestre em Filosofia. Para Ortiz (2004), os Estudos Culturais representam, mesmo com as dificuldades constitutivas e de inserção no Brasil e na América Latina, o avanço das ciências sociais na multidisciplinaridade, não como o “fim das fronteiras”, mas no andamento das reflexões políticas, religiosas, dos movimentos sociais e da mídia. Em contrapartida, Heloisa Buarque de Hollanda é a atual coordenadora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea6 fundado em 1994. Com o projeto Os Estudos Culturais, seus limites e perspectivas: o caso da América Latina, a pesquisadora busca mapear e analisar o quadro de transformações dos paradigmas teóricos e epistemológicos latino-americanos. Segundo ela, Os estudos Culturais na América Latina mostram hoje uma clara originalidade, de impacto internacional, em função do encaminhamento que vem propondo para temas como a tensão entre a cultura local e global, o papel da cultura no mercado de bens simbólicos e a busca de novos modelos e conceitos operacionais que deem conta da complexidade da produção cultural transnacionalizada (HOLLANDA, 2010, SP). 5O Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da EACH-USP ainda não conta com produção bibliográfica para discussão e análise, pois iniciou seu curso no ano de 2012. 6 PACC, disponível em <http://www.pacc.ufrj.br/o-pacc/>
  • 27. 27 Problematizando a temática, o projeto concentra as produções existentes de vários contextos acadêmicos regionais, como imaginários urbanos e novas tecnologias, e examina algumas lógicas em curso da produção do conhecimento. Como objetivo, tenta promover a conexão crítica das novas teorias sobre a “globalização latina”. Nas últimas décadas, os Estudos Culturais ganharam um fôlego novo para as pesquisas acadêmicas. A difusão digital e as novas tecnologias introduziram uma multiplicidade de análises e conteúdos a serem estudados, tanto pela cultura digital quanto pelos usos de novas tecnologias móveis no cotidiano dos indivíduos. Para Escosteguy, “seria um equívoco reduzir o projeto dos Estudos Culturais a um modelo de comunicação, pois os questionamentos propostos por essa tradição extrapolam o campo da comunicação” (2002, p. 151). 2.1. Perspectivas do consumo São inúmeras as áreas que debatem o consumo como chave da sociedade contemporânea: Marketing, Economia, Comunicação, Antropologia, Psicologia, etc.. Para a abordagem antropológica do consumo, Rocha e Barros (2006) argumentam que nem o dinheiro, nem a razão prática, nem a lógica econômica explicam os diferentes significados do consumo (2006, p. 37). Seria errôneo reduzir o consumo apenas à circulação da produção e às apropriações simbólicas. Contribuindo com o debate, Barbosa (2004) defende que a sociedade do consumo é um dos rótulos utilizados para denominar a sociedade moderna. Segundo Barbosa, fica clara a distinção em duas linhas teóricas distintas (moderna e pós-moderna) que trabalham o consumo e/ou a cultura do consumo: “[...] devemos ter clara a distinção entre sociedade e cultura porque, para muitos autores – Frederic Jameson, Zygmunt Bauman, Jean Baudrillard e outros – a cultura do consumo ou dos consumidores é a cultura da sociedade pós-moderna” (2004, p. 10). Um exemplo da visão pós-moderna do consumo vê-se em Featherstone (1995), ao dizer que a noção da utilidade, de origem racionalista e econômica, relacionada aos bens, deve dar lugar aos valores e sentidos (1995, p.40). Deste modo, o “consumo surge como sistema que será a ordenação dos signos e a integração do grupo” (1995, p. 91).
  • 28. 28 Mais adiante, Barbosa (2004) menciona a outra vertente que trabalha o consumo na versão não pós-moderna: “por outro lado, autores como Don Slater, Grant McCracken, Colin Campbell, Pierre Bourdieu e Mary Douglas investigam o consumo de forma altamente relevante” (2004, p. 12). Na definição de Rocha (2006), o consumo apresenta três enquadramentos: Em geral, quando se fala em consumo (sobretudo do âmbito da mídia), o discurso proferido o faz partir de alguns enquadramentos preferenciais. O consumo pode ser explicado como essencial para a felicidade e realização pessoal, em um enquadramento hedonista. Pode ser explicado a partir de um enquadramento moralista, no qual o tom denunciatório e o consumo são responsabilizados por diversas mazelas da sociedade. Pode ser ainda explicado num enquadramento naturalista, ora atendendo a necessidades físicas, ora respondendo a desejos psicológicos (ROCHA, 2006, p. 10). Segundo Douglas e Isherwood (2006), os primeiros estudos sobre o consumo discorriam sobre a necessidade material do bem-estar, do bem-estar psíquico e do exibicionismo. Assim, A teoria da classe ociosa de Thorstein Veblen (1983) identifica as apropriações “a partir do progresso industrial como competição pelo aumento do conforto de vida, principalmente pelo aumento dos confortos físicos que o consumo de bens proporciona” (VEBLEN, 1983, p. 16). Progressivamente, a acumulação de bens resulta, segundo Veblen, na distinção social, conferindo respeitabilidade. A vida ociosa acontece pela simples abstenção da atividade produtiva, e o ócio conspícuo perpetua a manutenção das boas maneiras, de uma educação de gosto e “da sensibilidade relativamente aos artigos que se devem consumir e aos métodos de seu consumo” (VEBLEN, 1983, p. 27). Charles Baudelaire, ao escrever Sobre a modernidade, retrata o que Veblen enunciava: O homem rico, ocioso e que, mesmo entediado de tudo, não tem outra ocupação senão correr ao encalço da felicidade; o homem criado no luxo e acostumado a ser obedecido desde a juventude; aquele, enfim, cuja única profissão é a elegância, sempre exibirá, em todos os tempos, uma fisionomia distinta, completamente à parte (BAUDELAIRE, 1997, p. 51). Colin Campbell (2001, p. 58) afirma que não há estudos satisfatórios que deem conta da revolução do consumo. Para o autor, os estudos de Thorstein Veblen concentram grande parte da análise relacionada à revolução do consumo, mas pecam pela influência do
  • 29. 29 utilitarismo, concentrando-se “quase que exclusivamente nas questões do status social” (CAMPBELL, 2001, p. 76). Rocha e Barros (2006) acreditam que Veblen ultrapassou a visão utilitarista, acrescentando um olhar cultural para o consumo, assistindo a fenômenos e práticas do ócio conspícuo. Partilhando a mesma linha estão Douglas e Isherwood (2006, p. 65). Para os autores, o que a classe ociosa faz é transmitir em comportamentos o reconhecimento de construções significativas reguladas em códigos das boas maneiras, gosto, educação, etc. Para Canclini (1997) – na vertente dos estudos culturais latino-americanos –, a produção de fenômenos sociais, como o consumo, contribui para a reelaboração simbólica das estruturas materiais. Assim, os agentes dentro do sistema social elaboram alternativas para transformações culturais, sociais e políticas. Mas nem todos os agentes configuram as apropriações dos bens de maneira igualitária. Aprofundando a compreensão das classes populares, Canclini destaca que os menos favorecidos participam de um processo desigual dos bens econômicos e culturais, assim a reprodução simbólica será das condições próprias do trabalho subalterno e da defasagem educacional, verificável na própria construção identitária do espaço social. Para explicar a cultura popular, Canclini (1997) apresenta três aspectos: 1) apropriação desigual do capital cultural; 2) elaboração própria de um sentido de vida desprovido de privilégios; e 3) uma interação conflituosa com os setores hegemônicos (CANCLINI, 1997, p. 62). Assim, a circulação dos bens e o consumo perpassam o ambiente de trabalho, a escola e a família, organizando práticas sociais subordinadas à produção e gerando codificações distintas entre as classes. Para o autor, “a reprodução e a diferenciação social se realizam por uma participação estruturada de distintos setores sociais nas relações de produção e consumo” (CANCLINI, 1997, p. 67) e assim se originam classes distintas e formas diversas de cultura. Ronsini (2012), ao estudar a problemática do consumo juvenil pelo método antropológico, acredita que a globalização faz repensar as relações que estão produzindo as práticas sociais, tanto na mídia quanto na vida cotidiana. Para a autora, No Brasil, por exemplo, a formação de uma cultura adolescente-juvenil baseada nos bens de consumo ofertados pelos meios de comunicação se gesta nos anos de 1960, encontrando expressão em dois movimentos culturais, o Tropicalismo e a
  • 30. 30 Jovem Guarda, em sintonia com a internacionalização e modernização das camadas jovens da população (RONSINI, 2012, p. 49). O cenário no século XXI é distinto para Rocha e Pereira (2009), segundo os quais os jovens de hoje estão entrelaçados por produtos high tech, como o celular, fones de ouvidos, notebooks. Para os autores, o consumo marca a adolescência pelas apropriações de gadgets: Esses gadgets, seja na forma de notebooks ou de tocadores de mp3, estabelecem novas formas de sociabilidade, reforçam laços de afinidade, expandem as redes sociais para níveis globais, criam múltiplas identidades, fazem circular rapidamente o conhecimento, promovem entretenimento, transferem informações. Neste processo, os bens de consumo – no caso, os gadgets – são fundamentais, estabelecendo fronteiras, definindo territórios, significando, através do consumo, quem é próximo e quem é distante (ROCHA; PEREIRA, 2009, p. 59-60). Desta maneira, tanto para Ronsini (2012) quanto para Rocha e Pereira (2009), o sistema de hierarquia é mantido e adaptado ao sistema para renovar e manter a ordem social. Mesmo com a informatização de muitos serviços, recorre-se ao sistema simbólico para participar e consumir na sociedade. Canclini aponta que “o simbólico não é algo que sucede nas universidades, nos consultórios psicanalíticos, em museus de arte. O simbólico é algo que está incerto, como uma parte necessária, no desenvolvimento da produção material atual” (CANCLINI, 1997, p. 69-70). Nesta pesquisa filiada aos Estudos Culturais latino-americanos, delineia-se o consumo cultural sistematizado por García Canclini (1992) a partir de inúmeras referências bibliográficas, que serão expostas a seguir. a. Consumo como reprodução da força do trabalho e da expansão do capital: todas as práticas de consumo, eventos psicossociais tão diversos como habitar uma casa, comer, vestir, podem ser entendidas, em partes, como um meio de renovar a força do trabalho dos assalariados e expandir os lucros dos produtores. Para Goellner (2007, p. 47), “esse enfoque procura apreender como são realizadas as estratégias de mercado e as ações dos agentes econômicos, sem perder de vista sua relação com a demanda”. Assim, a circulação dos bens transita pelo marketing e
  • 31. 31 consumidores convergentes na estratégia de crescimento do mercado de bens materiais e simbólicos. Inclui-se, nesta perspectiva, a visão de Douglas e Isherwood (2006) em três categorias: o setor primário é o das necessidades de primeira instância como alimentação; o setor secundário parte das tecnologias avançadas do consumo, e o terceiro setor corresponde à maior despesa em informação (formal e informal). Para os pesquisadores, as categorias ocupacionais não servem de guia para análises, pois sofrem constantes mudanças. Como defende Canclini, o consumo é o lugar onde se reproduz a força de trabalho e também onde se expande o capital, é o lugar onde as classes lutam pela apropriação do produto, e o crescimento do consumo não é resultado apenas da necessidade da expansão do capital, mas também consequência das demandas das classes populares (CANCLINI, 1997). b. Consumo como apropriação dos grupos e classes sociais: são os lugares onde os conflitos de classe, causados por participações desiguais na estrutura produtiva, versam sobre a distribuição e apropriação dos bens. Goellner (2007), ao desenvolver esta perspectiva, entende que o consumo é nossa cotidianidade, a forma de ser e estar no mundo. Para ele, “muitas estratégias são engendradas individualmente por parte dos sujeitos para posicionar-se no espaço social, e garantir uma renda é um mecanismo para acessar os bens” (GOELLNER, 2007, p. 48). O antropólogo Daniel Miller (2002), ao realizar um trabalho de campo em um conjunto habitacional nos arredores de Londres, constatou que a decisão na hora de compra das mercadorias nos supermercados estava baseada no amor e no sacrifício das donas de casa. Para Miller, “o momento decisivo em que o trabalho produtivo se transforma em processo de consumo expressa-se no temor do mero consumo profano ou material” (MILLER, 2002, p. 87). Deste modo, as escolhas individuais são feitas a partir de uma determinada demanda, a do mercado. No Brasil, são poucos pesquisadores que se dedicam a estudar o consumo, principalmente relacionado às classes populares. Os antropólogos Everardo Rocha e Carla Barros (2009), ao verificarem a invisibilidade que permeava os estudos relacionados ao consumo no país, realizaram uma pesquisa com empregadas domésticas para identificar os
  • 32. 32 códigos culturais e como estas norteavam as escolhas de consumo. Nos resultados do estudo etnográfico, a hierarquia dos gastos aparece na ideia de poder do consumidor em comprar muitos bens ao mesmo tempo, de forma parcelada (ROCHA; BARROS, 2009, p.37). A facilidade do crédito disponibilizado aos consumidores tem se caracterizado pelo não adiamento da satisfação, que é substituído pela satisfação direta e imediata (CAMPBELL, 2001, p.136). A poupança, que seria o investimento adiado, não contempla a camada popular, devido à urgência que engloba o setor primário. Na pesquisa dos brasileiros, A intensa compra de eletrodomésticos se encaixa no que se denomina, aqui, “consumo de pertencimento”. Ter acesso a determinados bens possibilitaria uma entrada na sociedade de consumo abrangente, e artigos como televisão, celulares parecem cumprir de imediato esse papel. Ser um “consumidor” permite a superação da identidade de “pobre” (ROCHA; BARROS, 2009, p. 37-38). Os valores da compra, a constante aquisição de bens no mercado de consumo, o parcelamento evidenciam, para este grupo, a prosperidade material. O sentimento de participar e compartilhar da sociedade de consumo foi destacado pelas compras dos eletrodomésticos e produtos de marca. Para Canclini, nesta perspectiva, o consumo é um lugar ideológico, chave para a reprodução da ideologia dominante e para construir diferenças sociais entre as classes, mediantes distinções simbólica. O consumo é fundamental para comunicar diferenças entre os grupos sociais, e a diferenciação deve transladar-se para a forma em que se consomem estes bens, a forma que é apropriada e utilizada (CANCLINI, 1997, p. 76-78). c. Consumo como desejo: apesar de não ser palpável, o desejo não pode ser ignorado quando se analisam as formas de consumo. As lojas de departamentos, os shoppings, são templos em que o mundo dos sonhos é possível: “a imensa fantasmagoria das mercadorias em exposição, constantemente renovada pelo impulso capitalista e modernista para a novidade, é a fonte de imagens oníricas que evocam ilusões esquecidas” (FEATHERSTONE, 1995, p. 43). Segundo os frankfurtianos, quando as primeiras pulsões essenciais ultrapassam a racionalidade e se tornam ações corporais (ato de consumir), o ator torna-se o ser consumido, perdendo, assim, seu espírito. O consumo pelo desejo é
  • 33. 33 incorporado como uma necessidade básica de uma cotidianidade intrínseca às relações materiais. Para Campbell (2001), a compreensão do consumo se relaciona ao hedonismo “mentalístico”, que tem na novidade a busca incessante do “material de sonho”, pois a interpretação do consumo moderno, tanto para ele como para Baudrillard, está longe de ser materialista. Ele diz: Essa interação dinâmica entre a ilusão e a realidade é a chave para a compreensão do consumismo moderno e, na verdade, do hedonismo moderno em geral. É, portanto, um aspecto do consumo quer “invisível”, quer conspícuo, e não necessita de quaisquer pressupostos relativos às atitudes para com o status e o prestígio (CAMPBELL, 2001, p. 133). De acordo com Baudrillard (2008), o consumo adquire uma instância em que não se pode mais referenciar o objeto pela sua utilidade específica, e, sim, por um conjunto de signos a que ele remete em sua significação total, pois “a imagem, o signo, a mensagem, tudo o que consumimos, é a própria tranquilidade selada pela distância ao mundo e que ilude, mais do que compromete, a alusão violenta do real” (BAUDRILLARD, 2008, p. 17). Apoiado na semiologia, “a autonomia do significante, mediante a manipulação dos signos na mídia e na publicidade, significa que os signos podem ficar independentes dos objetos e estar disponíveis para o uso numa multiplicidade de relações associativas” (FEATHERSTONE, 1995, p. 33). d. Consumo como ritual: a sociedade seleciona e fixa acordos que regem os significados. Os rituais são eficazes usando objetos para definir o sentido das práticas que eles preservam. Desta maneira, “quando a sorte, a vergonha e a honra substituem ideias controladoras, saímos de uma sociedade regulada pela referência ao além para outra explicitamente preocupada com este mundo” (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006, p. 82). A acumulação individualista, neste sentido, passa a ser um risco, sorte, e não depende apenas de preços e rendas para explicar as decisões de consumo. Slater (2001) concorda com Douglas e Isherwood ao relacionar os bens como instância integradora, o consumo como ritual na organização da ordem social, mas aponta dois problemas nas interpretações dos significados e rituais de consumo que demarcam categorias e classificações. Para Slater (2001, p.147), a antropóloga coloca os significados
  • 34. 34 como uma realidade social preexistente, ignorando que a ordem social é constituída pelas práticas. O segundo problema não leva em conta que os fluxos de informações, os significados do consumo público não são prerrogativas das redes sociais, mas, sim, administradas pelos capitais comerciais investidos em tecnologias públicas de design, marketing e propaganda. Por fim, o universo que integra a perspectiva do consumo como um sistema de informações a faz parecer ingênua demais “como se fosse apenas um dispositivo moderno para ajudar às pessoas a por ordem na confusão de nossos dias” (SLATER, 2001, p. 146-150). A seguir, adentra-se na perspectiva de García Canclini do consumo como distinção e comunicação. 2.1.1. Consumo como distinção e comunicação por García Canclini Esta perspectiva procura entender o consumo como diferenciação social, lidando com formas de apropriação hierarquizadas e com as próprias maneiras do processamento simbólico. Aponta-se para as formas (condições) e o entorno com que o consumo deste bem é adquirido e como os atores o utilizam para se comunicar com os demais. Para Canclini, consumo cultural “é o conjunto de processos de apropriação e usos de produtos em que o valor simbólico prevalece sobre os valores de uso” (1992, p. 06). Tome-se, como exemplo, um caso empírico extraído do I estudo exploratório desta investigação: o jovem A, 18 anos, trabalha em turno diário em um hotel, ganha R$ 900,00 p/mês e reside em um bairro de periferia de Santa Maria. Ele tem um iPhone, modelo 4, avaliado no mercado em R$ 1.500,00. O jovem A parcelou o aparelho em 3x de R$ 500,00 no cartão de crédito do chefe do hotel, sendo descontado direto da folha de pagamento mensal do adolescente. O jovem B tem 17 anos e é aluno de uma escola particular da cidade. É filho de empresários do setor têxtil e a família reside na área nobre da cidade, em um condomínio de luxo. O jovem B ganhou o mesmo telefone (iPhone 4) de aniversário dos pais. O aparelho foi comprado à vista, pela internet, depois de o jovem escolher o modelo ao lado do pai, na casa de praia em que a família descansava.
  • 35. 35 Assim, para o Canclini, a diferenciação deve mover-se para a forma em que estes bens são consumidos e a maneira como são apropriados, adquiridos e utilizados (CANCLINI, 1997, p. 76). São estes mecanismos que delimitam as lutas simbólicas que, invisíveis, simbolizam o consumo, diferenciando as classes uma das outras; como diria Bourdieu: “não basta ter um milhão para ter as condições de levar a vida de milionário” (2007, p. 351). Isso sugere que as condições sociais de existência, a origem familiar e a trajetória de cada ator pode ser um caminho para compreender as práticas do consumo como distinção social, por vezes, já imposta por gostos e tendências de consumo pela classe dominante, tornando legítimo o poder absoluto de impor seu próprio gosto e estilo de vida. Assim, a forma que o jovem B adquiriu o iPhone 4 torna-se legítima perante outros atores em posições inferiores, que buscam, na aquisição do aparelho, ter o mesmo estilo de vida que não lhes pertence. Desta forma, as classes dominantes tendem a valorizar o modo de representação, de apropriação no processo do consumo, enquanto as classes subalternas valorizam o objeto representado. Embora os gostos sejam condicionados a refletirem uma hierarquia simbólica, as preferências dos consumidores ainda requerem um componente estético reconhecido pelo dominante, mesmo se tratando de itens funcionais de consumo, como o aparelho de celular. A linha de raciocínio é também encontrada na obra de Bourdieu, que argumenta que as preferências e as disposições estéticas originam-se em uma hierarquia de classe impondo- se culturalmente. Bourdieu (2007) substitui essa dicotomia na relação entre duas formas de existência social: as estruturas objetivas sociais construídas sobre a dinâmica histórica e a internalização das estruturas sociais, construídas pelos indivíduos na forma de esquemas de percepção, avaliação, pensamento e ação, o habitus. O habitus configura-se como um sistema de disposições duráveis que funcionam como esquemas de classificação para orientar os valores, as percepções e as ações dos indivíduos. Canclini (1997) afirma que, para que o consumo possa ser um sistema de diferenciação social entre os grupos sociais, deve primeiro construir um sistema de comunicação compreensível, um sistema de integração cultural e social. Os membros de
  • 36. 36 uma sociedade, de um grupo, devem compartilhar significados atribuídos aos bens de consumo para constituir um elemento de diferenciação social (CANCLINI, 1997, p. 77). Para Canclini, esta perspectiva é também um sistema de significados compreensível pelos consumidores incluídos e excluídos no sistema de diferenciação social. O consumo como comunicação situa os atores em suas posições de classe, através da difusão de códigos, significados e atributos das classes dominantes em um sistema de comunicação compreensível, assim, os atores e portadores destes códigos verificam e compartilham os significados atribuídos aos bens de consumo. O consumo cultural é uma reafirmação dos “valores e significados comuns” que mantêm uma identidade coletiva, de grupo, classe, gênero, raça, etc. É por este motivo que as experiências e escolhas partem, muitas vezes, de uma dependência psicológica e afetiva em relação às conformidades da vida, ou ainda, contestação da mesma. As escolhas e narrativas do self transmitem mensagens sobre a identidade de um ambiente cultural ativo, intimamente ligado ao ator e à produção de histórias, objetos e práticas. A relação estabelecida, de fato, entre as características pertinentes da condição econômica e social – o volume da estrutura do capital, cuja apreensão é sincrônica e diacrônica – e os traços distintivos associados à oposição correspondente no espaço dos estilos de vida não se torna uma relação inteligível a não ser pela construção do habitus como fórmula geradora que permite justificar, ao mesmo tempo, práticas e produtos classificáveis, assim como julgamentos, por sua vez, classificados que constituem estas praticas e estas obras em sistemas de sinais distintivos (BOURDIEU, 2007). Ou seja, O gosto da necessidade só pode engendrar um estilo de vida em si que é definido como tal apenas de forma negativa, por falta, pela relação de privação que mantém com os outros estilos de vida. Para uns, os emblemas eletivos, enquanto, para outros, os estigmas que carregam, inclusive, em seu corpo (BOURDIEU, pag. 167). Com o conceito de habitus, Bourdieu procura explicar o processo pelo qual o social é internalizado nos indivíduos para dar conta das estruturas subjetivas e objetivas. Para ele, a visão que cada pessoa tem da realidade deriva da sua posição social neste espaço. Preferências culturais não operam em um vácuo social, dependem dos limites impostos pelas mediações objetivas. Portanto, a representação da realidade e das práticas
  • 37. 37 de pessoas é também, e acima de tudo, um empreendimento coletivo e de comunicação. Para auxiliar o entendimento da complexidade da conceituação de Bourdieu, vai-se buscar reforço no que García Canclini entende por habitus: a) Um sistema de disposições duráveis, eficaz em esquemas de classificação que orientam a percepção e práticas além da consciência e da fala, e transferência de trabalho em diferentes campos de prática. b) Estrutura estruturada como um processo pelo qual o social é internalizado nos indivíduos, e atinge as estruturas objetivas que correspondem à subjetiva. c) Estruturas predispostas a funcionar como estruturante, como um princípio de geração e estruturação de práticas e representações (CANCLINI, 1982, p. 32). Os bens são marcações de valores, assumem rituais e são atrelados às concordâncias com outros consumidores, servem para comunicar e transmitir. Nesta visão, aqueles com desvantagens comparativas na tecnologia do consumo estarão perdendo cumulativamente na luta para manter a informação sob controle, e, desta forma, este processo não regulado é capaz de construir barreiras de status que explicam as diferenças em padrões de consumo. 2.2. Mediações da cultura: socialidade, ritualidade e tecnicidade Martín-Barbero é um observador dos processos culturais, principalmente da América Latina. Ao pensar o conceito de mediações, o autor reflete que, diferentemente, do que pensavam os frankfurtianos com o conceito de Indústria Cultural, o que está em jogo no que tange à comunicação é a emergência de uma razão comunicacional. Para ele, a comunicação na tardomodernidade converte-se em um “eficaz motor de desengate e de inserção das culturas”. Assim, alerta para a necessidade de observar a peculiar posição que a comunicação atingiu na formação dos novos modelos de sociedade. Se, por um lado, a antropologia analisava a cultura primitiva, no sentido em que a cultura era tudo, tanto a produção técnica e poética quanto as vinculações de saberes e demais focos do fenômeno humano como ator social, por outro, a sociologia entendia a cultura como somente as práticas e produtos gerados pela esfera das artes e das letras.
  • 38. 38 Hoje, contudo, o objeto da cultura parece girar em uma ampla miríade de aspectos sociais diversos, espalhando-se pela vida social em todas as suas camadas. O autor aponta que “a reconfiguração das mediações em que se constituem os novos modos de interpelação dos sujeitos e de representação dos vínculos que dão coesão à sociedade” (MARTÍN-BARBERO, p. 14) são reflexo das transformações culturais e políticas a partir da relação sujeito/objeto frente às transformações nos meios de comunicação7. As mediações, neste contexto, servem como ponto de referência metodológica entre o ator e suas conexões com o mundo8. Neste sentido, a contribuição desta pesquisa configura-se em um viés distinto de interpretar os usos dos aparelhos celulares pela cultura juvenil pelo olhar barberiano do consumo. Nota-se que, muitas vezes, os autores optam por unificar os sentidos do consumo e de recepção, mas aqui não será o caso. Muitas vezes, o entendimento do consumo funde-se ao de recepção. Da materialidade às tramas vivenciadas por jovens de classe popular em seu contexto social, abandona-se a competência de recepção e suas leituras dos textos midiáticos ligados às audiências para entender o consumo e seus “usos sociais” relacionados ao aparelho de celular. Nesta pesquisa, usa-se o mapa das mediações como aporte interpretativo: Os problemas substantivos que a realidade cultural de nosso país apresenta para a pesquisa em Comunicação passam necessariamente pelos processos de transformação cultural acarretados pela atuação da indústria cultural em presença de uma vasta população pertencentes às chamadas classes baixas (LOPES, 1990, p. 15). Assim, a necessidade de refletir sobre um objeto de história recente, integrado em classes sociais distintas, é constituída complementarmente às mediações proposta pelo colombiano. Os bens compreendidos como desejo cultural juvenil refletem a constante condição de classe incorporada na apropriação dos ritos e na formação social do cotidiano. 7 Um exemplo deste argumento pode ser visto nas manifestações ocorridas em São Paulo (Jun/2013) contra o aumento nas tarifas de transporte público. A imensa mobilização nas redes sociais, vinculada aos argumentos da mídia, serviram para uma grande revolta virtual, que, posteriormente, levou manifestantes às ruas em diversas outras cidades do país. O estopim, muitas vezes, foram vídeos amadores que circularam pela internet, filmados anonimamente por celulares e espalhados pela rede, mostrando o “outro lado” do fato. Foram as perspectivas e visões dos cidadãos brasileiros contra a voz da mídia hegemônica. 8 TRINTA, p. 150-151.
  • 39. 39 No contexto dos jovens que compõem esta pesquisa, observa-se que o aparelho celular perpassa a construção da identidade individual e coletiva. O aparelho é carregado de resíduos culturais, emocionais e simbólicos. Apresentam-se três mediações propostas por Martín-Barbero como categorias de análise: a socialidade, a ritualidade e a tecnicidade. Na socialidade, as relações dos atores sociais tangem a classe, a etnia, a família, a escolha, o trabalho, etc. Torna-se possível investigar as construções e relações ocultas do modo de vida dos jovens de classe popular e suas relações no espaço escolar (progressos e dificuldades no aprendizado), na família (conflitos envolvendo gerações, opções sexuais e condição econômica). Para Martín-Barbero, a comunicação do ponto de vista desta mediação “se revela uma questão de fins – da constituição do sentido e da construção e desconstrução da sociedade” (2003, p.18). Deste modo, ocorrem as mudanças da sensibilidade e subjetividade dos atores que, jovens, intensificam as relações sociais, criando e alternando conceitos e campos que definem a socialidade. A comunidade em questão é instável quanto a relações sociais pela Internet e o uso do celular. Tenta-se entender como o sentido e a tomada de consciência (ou não) pela condição da classe parte das relações que envolvam atores sociais e o aparelho de celular. A ritualidade, segundo o autor, “remete-nos ao nexo simbólico que sustenta toda comunicação: à sua ancoragem na memória, aos seus ritmos e formas, seus cenários de interação e repetição” (2003, p.19). Pode-se incluir, nesta mediação, a análise do uso social e do consumo de celulares modernos como forma de distinção ou, ainda, o desejo inconsciente de ter um iPhone, representado por uma maçã mordida, carregado desde já com significados mitológicos e/ou ritualísticos. Martín-Barbero cita modos de especificidades contemporâneas que podem ser extraídos desta mediação. A ritualidade, como mediação proposta dentro do eixo sincrônico, está entre o Consumo e os Formatos Industriais. Tem-se, neste espaço, o patamar do simbólico, dos usos repetidos através das formas e interações através da “gramática da ação” (olhar, escutar e ler) relacionadas à questão do gosto, da educação, dos saberes, etc. A tecnicidade, por sua vez, remete ao processo de globalização, em que os processos, as práticas sociais e os discursos têm sido cada vez mais mediados por aparatos tecnológicos como o computador ou os telefones celulares, “restabelecendo aceleradamente a relação dos discursos públicos e relatos (gêneros) midiáticos com os
  • 40. 40 formatos industriais e textos virtuais” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p.19). É nestes apontamentos públicos que o avanço da técnica materializa-se no discurso, dando sentido e significado às lógicas de produção que nortearão os formatos industriais, perpassando a “práxis política e um novo estatuto da cultura”, convergindo no poder da estética. Complementando com a noção de matrizes culturais, tem-se suporte para classificar as formas de representação e os formatos industriais, definindo o celular como produto e prática do consumo cultural.
  • 41. 41 3. JUVENTUDE DE CLASSE POPULAR Os “rolezinhos” levaram para dentro do paraíso do consumo a afirmação daquilo que esse mesmo espaço lhes nega: sua identidade periférica. Se quando o jovem vai ao shopping namorar ou consumir com alguns amigos ele deve fingir algo que não é, com os rolezinhos ele afirma aquilo que é! (Renato Souza de Almeida) As características culturais e políticas, individuais ou coletivas, são partes de um processo histórico, de transformações que ocorreram ao longo da trajetória humana – em extensões sociais, culturais e temporais. Para o filósofo marxista Henri Lefebvre (2010), há apenas três concepções de mundo que dão conta de uma visão conjunta da natureza e do homem. São elas a concepção cristã/medieval, formulada pelos teólogos católicos na Idade Média; a concepção individualista, em que o indivíduo e a razão estariam em uma unidade harmônica (essa concepção corresponde ao liberalismo e à burguesia da belle époque); e a atual concepção marxista do mundo, tornando evidente a luta do homem contra a natureza (LEFEBVRE, 2010, pg. 12-13). Com o desenvolvimento desenfreado do capitalismo, no decorrer do século XVIII, o trabalho deixou de ser um meio pelo qual o homem se apropriava de sua essência, passando ser a garantia de sua subsistência. Enquanto os iluministas clássicos faziam a leitura de uma “história de opressão”, Marx interpretava-a como história de luta entre classes, buscando um sistema transformador para a sociedade, no qual, a exemplo da história, o comunismo poderia vir a substituir o capitalismo como molde perfeito para a configuração e instauração da liberdade e da igualdade como conceitos, não quiméricos, mas reais. A categorização de classe social é, ainda, controversa em diferentes discursos e interpretações – marxistas, sociólogos e intelectuais adentram por uma jornada sem fim. Em um esforço por mapear as “memórias de classe”, Bauman (2011, p. 51) resgata os diversos contextos e as apropriações do termo. Em um primeiro momento histórico, classe serviu para designar classificações em diferentes variações de um grupo, sem intenções morais ou políticas. A partir do século XIX, a apropriação da classe em si era entendida em
  • 42. 42 um novo vocabulário para designar, então, grupos sociais: classe trabalhadora, classe produtiva, etc. No que se refere aos Estudos Culturais, o conceito de classe social vem perdendo força como incubadora de transformações e análises políticas. A partir do século XXI, as identidades e o consumo são mais requeridos para entender como os atores comportam-se frente às modificações sociais. Os estudos culturais mudaram sua base fundamental, de maneira que o conceito de ‘classe’ deixou de ser o conceito crítico central. Na melhor das hipóteses, ele passou a ser uma ‘variável’ entre muitas, mas frequentemente entendido, agora, como um modo de opressão, de pobreza; na pior das hipóteses, ele se dissolveu (ESCOSTEGUY, 2010, p. 31). Nesta pesquisa, não se abandona a classe social que, organizada, representa o modo de vida de um coletivo, partilhado por atores em suas representações e práticas sociais nas diversas estruturas da sociedade. A partilha por interesses de classe compõe o tecido em que as relações se arranjam, assumindo uma organicidade dentro do espaço social. Assim, não se condena o interesse por identidade, raça, etnia, gênero como variante em certas pesquisas, mas busca-se a integração de uma visão do ator como potencial transformador consciente de sua capacidade plena. No Brasil, a grande problemática que cerceava a discussão sobre as classes sociais é datada desde o surgimento da Sociologia no país, na década de 70. Para o sociólogo Antônio Sérgio Guimarães (2002), os estudos compreendiam a formação do empresariado nacional; das elites dirigentes; das classes médias; do operariado industrial e do proletariado rural. Hoje, a nova classe média, classe popular, ou ainda classe C, representa mais da metade da população no Brasil, cuja renda mensal varia de R$1.064 e R$ 4.5919. Assim, com maior acesso aos bens de consumo, lazer e cultura, milhares de jovens brasileiros mudaram seus estilos de vida. Embora a classe popular tenha fácil acesso ao crédito na hora da compra, flexibilidade na hora de financiar imóveis, ou ainda diminuição dos juros, 9 Universitário, PDF. Disponível em <http://www.universitario.com.br/noticias/classe_media_01.pdf>
  • 43. 43 9% é analfabeta, e 71% das famílias não têm plano de saúde, assim, a classe popular continua com pouca instrução, com moradia inadequada e segue endividada10. Para Sarti (1996), os pobres sempre foram pensados a partir da produção, depostos da possibilidade do consumo, logo, de recursos simbólicos, “nesta perspectiva, destituídos de bens materiais, vendedores de força de trabalho, foram olhados apenas pela sua condição de dominados” (SARTI, 1996, p. 20). Para Jessé Souza, este grupo de desfavorecidos forma uma “nova classe trabalhadora precarizada, a sociedade moderna têm dois capitais importantes, o econômico e o cultural. Essa visão empobrecida (de classe média) considera apenas a renda”. Para Souza (2009, 145), este conceito apenas econômico de pensar classe social “está inserido na cegueira de pensar que as classes se reproduzem apenas no capital econômico, quando a parte mais importante não tem a ver com isso, mas com o capital cultural, com tudo aquilo que a gente incorpora desde a mais tenra idade”. Para o fim da discussão, o sociólogo declara haver quatro classes sociais no Brasil. São elas: 1) Classe Alta – detentora de maior poder econômico e saber especializado; 2) Classe Média – detentora de saber especializado, ou seja, um conhecimento que tem valor econômico; 3) Classe popular – classe trabalhadora precarizada, sem acesso privilegiado ao capital cultural, econômico e social (chamados de nova classe média); 4) Classe sem privilégios – são os muito pobres que não têm condições de aprender (SOUZA, 2009). Assim como no surgimento das determinações sobre classe e suas contemporâneas interpretações, pode-se situar a classe de idade não como uma variante do campo cultural, como definiria Bourdieu para mapear as posições de classe de um determinado grupo social, mas como um fio condutor do que é temporário. Para Morin (1977), a classe de idade também não poderia ser interconectada com a classe social e, voltando ao princípio de classes decodificado historicamente por Bauman, seria apenas a detecção de um sistema classificatório. Assim, a classe de idade “conduz ao que é transitório, e, de outra parte, a noção de classe designa, neste fluxo constante, uma categoria estável” (MORIN, p. 141). Deste modo, o recorte pela geração jovem nesta pesquisa é proposto por uma caracterização de “uma posição comum daqueles nascidos em um mesmo tempo cronológico - a 10 O Globo (21/03/2013), disponível em <http://oglobo.globo.com/economia/nova-classe-media-tem- trabalho-precario-pouca-instrucao-moradia-inadequada-7914148>
  • 44. 44 potencialidade ou possibilidade de presenciar os mesmos acontecimentos, de vivenciar experiências semelhantes, mas, sobretudo, de processar esses acontecimentos ou experiências de forma semelhante” (WELLER, 2010). Para Abramo (2005, p. 10), as relações de inclusão e exclusão dos jovens em nossa sociedade não são uma novidade, mas, sim, uma necessidade de pluralizar o momento de referir-nos a estes coletivos sociais, isto é, “a necessidade de conceber diferentes “adolescências” e “juventudes”, em um sentido amplo das heterogeneidades que se possam apresentar”. A categoria juventude foi concebida como uma construção social, histórica, política, econômica, territorial, cultural e relacional e, assim, suas definições dependem de movimentações históricas. Não podemos localizar a primeira vez que o termo juventude foi utilizado, mas devemos mencionar que os primeiros manuscritos de autores como Hegel e Marx são denominados por seus comentadores como escritos de juventude. Nesse caso, juventude se refere a um momento que se contrapõe aos escritos maduros. A ideia de juventude aparece vinculada a um processo temporal que revela movimentos humanos em direção a um ideal de realização, no caso a maturidade intelectual (MOREIRA; ROSARIO; SANTOS, 2011, p. 459). No século XX, o psicólogo Stanley Hall, influenciado pelo movimento alemão Sturm und Drang, cunha o termo adolescência, originário do latim, adolescere – brotar, crescer em força. Ele entendia a adolescência como uma fase transitória de grandes agitações emocionais e, entusiasmado pelos jovens artistas alemães da época, que se opunham ao iluminismo e proclamavam liberdade de expressão sem restrições morais, Hall – em seu livro Adolescere (1904) – entende essa fase como portadora de grandes emoções e revoltas comportamentais, antes de o indivíduo estabelecer um equilíbrio na fase adulta. A American Psychological Association, recentemente, publicou uma série de ensaios e artigos a fim de revisar o conceito concebido pelo psicólogo Stanley Hall em suas similaridades e diferenças dos estudos originários e atuais. Nas similaridades, compreendidas pela psicologia até hoje, encontram-se a prevalência do humor deprimido; busca por altas sensações; suscetibilidade da influência da mídia. Nas diferenças da atualidade com o pensamento de Hall estão a hereditariedade e seus componentes genéticos. Influenciado pelo darwinismo, o psicólogo não acreditava que os adolescentes deveriam estar enclausurados em uma sala de aula e que a evolução devia ser em
  • 45. 45 participação com o meio ambiente para o desenvolvimento das habilidades (ARNETT11, 2006, p.186-189). No Brasil, os jovens são o centro das principais discussões sobre as redes sociais, mobilização online e moda. Eles também representam a base do consumo que inova em tecnologias, os chamados gadgets, ou brinquedos tecnológicos. Desta forma, os debates sobre a juventude/consumo têm ganhado força no Brasil. Esses gadgets (inclui-se o celular) permitem aos jovens de classe popular novas práticas sociais, antes indisponíveis pelo alto custo de compra. A Pesquisa de Mídia Brasileira de 201412 revela que os sites mais citados como fonte de informação para jovens de 16 a 25 anos é a rede social Facebook e, como meio de acesso à Internet, o celular é o veículo mais utilizado. Os jovens merecem atenção ao se tratar de problemas sociais já citados. A luta por uma qualidade de vida mais justa, melhor educação e condições de trabalho ainda carece de medidas emergenciais. Em 2013, o Brasil ultrapassou 200 milhões de habitantes, e, destes, 30 milhões são jovens. A densidade demográfica é alta comparada a países menores. O desafio está em abarcar este contingente juvenil em constante transformação emocional e social. 3.1. Identidade Juvenil de classe popular O local e o global ganharam contornos intrínsecos e diversificados nos fluxos midiáticos. Seguindo este processo, “diferentes segmentos juvenis explicitam demandas e constroem inéditas identidades e outros caminhos para sua emancipação” (ABRAMOVAY, 2007, p. 01). Desta forma, “só o diálogo profundo e constante entre gerações, conjugando inovações e tradições, pode inverter a lógica do individualismo depredador questão bem caracteriza a sociedade de consumo e do espetáculo” (2007, p. 02). 11 G. STANLEY HALL’S ADOLESCENCE: Brilliance and Nonsense. Clark University, 2006. Disponível em <http://www.jeffreyarnett.com/articles/Arnett_2006_HP2.pdf> 12 Pesquisa Brasileira de Mídia 2014. Disponível em < http://pt.slideshare.net/BlogDoPlanalto/pesquisa- brasileira-de-mdia-2014>
  • 46. 46 Woodward (2012) aponta que as identidades são marcadas principalmente pelas diferenças. Para sustentar o conceito de identidade, a autora buscou, em um quadro teórico amplo, as contextualizações que pudessem servir para complementar o conceito. Dez tópicos são apresentados na tentativa de contextualizar identidade. Ao longo desta pesquisa, a ressalva foi por buscar entender as identidades de jovens de classe popular e também a identidade juvenil. Na leitura de Woodward, destacam-se as três principais linhas que contribuem para a investigação: 1) a identidade é relacional e a diferença é estabelecida a partir de outras identidades; 2) a identidade está fortemente ligada a condições materiais e sociais; 3) o social e simbólico operam diferentes, mas são necessários para a sustentação das identidades (2012). Para a autora, “a marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentido a práticas e a relações sociais, definindo, por exemplo, quem é excluído e quem é incluído. É por meio da diferenciação social que essas classificações da diferença são ‘vividas’ nas relações sociais” (p.14); 4) as identidades não são plenas e igualitárias, podem haver negociações entre o individual e o coletivo. A interpretação da autora inglesa compõe o livro Identidade e diferença, organizado por Tomaz Tadeu da Silva (2012), dentro das perspectivas dos Estudos Culturais, e vai ao encontro do que Manuel Castells proferia em 1996, ao escrever “O poder da identidade”. A combinação de interpretações é quase semelhante, embora Castells trilhe pela sociedade em rede. Para o espanhol, a construção da identidade tem ligação com os atributos culturais, derivando múltiplas identidades com bases sociais ou materiais (CASTELLS, 2008, p. 22-23). A coincidência das interpretações só aponta diferenças quando Castells delimita as identidades primárias para sustentar o tempo e espaço. A partir da identidade coletiva de um grupo originado do processo histórico compartilhado dos atores, três hipóteses foram levantadas, a saber: 1) identidade legitimadora pelas instituições dominantes; 2) identidade de resistência para posições desvalorizadas; 3) identidade de projeto que transmuta valores e acende posições de status dentro da estrutura social. Em outra contextualização, Giddens (1994) relembra que a autoidentidade estaria ligada de alguma forma ao psíquico, em processos narcisistas, hedonistas e outros. Como lembra o autor, há dificuldade de unificar e compreender conceitos tão complexos como
  • 47. 47 este, constituído, na modernidade, em transitoriedade para a pós-modernidade, pois “afora o sentido geral de se estar vivendo um período de nítida disparidade do passado, o termo com frequência tem um ou mais significados” (1994, p.52). Anthony Giddens faz uma crítica aos pós-modernistas que declaram o fim da história, pois, para ele, a compreensão da historicidade faz parte da modernidade e desconstruí-la passa a ser um exercício físico alegre, já que se vive na racionalização da modernidade (1994, p.56). Na sociedade moderna, as identidades (já múltiplas) estão correlacionadas ao hibridismo cultural a que Peter Burke (2003) se refere ao dizer que os esquemas culturais e os estereótipos formam estruturas de percepção e interpretação. Imagens e representações simbólicas advindas de outras esferas do local geram identidades multíplices. Neste cenário, a identidade juvenil ganharia contornos diversos em um ambiente reconfortado pela inserção midiática na vida cotidiana. Não é fácil, pois, situar-se em apenas um conceito sobre identidade, quando, na verdade, esse conceito está em crise. Stuart Hall (2000) comenta: Estamos observando, nos últimos anos, uma verdadeira explosão discursiva em torno do conceito de ’identidade’. O conceito tem sido submetido, ao mesmo tempo, a uma severa crítica. Como se pode explicar esse paradoxal fenômeno? Onde nos situamos relativamente ao conceito de ’identidade’? Está-se efetuando uma completa desconstrução das perspectivas identitárias em uma variedade de áreas disciplinares, todas as quais, de uma forma ou de outra, criticam a ideia de uma identidade integral, originária e unificada (HALL, p. 103). Como “ler” a identidade juvenil ou dos jovens de classe popular através de um conceito que esbarra em divergências tanto entre os próprios teóricos quanto na própria origem? Hall propõe agregar certos conceitos oriundos tanto da psicanálise de Freud (identificação) quanto da nova posição do sujeito oriunda de Foucault (prática discursiva) para gerar um novo significado ao termo identidade. Em termos mais gerais, a difícil compreensão do conceito de identidade poderá ser suplantada na medida em que se possa delimitar o contexto juvenil. Estando os jovens à margem da posição geracional, a discussão tem a saída estratégica que caminha na possibilidade de um conjunto de fatores que se tornam indispensáveis para a construção da
  • 48. 48 identidade juvenil, como a família, a escola, os amigos, as redes online, a produção e o consumo cultural, “desse modo, qualquer investigação sobre as relações entre identidades e mídia necessita articular a experiência vivida (local) em diferentes classes sociais” (RONSINI, 2007, p.62). Paralelamente, a construção de identidades juvenis deverá permear os processos simbólicos dessa geração, tanto na produção quanto na circulação de significados. Assim, a passagem da sociedade de produção para a sociedade do consumo trouxe os processos de fragmentação da vida humana, o individualismo deu lugar ao pensamento coletivo, redefinindo o significado da própria existência humana. A questão da identidade assume um papel de extrema relevância para entender estes processos continuamente interligados à maneira de viver dos atores. Para Bauman (2001), em sua modernidade líquida, os atores têm de criar a sua própria identidade de um ponto zero e passar o resto da vida redefinindo-a. Os estilos de vida mudam constantemente, desta maneira, a adaptação de uma nova identidade é intrínseca às mudanças no espaço social, tanto no campo simbólico, como no social ou econômico. Segundo Ronsini (2012, p. 61-62), os debates latino-americanos têm como foco a remodelagem das identidades pelos processos comunicacionais, assim, dois aspectos merecem destaque, “o da heterogeneidade promovida pela globalização e o caráter híbrido das culturas”. Algo em comum na cultura juvenil popular nos dias de hoje é o uso do celular. O aparelho constantemente aparece em fotos de perfil das redes sociais em um autorretrato. Frequentemente, é usado por adolescentes como única forma de comunicação online nas redes e na maioria do tempo está atrelado ao corpo. Com a diminuição de impostos para aparelhos como smartphones, a popularização entre jovens da classe C foi rápida. A disseminação veloz do aparelho ganhou fama entre os jovens por alguns motivos: TV online, dual chip e acesso à rede wi-fi. Desta maneira, adolescentes com poucos recursos financeiros puderam ter, em um único aparelho, entretenimento e informação praticamente de graça. A possibilidade de ter dois chips em um celular ajuda os jovens a manobrarem com bônus das operadoras os minutos de ligação, envio de SMS e internet 3G.
  • 49. 49 Para Ronsini (2012, p, 63), “as identidades se forjam em campos cercados pelo medo da violência, do tráfico e o desemprego, elas se forjam como sementes híbridas em campos cercados por estruturas determinadas, do local ao global”. Houve uma inclusão social de jovens de classe popular através do celular, pois estes passaram a estar mais conectados que antes; conteúdos foram gerados para as redes online, a visibilidade passou a ser uma busca interminável para uns, enquanto, para outros, o celular supre a solidão. Muitos destes aparelhos são contrabandeados de outros países, entrando de maneira ilegal no país, tendo o custo ainda mais reduzido, uma vez que geralmente são vendidos em camelôs. As funcionalidades do aparelho de celular serviram como inclusão social e digital àqueles que não tinham acesso a outras fontes de informação e comunicação. O Instituto Data Popular13 aponta que os jovens da classe C são mais conectados e menos conservadores que os pais. A pesquisa realizada desenhou o perfil de 23 milhões de jovens da classe popular e descobriu que a educação está em primeiro plano para estes jovens, o que aumenta a chance de a próxima geração mudar a cara do país. 3.2. Juventude do Bolsa Família Sobre a educação, os indicadores revelam que, até o ano de 2010, cerca de 95% da população de Santa Maria era alfabetizada, com crescimento anual de 3,5% ao ano. O município, por abrigar a Universidade Federal (UFSM), figura no ranking do RS com as maiores taxas de alfabetização e escolarização, estando em 5º lugar. Santa Maria ainda conta com a 4ª melhor distribuição de renda do estado14. Cerca de 2.200 professores compõem a rede pública municipal e estadual de ensino, contemplando 43 mil alunos; apenas 13 mil estudantes são de escolas particulares e, para estes, há 750 professores. Em 2012, o Ministério da Educação15 liberou ao município programas de inclusão educacional, como cursos de educação continuada. O programa 13 Jovens da classe C têm maior escolaridade, conexão à internet e são menos conservadores. Disponível em <http://oglobo.globo.com/economia/jovens-da-classe-tem-maior-escolaridade-conexao-internet-sao-menos- conservadores-8195394> 14 Santa Maria em Dados. Disponível em < http://santamariaemdados.com.br/6-educacao/6-1-instituicoes-de- ensino-inicial-fundamental-e-medio/> 15 Secretaria de município da educação – Santa Maria. Disponível em <http://www.santamaria.rs.gov.br/smed/>
  • 50. 50 com direito à educação inclusiva e direito à diversidade busca contemplar quilombolas, indígenas, realçar relações étnico-raciais e alfabetizar adultos. O Programa que está em andamento em Santa Maria16, em várias escolas e grupos de gestores, tem como objetivo eliminar preconceitos e discriminação por sexo ou raça. Pessoas com orientação sexual, identidade de gênero, condição de deficiência, situação de pobreza, diversidade religiosa também são atendidas pelo programa de educação inclusiva. A Secretaria de Educação de Santa Maria ainda conta com o projeto “Programa de atendimento especializado municipal”, que visa suplantar problemas de aprendizagem, falhas cognitivas e distúrbios psicológicos. Desta maneira, a organização das escolas é repensada em seu aspecto de mudança estrutural e social. Promover o acesso e a permanência dos alunos na escola é a grande meta do projeto. A verificação do insucesso escolar por parte de alguns alunos de rede pública é analisada por profissionais e, mediante os resultados, um plano é traçado para solucionar o problema daquele aluno em particular, alguns dos entrevistados seguem acompanhamento psicológico dentro deste programa. Em 2012, 500 mil jovens foram matriculados em cursos de qualificação profissional. A previsão é que, até 2014, sejam matriculados um milhão de jovens através do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), sendo que, hoje, são 1,6 milhões de jovens pertencentes ao Bolsa Família. Os cursos oferecidos variam entre 13 eixos de ensino que vão desde gestão de negócios, produção alimentícia e cultural, hotelaria, segurança do trabalho, etc. Cada eixo abrange uma quantidade de, no mínimo, dez cursos técnicos. Convênios entre o governo federal, estadual e municipal são traçados com o objetivo de melhor enquadrar o jovem à melhoria da qualificação profissional conforme a necessidade de cada região demográfica específica. Devidamente matriculado, o aluno poderá cursar durante e, posteriormente, aos cursos técnicos oferecidos pela escola e pelo município. 16 No Município de Santa Maria/RS, a Secretaria Municipal de Educação tem investido em ações voltadas para a inclusão social, em que as escolas estão organizando-se e adaptando-se em sua estrutura física e organizacional para satisfazer as necessidades permanentes ou temporárias apresentadas pelos alunos.
  • 51. 51 A distribuição desigual de renda aliada a condições vulneráveis de moradia e alimentação são o reflexo de um país que ainda busca suprir as necessidades básicas da população e perpetua a menor probabilidade de os jovens aumentarem seu capital cultural ou ascender a um status social mais elevado. Nesse contexto, em 2003, o governo Lula criou o Programa Bolsa Família para beneficiar famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade social. O governo unificou vários outros programas de assistência de governos anteriores como o Bolsa Alimentação, o Auxílio Gás, o Bolsa Escola e o Cartão Alimentação em um só programa, resultando o Bolsa Família. A ajuda de rápido acesso teve o intuito de suprir as necessidades financeiras mais urgentes. Para ser beneficiário do Programa, basta comprovar uma renda de até R$70,00 por pessoa ou de até R$140,00 para as famílias que possuem adolescentes de 16 a 17 anos. Para a família cadastrar-se no Programa, basta direcionar-se à prefeitura do município onde residem e realizar o cadastro no CadÚnico – Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal17. A seleção dos contemplados é feita pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Depois de a família ser aprovada, o representante recebe o cartão Bolsa Família pelos Correios ou o retira, pessoalmente, na Caixa Federal para cadastramento de senha. Referente à educação, as famílias com crianças de seis a 15 anos devem ser devidamente matriculadas em colégios públicos e comprovar uma frequência mínima de 85% da carga horária escolar. Maiores de 18 anos que moram na residência devem apresentar carteira de trabalho, identidade, CPF e título de eleitor e menores devem apresentar a certidão de nascimento e a frequência escolar. Em Santa Maria, cerca de 40 mil famílias recebem o auxílio do governo. Inspirado no programa brasileiro, o governo colombiano instituiu o “Más famílias en acción18”. Com os mesmos objetivos de erradicar a pobreza e estimular a educação, o benefício colombiano favorece três milhões de famílias que recebem cerca de R$150,00 por mês. A cobertura do programa estende-se a 1.102 municípios e contempla famílias com menores de 18 anos. Há uma flexibilidade maior quanto à Bolsa Família, na 17 Disponível em <http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2010/01/21/cadunico> 18 Más compromiso por la equidad. Disponível em <http://www.dps.gov.co/Ingreso_Social/FamiliasenAccion.aspx>